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quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Por que o Governo Federal deveria recusar a prorrogação da concessão da Ampla/Enel Rio e promover nova licitação em 2026



A recente discussão pública em torno da Enel Distribuição São Paulo e da possibilidade de caducidade de seu contrato por falhas graves na prestação do serviço coloca em xeque o modelo atual de prorrogação automática de concessões no setor elétrico. 

Em São Paulo, o Ministério Público Federal e a Justiça questionam o processo de renovação antecipada da Enel SP diante de frequentes interrupções de energia, falta de investimentos e indicadores alarmantes de desempenho, pedindo inclusive a suspensão de qualquer prorrogação até a conclusão da apuração das falhas graves.

Essa visão de crítica à renovação não é apenas um debate teórico: ela reflete uma compreensão crescente de que contratos públicos essenciais não podem ser prorrogados como mera formalidade se há sérios indícios de incapacidade institucional da concessionária de prestar serviços adequados.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, há um conjunto ainda mais robusto de elementos que agravam o quadro: reclamações massivas, multas de defesa do consumidor, grande volume de ações judiciais e uma sequência de decisões administrativas que revelam problemas sistemáticos de prestação de serviço pela concessionária que atua hoje no lugar da antiga Ampla. A seguir, os fundamentos para um posicionamento firme do MME contra a prorrogação do contrato de concessão da Enel RJ.


1. O contexto da prorrogação contratual no Brasil

Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Ampla Energia e Serviços – Enel Rio protocolou em tempo hábil o pedido de prorrogação do seu contrato, que vence em 09/12/2026, junto à agência reguladora. A ANEEL chegou a recomendar ao MME a prorrogação antecipada da concessão da Enel RJ com base no cumprimento de critérios formais previstos em decreto vigente.

No entanto, essa recomendação não é vinculante para o MME, que possui discricionariedade para decidir pela renovação ou não com base em interesse público e análise de qualidade de prestação do serviço. A discricionariedade protege a administração de contrair obrigações quando há evidências claras de prejuízo ao interesse coletivo e, cumpridos os prazos legais, a decisão pela não prorrogação não gera obrigação de indenizar a concessionária. Pelo contrário, a própria legislação setorial prevê que, não havendo interesse em prorrogar, a concessão deve ser licitada.


2. A Enel Distribuição Rio como um dos maiores alvos de ações judiciais no RJ

Um dos dados mais expressivos que fundamentam a recusa à prorrogação é o elevado número de ações judiciais contra a Enel Distribuição Rio, que refletem conflitos recorrentes entre consumidores e a concessionária. Em 2023, pelo menos 25.524 ações foram ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis contra a Enel RJ, tornando-a a segunda empresa mais processada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ‑RJ) naquele ano — atrás apenas da Light, outra distribuidora local.

Esses processos não são litígios isolados, mas convergem sobretudo para temas relacionados à má prestação de serviço, cobranças indevidas, interrupções constantes de energia e descumprimento de obrigações contratuais essenciais.


Principais tipos de litígios que caracterizam padrão de falhas

Dados de sistemas nacionais de defesa do consumidor mostram que, nos últimos anos, a Enel Distribuição RJ apresentou:


  • 1.792 reclamações sobre cobrança de tarifas indevidas ou inesperadas,
  • 924 reclamações por irregularidade na medição,
  • 784 reclamações relacionadas a atendimento (SAC) inadequado ou não respondido,
  • 548 reclamações por interrupção ou instabilidade frequente no fornecimento,
  • 382 reclamações por cobrança por serviços não realizados ou atrasados.


Esse painel demonstra uma série sistemática de problemas estruturais na prestação do serviço, e não apenas falhas eventuais.


3. Problemas de atendimento, descaso e reincidência

Além dos números brutos, reclamações individuais amplificam o diagnóstico de incapacidade gerencial da concessionária. Existem registros em plataformas públicas de consumidores com cobranças abusivas reincidentes mesmo após decisões judiciais favoráveis e com tratamento inadequado no atendimento ao cliente. Outro exemplo relatado é a inclusão incorreta de nomes em cadastros de crédito que a própria concessionária foi condenada a retirar, sem que a situação fosse resolvida adequadamente, apontando descaso administrativo.

Esses episódios, além de indicar repetição dos problemas, sinalizam possível deficiência no cumprimento de ordens judiciais e administrativas, o que compromete ainda mais a confiança do consumidor e do poder público na capacidade da concessionária de melhorar seus serviços.


4. Ação de órgãos federais e estaduais de defesa do consumidor

Em 2024, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, aplicou uma multa de R$ 13 milhões à Enel RJ por “interrupções de serviço público essencial e demora no restabelecimento” — um reconhecimento federal de que a concessionária não cumpriu padrões mínimos de qualidade.

No âmbito estadual, o Procon‑RJ tem instaurado diversos processos sancionatórios importantes, motivados por reclamações em cidades como Campos dos Goytacazes, Maricá, Arraial do Cabo, Macaé e Casimiro de Abreu, que já geraram multas superiores a R$ 12,5 milhões.

Essas medidas administrativas reforçam que não se trata de percepções isoladas, mas de problemas amplamente reconhecidos por órgãos de proteção ao consumidor.


5. Reclamações por interrupções e instabilidade no fornecimento

Interrupções constantes de energia, oscilações de tensão e demora para restabelecimento foram algumas das principais queixas registradas no sistema nacional de defesa do consumidor no período 2022‑2024. Essas falhas, quando persistentes, não apenas geram transtornos — podem comprometer serviços essenciais, pequenos negócios, sistemas de saúde e segurança pública, configurando de fato uma falha na prestação de serviço público essencial.


6. Argumentos jurídicos contra a prorrogação antecipada

Discricionariedade administrativa e interesse público

A Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) e o regime regulatório permitem que o poder concedente e seus agentes reguladores exerçam discricionariedade na decisão de prorrogar ou não um contrato de concessão, desde que a decisão seja fundamentada em interesse público e na análise técnica.

Ao recusar a prorrogação, o MME pode, com segurança jurídica, fundamentar a decisão em critérios de qualidade do serviço, volume de litígios, prejuízos aos consumidores e histórico de sanções administrativas sem que isso gere obrigatoriedade de indenizar a concessionária — pois, no cená­rio de recusa, a lei remete à licitação pública como forma de escolha do próximo concessionário.


Direito à competição e interesse dos consumidores

A opção por nova licitação em vez de prorrogação afronta o interesse público em promover concorrência e melhores condições para os consumidores. Uma licitação aberta com critérios objetivados e metas de qualidade permitiria selecionar um concessionário que demonstre:


  • capacidade técnica mais robusta;
  • compromissos claros de investimento em infraestrutura;
  • planos de atendimento emergencial e contingência;
  • mecanismos eficazes de satisfação do consumidor.


Esse modelo tem potencial para elevar a prestação do serviço a níveis compatíveis com os padrões esperados para um serviço essencial, algo que repetidas ações, reclamações e sanções indicam que a atual concessionária não tem conseguido oferecer de forma satisfatória.


7. Cronograma e viabilidade de nova licitação em 2026

O contrato da Enel RJ vence em dezembro de 2026 e, conforme os prazos legais, a não prorrogação implica a necessidade de licitação da concessão. Como não houve a decisão de prorrogar, há tempo suficiente para preparar um processo licitatório completo, transparente e competitivo, sem interrupção do serviço, uma vez que a legislação prevê o trâmite para troca de concessionário em tempo hábil.

Além disso, o arcabouço legal atual permite que a concessionária atual continue no exercício da função até a conclusão do processo licitatório, evitando qualquer descontinuidade do serviço, mas sem vincular o MME à renovação automática.


Conclusão

A discussão sobre a prorrogação do contrato de concessão da Ampla Energia e Serviços – Enel Distribuição Rio vai muito além de um exame formal de cumprimento de prazos.

👉 Os problemas estruturais e recorrentes na prestação do serviço no Estado do Rio de Janeiro, manifestados em milhares de ações judiciais, centenas de reclamações sistematizadas, multas aplicadas por órgãos federais e estaduais e um quadro de insatisfação generalizada dos consumidores configuram uma base sólida para recusar a prorrogação antecipada do contrato.

👉 A decisão de não prorrogar é discricionária, juridicamente segura e não exige indenização à concessionária, e ainda abre caminho para uma nova licitação em 2026 que possa trazer inovação, concorrência e, sobretudo, qualidade de serviço para milhões de consumidores do Rio de Janeiro.

Em suma, não prorrogar o contrato da Enel RJ significa exercer o interesse público, valorizar os direitos do consumidor e promover um serviço de energia elétrica mais eficiente, competitivo e confiável para todos os municípios atendidos.

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