A política externa de Donald Trump em relação à América Latina, frequentemente rotulada de “Doutrina Donroe” — uma releitura da Doutrina Monroe do século XIX — revela um paradoxo estratégico preocupante. Enquanto os Estados Unidos anunciam a região como uma esfera de interesse prioritário, as ações do governo Trump até o momento não sinalizam um convite à integração hemisférica, mas sim uma coerção unilateral típica de uma potência que percebe sua hegemonia como ameaçada.
A nova estratégia de segurança nacional dos EUA enfatiza controle de fronteiras, combate ao narcotráfico e reforço de alianças ideológicas, mas deixa de lado os mecanismos de cooperação que poderiam gerar benefícios mútuos. Em vez de propor integração econômica, mobilidade legal de trabalhadores ou projetos conjuntos de desenvolvimento, o governo americano privilegia sanções, barreiras e pressão direta sobre governos latino-americanos.
Este comportamento é um claro contraste com o que se observa em modelos de integração bem-sucedidos, como a União Europeia, onde a coordenação multilateral, a harmonização econômica e a governança compartilhada criaram crescimento regional e estabilidade política ao longo de décadas. Para a América Latina, uma integração hemisférica real poderia significar expansão de mercados, investimento em infraestrutura, cooperação em segurança e fortalecimento de instituições democráticas. Para os Estados Unidos, seria uma forma de manter influência sem recorrer a medidas coercitivas, fortalecendo a região como aliada estratégica em um mundo multipolar.
O paradoxo é, portanto, evidente: Trump anuncia prioridade hemisférica, mas age como se o hemisfério fosse uma zona de influência a ser controlada, e não um espaço de parceria. A política de muros e barreiras, em vez de integração e cooperação, reflete uma percepção de declínio relativo dos EUA e o temor de perder poder diante de concorrentes como China e blocos emergentes, como o BRICS.
Enquanto o mundo se move para soluções que privilegiam cooperação econômica e estabilidade regional, a estratégia unilateral de Washington corre o risco de gerar resistência, alianças alternativas e perda de influência legítima, reforçando um ciclo em que a hegemonia americana é percebida como ameaçada, mesmo que ainda exista força econômica e militar significativa.
O grande desafio para o hemisfério é perceber que, na ausência de uma integração real, os países latino-americanos continuarão dependentes de políticas externas que muitas vezes privilegiam o interesse americano em detrimento do desenvolvimento regional sustentável. O paradoxo estratégico de Trump deixa clara a necessidade de repensar formas de cooperação mais equitativas, que possam transformar a América Latina em uma região próspera, integrada e com voz própria no cenário global, em vez de uma extensão de políticas de controle de uma potência que, cada vez mais, enfrenta sinais de declínio relativo.
📷: Getty Images / BBC News Brasil

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