"Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando repouso; e, não o achando, diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E, tendo voltado, a encontra varrida e ornamentada. Então, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro. Ora, aconteceu que, ao dizer Jesus estas palavras, uma mulher, que estava entre a multidão, exclamou e disse-lhe: Bem-aventurada aquela que te concebeu, e os seios que te amamentaram! Ele, porém, respondeu: Antes, bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam!" (Evangelho de Lucas 11:24-28; ARA)
Em sequência ao estudo bíblico anterior, dos versos 14 a 23 do capítulo 11 de Lucas, estudaremos agora um importante ensino de Jesus mas que muitas das vezes parece limitadamente compreendido. Algo que, infelizmente, chega a ser até manipulado como uma terrível ameaça pelas lideranças religiosas fundamentalistas contra as recaídas morais das pessoas. Frequentemente ouvimos coisas do tipo: "se você cair em pecado e voltar para o mundão, vai ficar numa situação pior do que antes de se converter".
Não me parece que seja especificamente sobre isto que o Evangelho esteja falando e aí vejo que muitos pregadores possam estar errando por ignorarem a hermenêutica. Não que o texto bíblico deixe de se aplicar também àqueles que se desviam, mas é que encontro na mensagem de Jesus algo muito maior e mais preocupante do que as normais quedas de quem busca seguir a Cristo, tendo em vista que a nossa conversão é um processo contínuo de transformação do caráter com avanços e recuos numa espiral de crescimento pessoal.
Quando acusado de expulsar demônios por Belzebu, uma das respostas de Jesus foi esta:
"E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes." (Lc 11:19)
Embora o texto de Lucas não diga quem foram as pessoas que murmuraram contra Jesus, sabemos por Mateus 12:24 terem sido os fariseus, sendo que o contexto do 3º Evangelho vem nos confirmar pela censura do Mestre ao referido grupo religioso (11:37-12:11). Assim, a referência do verso 19 do capítulo em análise deve ter sido mesmo uma referência aos religiosos e legalistas da época de Jesus, os quais se opunham ao seu ministério, aplicando-se também a todos os que hoje são inimigos da construção do Reino de Deus.
É curioso para muitos cristãos constatarem que os filhos dos fariseus também faziam exorcismos. Tal atividade taumatúrgica dentro do judaísmo dos tempos de Jesus é comprovada por fontes históricas como os Manuscritos do Mar Morto, os escritos de Josefo (Antiguidades 8:46-47) e até no Talmude babilônico (bMeilah 17b). Segundo o pesquisador húngaro Geza Vermes (1924-2013), professor emérito da Universidade de Oxford onde lecionou estudos judaicos, existiam até fórmulas padronizadas para tirar o demônio de alguém através da palavra hebraica tse (do verbo yatsa), bem como no aramaico poq (do verbo npaq), significando ambas "parte", "vai" e "sai" (O autêntico evangelho de Jesus, Rio de Janeiro, 2006, Record, pág. 24).
Alguns anos atrás, durante uma conferência que ocorreu numa igreja em Nova Friburgo (RJ), ouvi um dos pastores da congregação, especializado em "cultos de libertação", falar numa ciência cada vez mais crescente no meio neo-pentecostal chamada de demonologia. Pelo que pude perceber, líderes carismáticos de alguns segmentos evangélicos estariam aprofundando-se em estudos sobre expulsão de demônios. Pareceu-me que aquilo era mais uma nova doutrina sendo formada. Algo que o Edir Macedo vinha fazendo em décadas atrás as que agora estaria ficando mais sistematizado digamos assim.
Ninguém pense que eu esteja zombando ou fazendo pouco caso de iniciativas que busquem aplicar metodologia acadêmica aos assuntos bíblicos. Este é o papel da Teologia nos seminários. Porém, fico a indagar se as atividades de exorcismos e de curas no meio religioso de hoje estão sempre promovendo o Reino de Deus? Não raras vezes ouve-se falar de estádios de futebol lotados de pessoas que vão assistir a cultos de determinados pregadores considerados "ungidos". Correm atrás de milagres mas aprendem muito pouco a distribuir riquezas aos humildes ou amar o próximo em todos os aspectos. Aliás, os pobres saem desses eventos mais empobrecidos ainda diante das milionárias arrecadações de ofertas, sem contar que, de uns anos para cá, alguns começaram a cobrar até pelo ingresso de entrada...
É triste constatar isso, mas observo que muitas das vezes parece que o mal não é de fato expulso da vida dos frequentadores e obreiros de inúmeras igrejas. As pessoas, depois de exorcizadas, batizadas e doutrinadas, tornam-se a "casa vazia e ornamentada". Passam a usar máscaras de religiosas, porém terminam virando instrumentos nas mãos de terríveis demônios de carne e osso que são determinados líderes encontrados por aí em pele de cordeiro.
Certamente que estou a falar de homens assediadores da consciência alheia e que criam obstáculos para a evolução existencial do seu próximo. Tratam-se de falsos pastores que instigam fobias, legalismos, exigem as contribuições de dízimos e outras ofertas de quem deveria estar recebendo ajudas econômicas da Igreja, alimentam expectativas frustrantes nas mentes, rebaixam a auto-estima do indivíduo, afastam os fieis do convívio familiar e comunitário, provocam desequilíbrios emocionais pela maneira como conduzem as celebrações, induzem doentes crônicos a não enfrentarem o tratamento médico de que necessitam, alienam os ouvintes quanto ao exercício da cidadania fazendo os prosélitos pedirem votos para os candidatos apoiados pela instituição no período eleitoral, etc.
Assim sendo, o que tenho visto dentro de várias igrejas são crentes em estados piores do que antes de serem exorcizados por algum desses líderes perversos. Estes têm sido os verdadeiros filhos daqueles fariseus perseguidores do nosso Senhor Jesus Cristo. Basta prestarmos a atenção nos frutos produzidos!
Como coloquei no estudo anterior, podemos ter a falsa impressão de que conseguimos expulsar o demônio. No ensino sobre a casa arrumada e varrida, o mal não chegou a ser realmente desarraigado de onde se encontrava. Tanto é que o diabo chama mais outros sete capetões "piores do que ele" para habitarem o lugar do qual havia saído. E, no caso das pessoas religiosas, torna-se bem mais difícil ajudá-las do que se elas estivessem andando ainda pelo mundão, livres das más doutrinas e do auto-engano.
O evangelista apresenta na sua sequência os versos 27 e 28, exclusivos de Lucas, em que uma mulher no meio da multidão chama a mãe de Jesus de "bem-aventurada", enquanto o texto paralelo de Mateus prefere incluir o adjetivo grego scholazonta, o qual tem a ver com "fazer escola". O Mestre então não nega que Maria fosse abençoada, mas responde que ouvir e obedecer a Palavra de Deus é mais importante.
Pois bem. Temos aí uma excelente conclusão para este ensino brilhante do 3º Evangelho. Não podemos nos esquecer de que a "casa", depois de varrida, não pode permanecer vazia ou vacante, sem dono, precisando ser ocupada por quem realmente deve habitar nela - o Espírito de Deus. É necessário que a pessoa acolha obedientemente a Palavra no seu coração dispondo-se a guardá-la. Esta atitude significa aceitar o senhorio de nosso Criador bendito ao invés de se deixar manietar pelas doutrinas dos homens e seus discursos aprisionadores. Portanto, as porta dos nossos corações têm que se abrir para o verdadeiro Dono, recepcionado o vinho novo que Adonai vem trazer a cada dia que é a sua maravilhosa instrução, direção e orientação para nossas vidas na mais plena liberdade espiritual. Algo que fará do nosso processo de conversão uma experiência sempre contínua e frutífera.
Que Deus nos abençoe e reine permanentemente em nosso meio!
OBS: A ilustração acima refere-se ao afresco da Capela de São Brício, em Orviedo, Itália, pintado pelo artista renacentista Luca Signorelli (1445-1523), um dos grandes mestres da Escola de Úmbria. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Signorelli_Resurrection.jpg
Vi outra coisa neste texto, Dr. Ricardo, e tomei a liberdade de citar o Dr.
ResponderExcluirhttp://opinioesalheias.blogs.sapo.pt/100932.html
Bom dia, amigo!
ExcluirFico feliz que meu texto possa tê-lo inspirado. Glória a Deus por isso!
Vou ler o que escreveu.
Abraços e volte sempre.
Em tempo!
ExcluirAcho que não observou bem, meu nome é RODRIGO e não Ricardo. (rsrsrs)
Como não encontrei uma maneira de comentar no seu blogue, respondo aqui o que li em sua página. No texto consta que:
Em nossa era pós-moderna não se tolera a ideia de que existam “espíritos imundos”, e seguindo esta filosofia materialista o Dr. Rodrigo prefere falar de “terríveis demônios de carne e osso”. Mesmo vendo as coisas pela modo cientificista atual, não nos é completamente estranho o entendimento de que vivemos num universo tridimensional, mas que existem universos que não são de matéria e que nele existam seres. Uns de luz, isso a poder de muito esforço e perseverança, e outros imundos que preferem as decisões que parecem fáceis. Sendo possuído por tais, o “estado daquele homem se torna pior”.
Bem, em momento algum nego a atuação de consciências não físicas que assediam os seres humanos. Porém, penso ser tão preocupante a ação daqueles que se tornam instrumentos do mal. E aí não temos como negar que há também "demônios de carne e osso" piorando o estado das pessoas que se tornam religiosas. Aliás, muitas das vezes um abismo chama o outro.
Não concorda?
Belo texto, obrigado.
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