Inspirado no Verão de Giuseppe Arcimboldo — em que a estação aparece como rosto feito de frutos maduros —, a estação no Brasil e no Hemisfério Sul também pode ser lida como um retrato coletivo: uma soma de tempos, afetos, excessos e promessas.
Aqui, o verão começa em dezembro, quando o ano ainda pulsa com as ruas lotadas de consumidores indo às compras. É estação que não chega sozinha: vem acompanhada do encerramento do calendário escolar, das férias, das malas improvisadas, das estradas cheias, dos aeroportos lotados. O calor não é apenas climático; é social. O país desacelera em alguns setores e acelera em outros. A rotina se reorganiza.
O verão brasileiro é inseparável do Natal e do Ano Novo — datas que, sob o sol forte, ganham outro sentido. As mesas se abrem, as famílias se reúnem, mesmo entre ausências e silêncios. Há reencontros, há conflitos, há tentativas de recomeço. Entre rabanadas e frutas geladas, o ano se despede e outro se anuncia, como se o calor ajudasse a dissolver o que ficou pesado demais.
Janeiro chega com cara de promessa. Para muitos, é tempo de viagem, de praia, de pés na areia e sal na pele. Para outros, é tempo de trabalho redobrado, de cidades vazias e transporte irregular. O verão, como em Arcimboldo, é abundante — mas desigual. Enquanto uns desfrutam, outros resistem às ondas de calor, às contas altas, à falta de sombra e de água.
Fevereiro traz o retorno gradual da rotina e, com ele, o Carnaval. A estação então se torna corpo em movimento: música, rua, suor, fantasia, crítica e alegria misturadas. O verão brasileiro é também expressão cultural, ocupação do espaço público, invenção coletiva de felicidade — ainda que breve.
Em março, o verão se despede oficialmente. As aulas retornam, o calendário volta a se impor, mas o calor insiste. Ele se prolonga até abril, lembrando que os ciclos naturais nem sempre obedecem às datas formais. Como na vida, as transições são difusas.
E quando as primeiras chuvas mais constantes chegam, ecoam versos conhecidos:
“São as águas de março fechando o verão…”
A canção de Tom Jobim traduz o sentimento nacional: o verão não termina de forma abrupta; ele se dissolve. Leva consigo excessos, cansaços, amores rápidos, promessas não cumpridas — e deixa a expectativa de recomeço.
Assim como no quadro de Arcimboldo, o verão no Brasil é feito de múltiplos elementos: natureza, tempo, corpo, política, afeto e memória. É estação de plenitude, mas também de desgaste. De alegria e de alerta. Um rosto coletivo composto de sol, suor, música, festa e desigualdade — belo, intenso e, inevitavelmente, passageiro.

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