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domingo, 11 de agosto de 2013

A PEC 99 e a cultura do encontro



A edição número 529 do periódico Tribuna do Advogado, editado pela OAB/RJ (agora sob a forma de revista), trouxe uma interessante matéria sobre o debate em torno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 99/2011 de autoria do deputado e pastor evangélico João Campos do PSDB goiano (foto). Defende o parlamentar a ampliação do artigo 103 da Carta Magna afim de permitir a associações religiosas em âmbito nacional a propositura de ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos ao Supremo Tribunal Federal (ler a íntegra do texto da proposição acompanhada de sua respectiva justificação).

Em outras palavras, significa incluir as associações religiosas entre as demais pessoas legitimadas pelo constituinte originário para debater a constitucionalidade das normas jurídicas perante o STF. Ou seja, questões que afetem os valores de uma religião, tipo o aborto ou a reprodução humana em laboratório, poderão ser levados para a análise do Judiciário afim de que este sim decida sobre a procedência ou não do pedido.

Tradicionalmente, o direito de se propor uma ação direta de inconstitucionalidade no Brasil sempre foi reservado ao Procurador-Geral da República até ser promulgada a Constituição de 1988. A partir de então, outras pessoas e órgãos foram concorrentemente legitimados. O Conselho Federal da OAB, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, bem como qualquer confederação sindical ou entidade de classe em âmbito nacional, ganharam tal poder postulatório.

Assim, é dentro dessa marcha democrática, um processo sempre aberto e incapaz de ser concluído por qualquer definição textual, é que concebo a PEC 99 vendo-a como um verdadeiro avanço no Direito pátrio. A proposta do nobre parlamentar de modo algum viola o laicismo estatal como algumas vozes têm criticado por aí, quase sempre posicionando-se de maneira reacionária e tentando restringir o debate nacional debaixo da ditadura do ateísmo.

Ora, é inegável que as religiões fazem parte da sociedade e podem contribuir construtivamente com seus valores, ideias, reflexões e trabalhos assistenciais. Elas nunca ganharão o poder decisório de interferência num Estado laico mas devem ao menos ter alguns direitos reservados como o de impugnar leis, desde que, obviamente, haja uma mínima correspondência temática como ocorre com as entidades de classe ou confederações sindicais.

Recentemente, quando esteve visitando o nosso país, o papa Francisco I falou em seu discurso no Theatro Municipal do Rio de Janeiro sobre trilharmos a via do "diálogo construtivo", algo que jamais deve ser esquecido pela nossa sociedade:

"(...) termino indicando o que tenho como fundamental para enfrentar o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos. Será fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições gratuitas e no respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem; percorrer a estrada justa torna o caminho fecundo e seguro (...)" - ler o discurso do papa na íntegra

Neste sentido, entendo que as palavras de Bergoglio têm tudo a ver com o desenvolvimento de uma sociedade em que as autoridades estatais, inclusive as autoridades do Judiciário devem estar permanentemente dispostas a ouvir. No hebraico, a palavra Leha'azin ("escutar") deriva de Izun, significando "equilíbrio", o que nos transmite a ideia de que entre eu e o meu próximo deve haver um nível de ponderação, tal como o labirinto do ouvido interno, afim de que haja a oportunidade para o outro desabafar as queixas que têm com as suas palavras. E isto proporciona compreensão e harmonia entre as pessoas, criando laços de proximidade entre elas quando estão em posições contrárias, o que se aplica nas relações de todos os níveis.

Assim, nunca se deve esquecer que o diálogo é capaz de propiciar o enriquecimento de ideias e possibilitar a pacificação de ânimos pelo entendimento racional. Ele é o fio condutor tanto da jurisdição como de qualquer processo legislativo democrático e da elaboração de políticas públicas no âmbito administrativo. Portanto, sou a favor de que mais associações, sejam elas religiosas ou não, entrem no rol dos legitimados do artigo 103 da Carta Magna bem como possam contribuir melhor para a propositura de novas normas jurídicas concedendo-lhes também o direito de iniciativa legislativa.


OBS: Foto do parlamentar autor da PEC extraída do site do PSDB na internet.

2 comentários:

  1. Possuo um livro simples intitulado "O negócio dos evangélicos e a Constituição Federal: crônica de uma ruptura social e constitucional anunciadas". O nome já o diz. Vem por ai um "República Evangélica" , não duvide disto.

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    1. Bom dia, Assim!

      Certa vez o pastor Ricardo Gondim, tido por muitos como um "herege", assim disse em seu texto:

      Deus nos livre de um Brasil evangélico
      http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/deus-nos-livre-de-um-brasil-evangelico/

      Compreendo a angústia daqueles que se preocupam com a teocratização do Estado, mas penso que devemos ir ao ponto de discernimento para não julgarmos de maneira errada o que propõe a PEC 99/2011. Melhor refletindo através da matéria na revista da OAB, passei a lançar outros olhares em relação à proposta, ponderando que a sociedade brasileira carece de um maior diálogo envolvendo a todos.

      Quando os membros da dita "bancada evangélica" querem se opor à união civil de homossexuais, não posso estar do lado dessa turma que se diz crente e seguidora de Cristo Jesus, o qual sempre foi inclusivo em relação ao pecador. Embora respeite o direito de qualquer religião não querer casar pessoas do mesmo sexo e considerar pecado o ato homossexual, conforme a literal interpretação de Levítico 18:22 (direito de expressão), jamais poderá o Estado ser cego quanto à realidade social. Por isso, sou favorável ao casamento gay, desde que seja no civil cabendo a cada grupo religioso celebrar ou não as uniões homoafetivas.

      Só que uma causa nunca se confunde com a outra. Com a PEC 99/2011 estamos debatendo a ampliação do diálogo nacional, concedendo maior expressão aos grupos religiosos através de suas associações para poderem questionar perante o Judiciário a constitucionalidade de leis por mais que venham postular coisas absurdas. Aliás, aí se encontra o papel pacificador da jurisdição que é dar vez para que as insatisfações sejam trazidas ao Estado-Juiz e, se uma religião se sente ofendida com uma norma jurídica, ela pode manifestar-se movendo uma ação direta de inconstitucionalidade no STF. Com isto, o Estado brasileiro evita a marginalização ideológica!

      Certamente que devemos estar sempre atentos contra as posições contrárias ao laicismo estatal vinda de quaisquer grupos religiosos. Sejam evangélicos ou dos bispos brasileiros até hoje ressentidos porque o catolicismo deixou de ser a religião oficial do país com a proclamação da República desde 1889, lá nos tempos de meus tataravós...

      Abraços e obrigado pela participação no blogue.

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