O aniversário de 77 anos do Padre Júlio Lancellotti, celebrado neste ano, marca mais do que uma data pessoal. Marca a trajetória de um dos religiosos mais atuantes — e mais atacados — do país quando o assunto é direitos humanos, população em situação de rua e enfrentamento da desigualdade social.
Nascido em 1948, no interior de São Paulo, Júlio Renato Lancellotti formou-se sacerdote em meio às transformações provocadas pelo Concílio Vaticano II, que propôs uma Igreja mais próxima das realidades sociais e menos distante das dores do mundo. Ordenado em 1974, optou desde cedo por uma atuação pastoral voltada às periferias urbanas, longe do conforto institucional e perto dos conflitos reais da cidade.
Da infância vulnerável às ruas invisibilizadas
Nas décadas de 1980 e 1990, Padre Júlio teve papel central na defesa de crianças e adolescentes em situação de risco, em um período marcado por violência institucional, chacinas e políticas de internação arbitrária. Sua atuação integrou a ampla mobilização social que resultou no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), hoje referência legal na proteção da infância no Brasil.
A partir dos anos 2000, sua atuação voltou-se de forma ainda mais intensa à população em situação de rua, tornando-se seu principal campo de ação pública. Mais do que ações assistenciais, Padre Júlio passou a denunciar políticas de higienização social, práticas de remoção forçada, a chamada arquitetura hostil e a criminalização da pobreza nos centros urbanos.
Sua presença constante nas ruas de São Paulo — oferecendo acolhimento, escuta e orientação — tornou-se também um ato político: o de recusar a naturalização da miséria.
Perseguições e ataques
Essa postura firme trouxe consequências. Padre Júlio passou a ser alvo de ameaças, campanhas de difamação e ataques sistemáticos, especialmente de setores que associam segurança pública à repressão e confundem fé com punição moral. Ainda assim, mantém uma atuação pública coerente, sem recuos e sem concessões ao discurso do ódio.
O incômodo que provoca é direto: sua prática expõe as contradições de uma sociedade que aceita pessoas vivendo nas ruas enquanto discute soluções estéticas para “esconder” a pobreza.
Frases que viraram referência
Parte de sua força pública está na capacidade de traduzir questões complexas em frases diretas, que ganharam circulação nacional:
“Não existe ser humano invisível.”
“Direitos humanos não são para humanos direitos, são para humanos.”
“O problema não é a pessoa estar na rua. O problema é a sociedade achar normal que alguém viva na rua.”
“Grades, pedras e muros não resolvem problemas sociais.”
“O Evangelho não combina com indiferença.”
As frases não surgem como slogans, mas como sínteses de uma prática cotidiana que une fé, Constituição e dignidade humana.
Uma trajetória que interpela
Ao completar 77 anos, Padre Júlio Lancellotti segue como uma das vozes mais firmes na defesa dos que não têm voz. Sua biografia não é feita de cargos ou homenagens oficiais, mas de presença, conflito e coerência ética.
Celebrar seu aniversário é reconhecer que direitos humanos não são concessão, que fé não pode ser neutra diante da injustiça e que uma cidade se mede pela forma como trata seus mais vulneráveis.

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