No artigo anteriormente publicado neste blog — “Congresso promulga emenda que amplia possibilidade de acumulação de cargos por professores” — foi abordada a relevância da Emenda Constitucional nº 138/2025, que alterou o artigo 37 da Constituição Federal para ampliar as hipóteses de acumulação de cargos por docentes da educação pública, desde que haja compatibilidade de horários e observância do teto constitucional.
A promulgação da emenda foi recebida com alívio por muitos professores e redes de ensino, especialmente em um contexto de escassez de profissionais qualificados no magistério. No entanto, a mudança constitucional também reacendeu um debate sensível: o que fazer em relação aos professores que, antes da EC 138/2025, não tiveram outra alternativa senão pedir exoneração de um de seus cargos, diante de interpretações restritivas sobre acumulação, muitas vezes impulsionadas por cruzamentos de dados realizados pelos Tribunais de Contas?
A situação anterior e o dilema vivido por professores
Antes da EC 138/2025, a redação do artigo 37, XVI, da Constituição gerava insegurança jurídica. A noção de “cargo técnico ou científico”, quando acumulado com o de professor, sempre foi objeto de interpretações divergentes. Na prática, professores aprovados em concursos públicos acabaram sendo pressionados a optar por um dos vínculos, sob risco de processos administrativos, devolução de valores ou imputações pelos órgãos de controle.
Em muitos casos, o pedido de exoneração não decorreu de uma escolha livre, mas de um contexto de forte constrangimento institucional, em que a alternativa apresentada era sair voluntariamente ou enfrentar sanções mais gravosas. Esse histórico explica por que a EC 138/2025, embora não trate expressamente do passado, provocou questionamentos legítimos sobre seus efeitos indiretos em situações pretéritas.
Argumentos contrários: limites constitucionais e segurança jurídica
Do ponto de vista jurídico, é preciso reconhecer os argumentos contrários a qualquer tentativa de correção automática dessas exonerações. Emendas constitucionais, como regra, produzem efeitos para o futuro, não desfazendo atos administrativos já consumados. Uma norma que determinasse, de forma genérica, a reintegração automática de servidores exonerados poderia violar princípios como:
- a irretroatividade das normas;
- o concurso público;
- a segurança jurídica;
- a separação de poderes.
Além disso, soluções amplas e automáticas tenderiam a gerar alto impacto orçamentário e forte resistência dos Tribunais de Contas, aumentando o risco de judicialização e de declaração de inconstitucionalidade.
Argumentos favoráveis: mudança constitucional e revisão de atos administrativos
Por outro lado, há argumentos relevantes em favor da reavaliação desses casos, desde que feita com cautela. A EC 138/2025 deixou claro que a interpretação anteriormente aplicada era excessivamente restritiva e não correspondia à finalidade constitucional de valorização do magistério.
Nesse contexto, sustenta-se que a exoneração ocorrida exclusivamente em razão da antiga leitura do texto constitucional pode ser objeto de revisão administrativa, não para garantir direitos automáticos, mas para verificar se:
- a exoneração decorreu efetivamente da questão da acumulação;
- atualmente haveria compatibilidade de horários;
- o cargo ainda existe e atende ao interesse público;
- a Administração possui necessidade de recomposição de seu quadro docente.
Não se trata de aplicar a emenda retroativamente, mas de reexaminar atos administrativos à luz de um novo parâmetro constitucional, reconhecendo que muitos deles foram praticados em um ambiente de insegurança jurídica.
O papel dos estados e municípios: caminhos legislativos possíveis
Diante desse cenário, surge uma possibilidade institucionalmente mais segura: a atuação das Câmaras Municipais e das Assembleias Legislativas na elaboração de leis que não imponham soluções automáticas, mas criem procedimentos de revisão individualizada das exonerações ocorridas em determinado período.
Para evitar a inconstitucionalidade, essas normas podem:
- autorizar expressamente a Administração a reanalisar pedidos de exoneração relacionados à acumulação de cargos;
- exigir requerimento do interessado, com comprovação documental;
- estabelecer critérios objetivos de análise;
- vedar efeitos financeiros retroativos;
- condicionar eventual retorno ao interesse público e à existência do cargo.
Importante destacar que não se propõe qualquer forma de indenização, mas justamente uma alternativa administrativa que reduza a judicialização em massa, oferecendo uma resposta institucional mais racional e equilibrada.
Uma resposta ao apagão no magistério
Além do aspecto jurídico, há um dado concreto que não pode ser ignorado: o apagão no magistério, especialmente em áreas estratégicas e em regiões mais vulneráveis. Professores experientes, já concursados e conhecedores da rede pública, foram afastados do serviço não por falta de capacidade ou compromisso, mas por um desenho constitucional que agora foi corrigido.
Criar mecanismos legais para revisar essas exonerações, com responsabilidade e respeito à Constituição, não é privilégio, mas uma política pública inteligente de valorização da educação e recomposição de quadros.
A EC 138/2025 abriu uma porta. Cabe agora aos entes federativos decidir se irão fechá-la com receio do passado ou utilizá-la, com prudência, para enfrentar um dos maiores desafios atuais da educação pública brasileira.

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