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terça-feira, 20 de agosto de 2013

"A vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui"


"Nesse ponto, um homem que estava no meio da multidão lhe falou: Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança. Mas Jesus lhe respondeu: Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós? Então, lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza, porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui. E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus." (Evangelho de Lucas, capítulo 12, versículos de 13 a 21; versão ARA)

Após ter Jesus concluído o seu ensino sobre a hipocrisia, como vimos no último estudo bíblico sobre o 3º Evangelho, ele passa a tratar do tema da avareza que não está totalmente dissociado da situação anteriormente exposta pelo comportamento fingido dos religiosos porque ambos se relacionam a um apego às coisas terrenas. Um homem, no meio da multidão, pede ao Senhor para se meter num assunto de família e, possivelmente, desejava que, em conformidade com os outros rabis do povo judeu, o Mestre interpretasse a lei mosaica quanto à repartição da herança paterna.

Quer estivesse com a razão ou não, Jesus não aprova a atitude daquele homem. Ele nem entra no mérito da causa e se recusa a julgá-la. O Senhor talvez desejasse que seus ouvintes adotassem uma outra postura, cultivassem valores mais elevados e resolvessem seus conflitos de maneira não litigiosa (Lc 6:30). Aliás, pode-se concluir que o motivo de tal demanda não seria outro senão a citada avareza, o apego às riquezas e aos bens materiais.

De modo algum é pecado um homem possuir riquezas. Os recursos deste mundo, quando chegam às nossas mãos, devem ser administrados de uma maneira responsavelmente inclusiva e jamais com egoísmos. Empregando-se adequadamente o dinheiro em benefício das pessoas, é possível satisfazer tanto as nossas necessidades quanto as do próximo. Aliás, quanto mais doarmos, menos precisaremos ter ou gastar conosco. Mesmo que não consigamos matar a fome do mundo inteiro, podemos investir de diversas formas nas vidas das pessoas que estão perto e participarmos de uma rede assistencial de caráter social-espiritual.

Na ótica revolucionária do Reino de Deus, acumular bens para si seria uma conduta manifestamente incompatível. Ainda mais existindo uma massa de miseráveis ao nosso redor como acontecia nos dois primeiros séculos na Palestina. Note-se que o homem pede que se reparta a herança com ele. Não era com os pobres, nem com as viúvas desamparadas ou com as crianças órfãs. O cara estava focado somente em si, visando um interesse próprio como muitos de nós. Em sua mente não tinha caído a ficha do novo tempo chegado e que Jesus constantemente proclamava nas aldeias de Israel.

Contando uma parábola, o Mestre demonstra a insanidade do acúmulo das riquezas. Em face da morte, destino de todos os homens, seria inútil e sem propósito dedicar a vida para reunir tantos tesouros neste mundo a ponto de não ter mais onde colocar o seu dinheiro enquanto há tantas vidas por aí precisando receber investimentos. E a respeito dessa conduta louca, vale a pena fazermos uma leitura desses versos do livro de Salmos, os quais, provavelmente, deveriam integrar as reflexões de Jesus:

"Com efeito, passa o homem
como uma sombra;
em vão se inquieta;
amontoa tesouros e não sabe quem os levará."
(Sl 39:6)
"Eis o homem que não fazia de Deus a sua fortaleza;
antes, confiava na abundância dos seus próprios bens
e na sua perversidade se fortalecia."
(Sl 52:7)

Como se estudou anteriormente, nas bem-aventuranças do Sermão da Planície, Jesus condenou/lamentou sobre os ricos (Lc 6:24) por perderem a consciência da pobreza espiritual em que viviam e confiarem nos próprios recursos. No capítulo 12, tal ensino é confirmado. Tem-se o detalhamento e a explicação de um princípio de como funciona o Reino.

Finalmente, o versículo 21 fala sobre o homem ser "rico para com Deus". Isto, indiscutivelmente, implica em trabalharmos para o bem do outro já que o Criador, dono de todo ouro e de toda prata, não precisa das riquezas que possuímos, as quais nos foram dadas por ele. Trata-se, portanto, de pormos em prática o maior mandamento da Lei divina que é amarmos a Deus, fazendo isto, evidentemente, numa atitude de serviço ao próximo (segundo maior mandamento). Aliás, o livro de Deuteronômio mostra que assim encontramos a vida:

"O SENHOR, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares ao SENHOR, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas." (Dt 30:6)

O resultado dessa vida de serviço voltada para Deus e ao próximo é que passamos a encontrar o real sentido da nossa existência. Deixamos para trás a alienação espiritual e passamos a ter um propósito elevado a cumprir que se torna fonte de uma verdadeira satisfação interior.


OBS: A ilustração acima trata-se de um quadro do pintor holandês Rembrandt (1606-1669), A parábola do rico insensato (1627). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rembrandt_-_Der_reiche_Narr.jpg

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