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terça-feira, 13 de agosto de 2013

O difícil desafio da convivência humana



Uma das características de nossa espécie, desde que o homem se pôs de pé sobre a superfície terrestre, tem sido confrontar-se com os seus semelhantes. Até hoje a humanidade passou mais tempo em guerra do que em paz. E esta, quando ocorre militarmente, não encobre outras disputas na política e na economia entre as nações.

Seja nas relações internacionais, ou entre as pessoas físicas num ambiente familiar-comunitário, o conflito existe. Suas razões estão quase sempre ligadas à satisfação de necessidades: alimento, dinheiro, mulher, terras, espaço físico, mercados, água, rebanhos, poder, prestígio, popularidade, fama, etc.

Uma das sábias soluções adotadas para lidar com o conflito tem sido evitar a convivência. Nem que seja erguendo muros como hoje existe na cidade sagrada de Jerusalém. Só que isso nem sempre é possível de ser feito e, talvez, se tornará o caminho errado em inúmeras situações. Principalmente quando temos a responsabilidade de cuidar uns dos outros por causa de algum vínculo. Em tal caso, o jeito é aprender a conviver exercitando a tolerância, praticando o amor e perdoando.

Certamente que os conflitos deixariam de ser bichos de sete cabeças se as pessoas pudessem diagnosticá-los melhor, admitir a parcela de responsabilidade que têm  por causá-los, ter mais disposição ao diálogo compreensivo, abrirem mão da totalidade dos seus interesses e se comprometerem firmemente com aquilo que for pactuado entre elas. Entretanto, muitas das vezes não se consegue nem mesmo estabelecer uma conversa inicial amigável, o que seria o primeiro passo para que todos cheguem à fase do esforço para se darem bem.

A Bíblia é uma literatura riquíssima em exemplos sobre a convivência humana e como cada personagem tentou lidar com seus problemas sendo que muitos deles fracassaram cometendo gravíssimos erros. Um dos primeiros pecados concretos narrados nas Escrituras é sobre dois irmãos em que o mais velho matou o mais novo porque não conseguia se sentir aceito por Deus. Caim, ao invés de olhar para dentro de si, estabelecendo uma conversa com o seu eu, projetou no outro as razões de sua frustração pensando equivocadamente que, com a morte de Abel, o problema ficaria definitivamente resolvido. Porém, ele acabou distanciando-se mais ainda do relacionamento com o seu Criador. O homicídio não lhe proporcionou o desejado sucesso na colheita que tanto necessitava causando um abandono físico e social. Sua escolha tornou-se em maldição ao invés de bênção.

Quando Deus decidiu formar um povo para si, problemas de convivência surgiram. Os filhos de Israel são então chamados para viverem unidos e, por isso, Moisés lhes entrega uma lei. A Torá, com seus inúmeros preceitos, veio assim para orientar os relacionamentos humanos permitindo que aquelas tribos de nômades do deserto formassem uma nação com profundas raízes éticas. Para isso, eles teriam que aprender a se respeitar. Além dos Dez Mandamentos, precisariam exercitar a caridade com os menos favorecidos, acolhendo os órfãos e as viúvas. Contariam com a ajuda dos sábios levitas nas cidades e de juízes para decidirem as demandas internas.

No Novo Testamento, há uma recomendação na carta paulina aos filipenses que me chama a atenção. A Igreja, assim como o antigo Israel de Moisés, tornara-se também um ambiente de conflitos entre os seus membros. Não se tratava mais de um Estado-Nação e sim de uma comunidade/assembleia de pessoas convertidas. Contudo, por mais que os cristãos estivessem cultivando uma transformação interior de caráter, dentro de um processo contínuo de elevação espiritual, nem sempre é possível mudar o comportamento imediatamente. Logo, é compreensível que homens e mulheres ainda brigassem pelo que o apóstolo lhes transmitiu a seguinte recomendação:

"Rogo a Evódia e rogo a Síntique que pensem concordemente, no Senhor" (Fp 4:2)

Essas duas cooperadoras de Paulo, não mencionadas em qualquer outro texto da Bíblia, talvez vivessem em permanente discórdia uma com a outra. Então, apelando para suas consciências, o apóstolo dirige-se a cada uma na sua recomendação epistolar para que elas buscassem a atitude adequada. Nota-se, pois, uma forte razão para o autor dirigir-se a uma discípula e depois a outra.

Tenho pra mim que, na mente de Paulo, a boa convivência requer que cada pessoa tenha a iniciativa de mudar o relacionamento ruim. Não dava para Síntique esperar que Evódia modificasse simultaneamente a sua conduta inapropriada e vice-versa. Por isso, ele fala diretamente ao coração de cada uma das destinatárias afim de que a decisão de mudança de atitude fosse tomada incondicionalmente tipo: "Eu Evódia [ou eu Síntique] vou melhorar no trato com Síntique [ou com Evódia]".

Curiosamente, no verso do mesmo capítulo da carta, Paulo também pede ao seu leitor que as auxilie. Ou seja, ele estaria solicitando à liderança da congregação na velha cidade de Filipos que cooperasse na promoção da paz, fazendo-me lembrar da bem-aventurança de Mateus 5:9 proferida pelo Senhor Jesus no Sermão da Montanha. Felizes os pacificadores, "porque serão chamados filhos de Deus".

O pacificador é fundamental para temperar esse caldeirão de problemas que virou o nosso mundo, sendo a paz uma condição necessária para a experimentação coletiva do Reino de Deus. Não dá para o pacificador ser o responsável pela conduta praticada por outra pessoa, mas pode contribuir consideravelmente promovendo o diálogo entre as partes através de palavras que as farão refletir pensando em soluções eficazes. Sua postura é oposta ao sujeito que provoca intrigas e, mesmo não sendo perfeito, ele é capaz de contribuir para melhorar relacionamentos. Será como se Deus estivesse agindo fisicamente para apagar as chamas que incendeiam uma floresta.

Verdade é que a maioria das pessoas prefere mesmo é se omitir. É o que o Fantástico tem mostrado a cada domingo na exibição de situações conflituosas representadas por atores. As pessoas passam na rua e somente um ou outro se mete, o que considero bem compreensível. Afinal, nem sempre temos condições emocionais e/ou espirituais de entrarmos no meio de uma guerra. Porém, se não nos achamos capacitados ainda, podemos ao menos orar, bem como pedir ajuda a quem tenha condições de agir e fazer no nosso lugar. Assim, penso que, dessa maneira, nos posicionaremos também como filhos de Deus.


OBS: A figura acima refere-se a uma iluminura do século XV representando a Batalha de Crécy, ocorrida em 1346, e que foi o primeiro grande confronto da Guerra dos Cem Anos entre os exércitos de Filipe VI, da França, e Eduardo III, da Inglaterra. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Battle_of_crecy_froissart.jpg

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