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domingo, 28 de junho de 2020

Uma lei flagrantemente lei inconstitucional no Município de Mangaratiba...



Em 12/03/2020, a Câmara Municipal de Mangaratiba recebeu a Mensagem n.º 03/2020 que capeia projeto de lei de autoria do Chefe do Executivo, fixando as novas alíquotas previdenciárias dos servidores públicos municipais e do ente Município para o PREVI-Mangaratiba, no percentual de 14% (quatorze por cento), dando outras providências.

O texto normativo da proposição, que foi aprovada na íntegra durante a sessão legislativa de 18/06/2020, em segunda votação, diz o seguinte:

“Art. 1º Fica fixado o percentual em 14% (quatorze por cento) das novas alíquotas mínimas de contribuição previdenciária do servidor público município e do ente município, no âmbito da administração direta e indireta, para o Instituto de Previdência de Mangaratiba – Previ Mangaratiba.

§ 1º As alíquotas criadas no caput do presente artigo irão vigorar, a partir de 1º de março de 2020, nos moldes determinados pelo artigo 11 da Emenda à Constituição Federal n.º 103, de 12 de janeiro de 2019.

§ 2º As alíquotas criadas no caput deste artigo poderão sofrer majorações em razão de resultados de revisão anual do Cálculo Atuarial, nos termos da legislação federal aplicável.

§ 3º Ocorrendo o disposto no parágrafo anterior, fica o Chefe do Executivo autorizado a proceder à devida alteração por Decreto Municipal.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de março de 2020, revogadas as disposições em contrário.”

Como justificativa, a proposta contida na Mensagem n.º 03/2020 apresentou os seguintes argumentos

"Dirijo-me a V. Exª, com o intuito de cientificá-lo da ampla necessidade de se consumar e promulgar Lei autorizativa que fixa a nova alíquota previdenciária dos servidores públicos da administração Direta e Indireta do Município de Mangaratiba, senão vejamos:
Insta salientar que fora institucionalizada a Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, em que, dentre outras exigências, especificamente como objeto deste Ofício, a fixação de nova alíquota previdenciária.
Não obstante, o Município de Mangaratiba promove a retenção da alíquota de 11% (onze por cento) dos vencimentos de seus servidores oriundos da Administração Direta e Indireta, recursos esses que são repassados, mensalmente ao Previ Mangaratiba.
Em decorrência dos adventos da Emenda Constitucional n.º 103, 12 de novembro de 2019, fora fixada nova alíquota no percentual de 14% n(quatorze por cento) que, abaixo, será esposada para a sua compreensão.
É de suma importância consignar que o cumprimento da fixação da nova alíquota previdenciária é de cumprimento imediato, contudo, precisamos abalizar os efeitos do artigo 36, inciso II, da EC n.º 103, de 2019.
O artigo 36, da EC nº 103, de 2019, vem tratando quanto a vigorar seus efeitos no primeiro dia do quarto mês subsequente  à data da publicação da emenda.
Desse modo, a EC nº 103, de 2019, fora publicada no Diário Oficial da União, no dia 12 de novembro de 2019, e trouxe consigo o artigo 36:

“Art. 36. Esta Emenda Constitucional entra em vigor:
I – no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da data da publicação desta Emenda Constitucional, quanto ao disposto nos artigos 11, 28 e 32.”

De igual forma, o inciso II, do artigo 26, trata diretamente quanto aos Regimes Próprios de Previdência Social, in verbis:”

“II – para os regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quanto à alteração promovida pelo art. 1º desta Emenda Constitucional no artigo 149 da Constituição Federal e às revogações previstas na alínea “a” do inciso I e nos incisos III e IV do art. 35, na data da publicação da lei de iniciativa privada do respectivo Poder Executivo que as referende integralmente.”

No entanto, é de suma importância consignar, até para um melhor direcionamento, e principalmente na interpretação  do texto da EC n.º 103, que seja cumprido o prazo nonagemal apontado no artigo  36 da Emenda Constitucional, até porque estão ocorrendo divergências quanto ao prazo para o devido cumprimento, em que se têm interpretações difusas e, por precaução, o mais adequado é seguir os arrimos do texto do artigo 36 da EC nº 103, para que se evitem contratempos, tendo como principal a perda do Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP).
Nesse passo, para que se possa dar a devida validade quanto à nova fixação do percentual da alíquota previdenciária, faz-se necessária a normatização por meio de Lei Municipal para sua ampla validade e principalmente no âmbito da institucionalização, respeitando-se assim, as diretrizes esculpidas na EC n.º 103, de 2019.
É de clareza solar que sem o referendo mediante lei do ente subnacional de que trata o inciso II, do artigo 36, da EC n.º 103, de 2019, não poderão os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em hipótese alguma, instituir alíquotas de contribuição para custeio do RPPS de forma progressiva.
É importante consignar que o Ente que  não se enquadrar no que tange à fixação da nova alíquota previdenciária correrá risco de  ter o Certificado  de Regularidade Previdenciária (CRP) suspenso; logo, tal provimento tem que ser tratado em caráter de urgência, até porque a aplicabilidade é imediata.
Nesse contesto, é de suma importância para a saúde financeira do Previ Mangaratiba que, o quanto antes, haja o referendo criando a lei autorizativa para a fixação do percentual de 14% (quatorze por cento) da alíquota previdenciária.
Importante salientar, conforme apontado anteriormente, que a Secretaria Geral da Previdência Social determinou que a fixação da alíquota de 14% (quatorze por cento), terá a sua aplicabilidade de forma IMEDIATA, em conformidade com o artigo 9.º, parágrafo 4º e 5º da EC nº 109, de 2019.
Contudo, por ser detentor de déficit atuarial, deverá ser aplicado o percentual de 14% (quatorze por cento), quanto à demora a ser fixada no que tange à contribuição previdenciária dos servidores ativos dos poderes diretos e indiretos, atendendo aos arrimos do caput do artigo 11 da EC n.º 103, de 2019, in verbis:

“Art. 11. Até que entre em vigor lei que altere a alíquota da contribuição previdenciária de que trata o artigo 4.º, 5.º e 6º da Lei n.º 10.887, de 18 de junho de 2004, esta será de 14% (quatorze por cento).

Sendo assim, trazemos proposta de projeto de lei no que tange à fixação da alíquota no percentual de 14% (quatorze por cento)."

Após a aprovação do projeto legislativo, o qual gerou um profundo descontentamento entre os servidores municipais, principalmente por causa da cobrança retroativa de valores, eis que um vereador que havia votado contra a proposta, tentou, sem sucesso, reverter a situação junto ao Executivo Municipal, havendo o mesmo publicado uma nota em sua rede social no dia 22/06:

“Olá pessoal! Em virtude de várias indagações dos servidores sobre a Mensagem que foi enviada pela Prefeitura à Câmara Municipal, que faz um aumento da alíquota previdenciária, venho trazer alguns esclarecimentos. Fomos contrários ao projeto, entretanto, por maioria, ele foi aprovado. No Art. 2º deste Projeto de Lei, dispõe que "Esta lei entre em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de março de 2020, revogadas as disposições em contrário". Com isso, fica a dúvida em relação ao efeito retroativo. Nós entramos em contato com o prefeito Alan Bombeiro para expor a preocupação dos servidores em relação a cobrança da diferença da nova alíquota e entendemos esse dispositivo como inconstitucional, pois ele viola o princípio da anterioridade nonagesimal, irredutibilidade de vencimento e direito adquirido. Desta forma, estamos tentando reparar este equívoco para que os servidores não sejam prejudicados e o artigo seja modificado. Estamos otimistas e acreditamos que a prefeitura municipal terá a sensibilidade de corrigir esse erro!” (Fernando Freijanes)

Em 25/06, foi publicada na página 2 (dois) da edição n.º 1154 do Diário Oficial do Município, de 25/06/2020, a Lei n.º 1.297, de 24 de junho de 2020, cujo texto, como já dito, correspondeu, na íntegra, ao do projeto legislativo aprovado:

Ocorre que tal norma jurídica encontra-se impregnada de inconstitucionalidades!

O primeiro questionamento que se faz diz respeito à produção de efeitos quanto à majoração do tributo, retroagindo a 01/03/2020, sendo que a Lei só foi publicada em 25/06/2020, conforme se comprova pelo print acima da página no Diário Oficial do Município.

Ora, pelo princípio da anterioridade, nenhum tributo poderá ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que instituiu ou aumentou, levando em consideração o princípio constitucional pelo qual não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação penal (CF, Art, 5°, XXXIX)

Segundo tal princípio, é vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Assim, a norma constitucional exige que a lei que cria ou aumenta um tributo só venha a incidir sobre fatos ocorridos no exercício subsecutivo ao de sua entrada em vigor. 

É certo que que a Emenda Constitucional nº 42 inseriu a alínea "c" ao artigo 150, inciso III, da Constituição Federal, estabelecendo que, sem prejuízo da anterioridade comum (do exercício financeiro), muitos tributos não podem ser cobrados antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. A fundamentação, no caso, encontra-se no artigo 150, inciso III, alíneas "a", "b" e "c", da Constituição Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;         (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”

No âmbito da Constituição Estadual, temos uma vedação semelhante no seu art. 196 que limita o poder de tributar tanto do Estado do Rio de Janeiro quanto dos seus municípios:

"Art. 196 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

(...)

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b. (alínea acrescentada pelo art. 16 da Emenda Constitucional nº 53, de 26/06/2012, conforme publicação no D.O. de 27/06/2012)"

No âmbito do Município de Mangaratiba, diz o parágrafo 3º do art. 124 da Lei Orgânica Municipal que a lei que instituir tributo municipal "observará, no qual couber, as limitações ao poder de tributar, estabelecidas nos artigos 150 a 152 da Constituição federal".

Assim sendo, a nova lei municipal em comento deveria, ao menos, ter respeitado o princípio da anterioridade nonagemal, sendo absurda a cobrança quanto a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da Lei.

Ora, se Câmara foi morosa em aprovar a proposta legislativa, não poderão os servidores ser agora obrigados a suportar esse aumento da alíquota. Ainda mais com data retroativa!

Ademais, o princípio da anterioridade tributária deve ser entendido como norma de direito fundamental. E podemos dizer que, em âmbito tributário, os princípios têm como um de seus efeitos, a efetiva limitação à atuação estatal e ao seu poder arrecadador. 

Dessa forma, é que se dá a harmonia do sistema tributário. Pois, de um lado, as leis que exigem os tributos e autorizam o Poder Público a cobrá-las, estabelecendo formas, tempo e espaço, para essa tarefa. Porém, ao mesmo tempo, precisa haver respeito aos direitos e às garantias dos cidadãos bem como limites ao poder de arrecadação, evitando arbitrariedades, abusos e desrespeito, como estamos assistindo aqui em Mangaratiba.

No caso do princípio da anterioridade, este corresponde ao que alguns doutrinadores têm exposto com a adoção da expressão "princípio da não-surpresa tributária", termo que significaria a unificação terminológica do princípio da anterioridade comum e do princípio da anterioridade nonagesimal. 

Pode-se afirmar que o princípio da anterioridade é exclusivamente tributário, uma vez que se projeta apenas no campo da tributação, seja ele federal, estadual, municipal ou distrital. E, no que tange a esta peculiaridade do princípio da anterioridade, o doutrinador José Francisco da Silva Neto assim nos ensina: 

"(...) com efeito, enquanto para os demais ramos do Direito a pura vigência de seus textos de lei já os torna factivelmente exigíveis, pois aptos à produção de efeitos a partir de referida vigência, as normas jurídicas tributárias, que criem ou majorem, para fins de cumprimento ao princípio em tela, não exigem previsão sobre aquele momento, mas quanto ao de vincular ou de incidir sobre os casos concretos" (SILVA NETO, Apontamentos de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Dorense, 2004, pág. 132).

Igualmente, com maestria, o doutrinador Sacha Calmon Navarro Coêlho leciona que 

"o princípio da anterioridade expressa a idéia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus negócios e atividades." (COÊLHO, Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 213)

É certo que o princípio da anterioridade não impede a criação nem a majoração de tributo, sendo que o mesmo apenas se preocupa em regular os efeitos de tal ato no tempo. Ou seja, é estabelecida uma imposição constitucional de se manter uma distância temporal mínima entre a publicação e a força vinculante da lei instituidora ou majoradora de tributos.

Assim, não haveria como se opor à majoração da alíquota da contribuição previdenciária para 14% (catorze por cento), mas tão somente no que diz respeito à observância do princípio da anterioridade nonagemal que deve ser contada após à publicação da nova lei em 25/06/2020, sem qualquer possibilidade de retroagir a fatos geradores passados.

Conclui-se que nem em relação à folha de pagamento dos servidores do mês de junho de 2020 poderá ser descontada a alíquota previdenciária de 14% (quatorze por cento), mas somente a partir de outubro corrente ano já que os noventa dias de anterioridade se completarão em pleno setembro.

A IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAR AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS POR MEIO DE DECRETO


Como se já não bastasse o prefeito e a maioria dos vereadores terem violado a Carta Magna quanto ao princípio da anterioridade, também cometeram outra contrariedade ao Texto Maior que foi a violação do princípio da legalidade.

De acordo com o parágrafo 2º do artigo 1º a nova lei, fica o Chefe do Executivo autorizado a proceder à majoração de alíquotas das contribuições previdenciárias por Decreto Municipal, o que fere frontalmente o princípio da legalidade.

Como se sabe, o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, expressão jurídica do princípio da legalidade.

Ora, a História mostra que o princípio da legalidade surgiu da necessidade de consentimento do povo, através de seus representantes no Parlamento, para a imposição de obrigações, sendo que a reserva legal nessa matéria é exigida, de forma universal, nos Estados Constitucionais de Direito.

O conceito de lei, tal como previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, refere-se a todo ato normativo editado ordinariamente pelo Poder Legislativo, ou, excepcionalmente, e de modo genérico, pelo Poder Executivo, no caso de Leis Delegadas (artigo 68 da Constituição Federal) e das Medidas Provisórias (artigo 62 da Constituição Federal), no desempenho de suas competências constitucionais.

Contudo, em se tratando de Direito Tributário, o princípio da legalidade vem reforçado no que tange à sua aplicação, já que não se satisfez o legislador constitucional com a disposição genérica do art. 5º, inciso II, indo além no detalhismo característico dos temas constitucionais tributários e formulando, na especificidade do art. 150, item I, a exigência de lei para a instituição ou a majoração de tributos.

Desse modo, é invocado o princípio da legalidade com muito mais razão, em matéria tributária, tendo em vista que o constituinte originário reservou nessa seara do Direito um dispositivo especial dentro do Texto Maior que é o art. 150, inciso I, para ressaltar a sua importância, quando se tratar da criação ou de um aumento de tributo.

No direito pátrio, o princípio da legalidade deve ser entendido como uma relação de conformidade com a lei em sentido formal, por se tratar de um ato oriundo do órgão que detém a competência constitucional para legislar e se acha revestido da forma estabelecida para as leis.

Em outras palavras, o princípio da estrita legalidade ou princípio da reserva absoluta da lei formal foi enfatizado pelo legislador constituinte de 1988, que fez questão de reforçar a obrigatoriedade desse princípio em matéria tributária ao fazer constar, no art. 150, inciso I, da atual Constituição, em dispositivo integrante do capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.

Cuida-se, portanto, de um comando genérico à Administração Pública e traduz a ideia de que é preciso resguardar o contribuinte da aplicação de tributos arbitrários. Isso significa que a lei tributária deve proteger o contribuinte, estabelecendo previamente o fato que, se e quando ocorrido, nos termos previstos em lei, dará surgimento à obrigação do particular de recolher aos cofres públicos valores determinados a título de tributo.

Certamente, a observância de tal princípio conduz todos à certeza e à segurança de que a tributação só terá seu conteúdo especificado por lei, em seu sentido formal (instrumento normativo proveniente do poder legislativo) e material (norma jurídica geral, impessoal, abstrata e compulsória), obstando interferências ocasionais e contingenciais tanto da parte do administrador quanto da parte do juiz.

Assim sendo, para a instituição ou mesmo a majoração de qualquer tributo, é preciso que a lei, compreendida em sentido formal, traga em seu bojo todos os critérios identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, não podendo qualquer dos aspectos da regra-matriz de incidência ser introduzido por veículo diverso a exemplo dos decretos, de modo que deve ser fixada uma obrigação de não fazer ao ente municipal, sob pena de multa, extensiva ao gestor, para que tal absurdo não venha a ocorrer.

Conclui-se, portanto, que a nova lei criada no Município de Mangaratiba, no que diz respeito ao parágrafo 3º do seu art. 1º, violou também esse outro princípio da Carta Magna, motivo pelo qual deve, por mais um motivo, ser considerada inconstitucional.

COMO O CONTRIBUINTE PODERÁ SE DEFENDER?


Portanto, dentro dessa análise sobre a não observância de ambos os princípios da Constituição aqui tratados, são flagrantemente inconstitucionais os parágrafos 1º e 3º do artigo 1º e o artigo 2º, ambos da Lei n.º 1.297, de 24 de junho de 2020, do Município de Mangaratiba. E, diante da séria ameaça de que servidores públicos municipais sejam indevidamente descontados, já na próxima folha de pagamento, é certo que qualquer contribuinte pode, desde já, ingressar com a sua ação individual perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. 

No entanto, existe também a possibilidade de ingresso de uma ação coletiva pelo ente de representação sindical, com efeitos para toda a categoria, ou por alguma associação profissional.

Além disso, é possível o ajuizamento de uma representação por inconstitucionalidade perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça por algum dos legitimados no art. 162 da Constituição Estadual cuja redação atual assim diz:

"*Art. 162 - A representação de inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais, em face desta Constituição, pode ser proposta pelo Governador do Estado, pela Mesa, por Comissão Permanente ou pelos membros da Assembleia Legislativa, pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Procurador-Geral da Defensoria Pública, **Defensor Público Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores, e por federação sindical ou entidade de classe de âmbito estadual.

* STF - ADIN -558-8/600, de 1991 - Decisão da Liminar: “O Tribunal decidiu, no tocante a Constituição do Estado do Rio de Janeiro: a) por votação unânime, indeferir a medida cautelar de suspensão das expressões "e Procuradores Gerais" do art. 100; b) por maioria de votos, indeferir a medida cautelar de suspensão parcial do artigo 159, (atual art. 162) vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que a deferia, para suspender as expressões "por Comissão Permanente ou pelos membros" e "pelo Procurador-Geral do Estado, pelo Procurador-Geral da Defensoria Publica"; c) por unanimidade, deferir, em parte, a medida cautelar, para reduzir a aplicação do artigo 176 (atual art. 179), § 2º, inciso V, alínea "e" no tocante a defesa de "interesses coletivos", da alínea "f", A hipóteses nelas previstas em que, ademais, concorra o requisito da necessidade do interessado, e suspende-la, nos demais casos, nos termos do voto do Ministro-Relator: d) por unanimidade, deferir, a medida cautelar, para suspender a eficácia do artigo 346 (atual art. 349); e) por unanimidade, deferir a medida cautelar, para suspender a eficácia do parágrafo único, do artigo 352 (atual art. 355). Votou o Presidente. - Plenário, 16.08.1991.” - Acórdão Publicado no D.J. Seção I de 29.08.91 e 26.03.93.

** Nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 14 de dezembro de 2000."

Como foi a Câmara Municipal quem aprovou a nova lei e o prefeito quem a sancionou, na prática só poderíamos contar com alguns desses legitimados como o Procurador-Geral de Justiça, o Defensor Público Geral, pela OAB, por algum partido com representação na ALERJ ou na Câmara Municipal, alguma federação sindical ou sindicato de classe de âmbito estadual.

Assim, uma vez que seja declarada a inconstitucionalidade, através dessa via, a decisão deverá ser comunicada a Câmara Municipal e a consequência é a retirada da lei do ordenamento jurídico, ou então dos seus dispositivos inconstitucionais.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O problema do uso de imagens não autorizadas nas redes sociais



Verdade é que a internet mudou radicalmente a nossa maneira de viver.

O que até uns quinze anos atrás era uma novidade, isto é, os celulares com câmeras que tiram fotos e permitem a sua publicação nas redes sociais, hoje é uma realidade ao alcance de quase todos. E, uma vez divulgada em um sítio de relacionamentos, como o Facebook ou o Instagram, a imagem acaba sendo vista por um número enorme de pessoas.

Ora, sabemos que, conforme dispõe o art. 5º da Constituição Federal, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". E, por sua vez, o Código Civil também protege o direito de cada pessoa, conforme descrito no art 20.

"Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais"

Seu parágrafo único diz que, se a imagem for de pessoa morta ou de ausente, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes têm legitimidade para adotar as medidas necessárias para proteger o direito do ente da família, podendo, inclusive, ingressar com ação judicial contra o uso não autorizado, como se verifica no artigo 21:  "A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma"

Essas normas legais, no entanto, foram objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal que é a ADIN n.º 4815, quanto às biografias de pessoas falecidas, em que, no ano de 2016, houve uma decisão para dar interpretação  conforme  à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, 

"para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade  de  pensamento  e  de  sua expressão, de criação artística, produção  científica ,  declarar  inexigível  o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas  literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou  de  seus  familiares,  em  caso  de  pessoas  falecidas)"

Deste modo, deve-se observar que, em tese, a possibilidade de impedir a divulgação de foto de pessoas vivas ou mortas na internet, sem autorização prévia, mesmo sem fins lucrativos, constitui uma inequívoca limitação do nosso direito de expressão. Pois, se o próprio indivíduo, o autor da publicação poderá ser obrigado a remover sua postagem das redes sociais e até pagar umas indenização, se causar algum prejuízo à vítima.

Por uma questão de etiqueta, devemos sempre perguntar à pessoa fotografada se ela permite a divulgação da sua imagem para não sermos surpreendido com alguma notificação da mesma ou sofrermos um processo na Justiça, com o risco até de uma condenação por danos morais. 

Mas o que dizer em relação aos sítios de relacionamentos sociais na internet e seus respectivos grupos de discussão?

No caso, é preciso que haja sempre um mecanismo para a pessoa poder reclamar do uso não autorizado de sua imagem e pedir a imediata exclusão, independente do responsável pela postagem fazer ou não. Até porque a vítima pode não ter acesso e nem o interesse de fazer contato com quem esteja fazendo uso de sua imagem dou de seu parente. E, se houver uma situação de dano, caso comprovada a iniciativa de reclamação do ofendido, a empresa corre o risco de ser solidariamente condenada numa ação, independentemente de culpa, por se tratar de uma relação de consumo cuja responsabilidade é objetiva.

Por sua vez, a responsabilidade do administrador em um grupo de convivência nas redes sociais será condicionada ao elemento subjetivo. Isto é, se ele for demandado na Justiça, a vítima precisará provar que houve má intensão ou culpa de sua parte. Por exemplo, se o moderador foi omisso a ponto de não fazer nada após ter recebido a reclamação para remover uma postagem indevida que causou dano ao solicitante.

Certamente que a mera publicação de uma imagem não autorizada, por si só, pode não gerar dano moral. Em se tratando de pessoas públicas, no exercício de suas funções, não vejo restrições quanto a isso. Mas em relação a aqueles que não estão politicamente expostos, incluindo os parentes das autoridades ou a família dos candidatos nas eleições, será conduta ilícita a divulgação da foto. Mesmo se a pessoa, em algum momento, deixou-se fotografar.