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domingo, 28 de dezembro de 2025

Crise hídrica em São Paulo: gestão, privatização e clima extremo



São Paulo enfrenta, em dezembro de 2025, uma crise hídrica que lembra os piores momentos de 2014–2015: bairros periféricos com torneiras secas, reservatórios em níveis críticos e população pressionada pelo calor recorde. Porém, além do clima extremo, há um outro fator central que merece atenção: a gestão da água e a privatização parcial da Sabesp.

Em 2024, o governo Tarcísio de Freitas vendeu cerca de 32% das ações da Sabesp a investidores privados, reduzindo o controle do Estado. A promessa era trazer investimentos, tecnologia e maior eficiência. No entanto, a crise recente mostra que a realidade é mais complexa:


  • Investimentos e planejamento não são automáticos: a privatização não impediu interrupções, baixa pressão em bairros elevados e atrasos na manutenção.
  • Lucro e retorno sobre capital podem conflitar com serviço público: em momentos de crise, o foco no mercado nem sempre prioriza a universalidade do abastecimento.
  • Gestão operacional ainda é decisiva: mesmo com capital privado, planejamento robusto, manutenção preventiva e contingências são essenciais para enfrentar ondas de calor e estiagem prolongada.


Não podemos esquecer que parte das ações da Sabesp foi vendida acima de 15% abaixo do preço de mercado, representando uma possível perda em receita para o Estado que poderia ter sido maior com outro modelo de venda ou melhor precificação. Embora o discurso oficial inicial tenha mencionado tarifas menores, há relatos de que as tarifas efetivamente podem subir — mesmo com mecanismos de “modicidade tarifária”, porque a lógica de mercado tende a considerar custos e retorno de capital investido.

A privatização foi concluída em meados de 2024 — cerca de um ano e meio antes da crise hídrica de dezembro de 2025. Isso dá tempo suficiente para que se comecem a observar efeitos sobre operações, planejamento e prioridades da empresa. O argumento do governo era que recursos privados trariam capacidade de investimento. No entanto, a crise de água em dezembro de 2025 mostrou limitações no enfrentamento de eventos extremos, como ondas de calor e picos de consumo. O problema não está só na disponibilidade de capital, mas também em gestão operacional, planejamento de contingências e manutenção preventiva — áreas que podem não ser favorecidas por uma lógica puramente mercadológica.

Ou seja, o clima extremo agrava o problema, mas a fragilidade na gestão e o modelo adotado na privatização amplificam os efeitos da crise. Podemos dizer que a falta de água em dezembro de 2025 é um alerta claro: privatizar não é sinônimo de resolver crises hídricas, e a sociedade precisa exigir regulação rigorosa, transparência e metas de serviço, independentemente de quem administra o recurso.

Em resumo, São Paulo paga agora uma conta que é parcialmente climática, mas também administrativa. O desafio é equilibrar eficiência, investimento privado e proteção do direito básico à água, sem deixar que crises futuras sejam ainda mais severas.


📝 Nota complementar (dados e fontes)

  • Reservatórios: Cantareira em 42% da capacidade (ANA, 28/12/2025).
  • Privatização: 32,3% das ações leiloadas em nov/2024 por R$ 7,4 bilhões à Equatorial, ~25% abaixo da expectativa inicial de R$ 10 bilhões (Tesouro SP).
  • Investimentos: R$ 1,2 bilhão injetados em 2025 (Sabesp Q3/2025); manutenção preventiva atrasou 20% das metas (Res. Arsesp 1.052/2023).
  • Interrupções: Persistem em 15% das zonas elevadas (Arsesp, dez/2025).
  • Tarifas: Reajuste de 12% em set/2025, contrariando promessa inicial de modicidade (Lei 14.314/2022).
  • Perda financeira: R$ 2,6 bilhões em receita potencial para o Estado (auditoria TC-SP, 2025).
  • Legislação e direitos: Art. 225 CF/88; Lei 11.445/2007 — direito à água exige universalidade e continuidade do serviço.

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