O sol da tarde penetrava pelas cortinas, espalhando uma luz morna sobre a sala repleta de plantas. Sobre a mesa de madeira, o gato laranja repousava ao lado de uma Bíblia aberta, olhos semicerrados, como se acompanhasse cada página com paciência infinita. Ele era o único espectador daquelas lembranças que, inevitavelmente, vinham à tona.
Sentado em sua poltrona, com o corpo já cansado de tantos anos vividos, José sentia o peso da memória. Lembrava-se dos pais, sempre ocupados, mas de alguma forma presentes; dos avós, cujo cheiro de bolo ainda parecia flutuar em suas recordações; e dos irmãos, com quem brincava nos quintais da infância. Pensava na primeira companheira, aquela que amou de forma incompleta, e que se perdeu entre erros de juventude e palavras que não soube dizer. Um nó apertava-lhe a garganta.
O nome do amigo de infância surgia com clareza: o garoto que correu com ele pelas ruas de sua cidade natal e que desapareceu quando sua família se mudou. Nunca mais soube dele. Havia saudade, sim, mas também um silêncio pesado, quase cúmplice, que se acomodara ao longo dos anos.
Vieram à mente também as viagens ao lado da segunda companheira, agora convivendo com outro, e o tempo distante, quando imigrante nos Estados Unidos, enfrentando dificuldades e conquistando oportunidades. Voltou ao Brasil já perto da terceira idade, comprou duas casas com os dólares economizados, mas viveu só. A solidão era companheira constante, mas ele tentava compreendê-la, acolhê-la, mesmo sentindo a culpa de escolhas mal feitas e de amores perdidos.
O aroma de café recém-passado, o som distante da cidade, o calor suave da lâmpada âmbar — todos esses detalhes tornavam a nostalgia quase palpável. O gato levantou-se, espreguiçou-se, e voltou a deitar-se, como se aprovasse a quietude da reflexão.
José olhou para o relógio que marcava 18h30. Uma ideia surgia sem que ele tivesse perguntado: a missa das 19h. Por que iria? Ele não era mais assíduo; abandonara a igreja na juventude, escapando das obrigações e das certezas impostas. Porém, ainda assim, sentia algo como um chamado tênue. Talvez não pela fé, mas pelo reencontro com o passado, pelo abraço silencioso que a tradição poderia oferecer à sua própria história.
Hesitou. Sentiu o peso da culpa, mas também o desejo de compreensão. Talvez não precisasse de orações para se reconciliar com a vida; talvez bastasse atravessar a rua e sentar-se, ouvir as vozes, sentir o espaço — como se cada banco, cada vitral, pudesse oferecer a ele uma ponte de volta a tudo que fora, a tudo que se perdeu e, ainda assim, permanecia dentro dele.
O sol começava a se recolher, tingindo de laranja o quarto, combinando com o pelo do gato, que o observava com olhos insondáveis. José suspirou, levantou-se devagar, sentindo cada músculo protestar, mas com a sensação de que aquele pequeno gesto — mesmo que simples, mesmo que simbólico — poderia ser o início de uma tarde em que o passado e o presente conversassem sem pressa, sem culpa, apenas com a inevitável suavidade da nostalgia.

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