Ao discursar ontem (27/07) no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o papa Francisco preencheu minhas expectativas quanto ao recado político que eu esperava que desse à nação brasileira tal como havia exposto no meu artigo de boas vindas aqui publicado anteriormente. Falando para autoridades e líderes da sociedade civil, bem como para uma ampla plateia de diversas orientações religiosas, ele apontou a via do "diálogo construtivo" como solução:
"(...) termino indicando o que tenho como fundamental para enfrentar o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos. Será fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições gratuitas e no respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem; percorrer a estrada justa torna o caminho fecundo e seguro (...)" - ler o discurso do papa na íntegra
Embora o que o papa falou também se aplique às relações entre grupos religiosos, quero focar aqui mais na questão política brasileira. Como iremos formar verdadeiramente essa "cultura do encontro" sem hipocrisias?
Há tempos que as nossas leis têm criado organismos de participação e de representação popular. São comitês, conselhos disto e daquilo, bem como audiências públicas divulgadas somente na imprensa oficial, consultas pela internet, entre outros meios de expressão mas que apenas fingem ouvir o cidadão. A insatisfação continua na sociedade brasileira e nada é resolvido.
No entanto, vejo que o problema maior está na surdez dos nossos governantes que ainda não foram capazes de abraçar o diálogo construtivo. É um problema ético da nossa nação! Os municípios brasileiros criaram seus conselhos de saúde, educação, transportes, meio ambiente e tantos outros temas administrativos, mas os senhores prefeitos não estão afim de conhecer as demandas populares e nem de se comprometerem com o diálogo. Muitos viram nesses organismos participativos uma maneira de conterem ou de acalmarem ilusoriamente as entidades da sociedade civil que antes compareciam às ruas causando muitas dores de cabeça. Outros governantes, porém, jamais entenderam o significado de chamar a população para se sentar em volta de uma mesa e debater conscientemente sobre os problemas da cidade. Tentam até hoje cooptar lideranças e intervir na representação das associações de moradores, de ONGs e sindicatos, corrompendo assim a democracia.
Como pode haver diálogo entre um governante e seu povo se aquele impede e dificulta que este se faça ouvir nos meios onde possa haver diálogo?
Ao que parece, nossos políticos ainda não entenderam como se comportar numa democracia e que precisam permitir o cidadão dizer tudo o que ele sente e pensa, encaminhar quais as suas reais demandas, bem como fazer conhecido aquilo que ele propõe. Então, como consequência dessa ausência de encontros reais com a população, tivemos os protestos de junho abrindo uma ferida no país que até agora ainda não cicatrizou. E não adiantam os prefeitos, os governadores e demais autoridades quererem tapar o sol com a peneira!
Em seu discurso, Bergoglio mencionou que esta "estrada justa" torna o caminho, além de seguro, "fecundo". Ou seja, todos podem sair ganhando com o diálogo construtivo. Governar com democracia verdadeira certamente dá trabalho, mas produz resultados excelentes. Pois, se um prefeito estiver disposto a ouvir o povo, ele poderá tomar as decisões mais acertadas para o bem da coletividade. Por isso, os organismos de participação precisam ser respeitados em todos os aspectos e a população encorajada a se manifestar.
Existe outra via além dos protestos violentos!
OBS: Imagem da Agência Brasil de Notícias extraída da internet em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-27/convidados-elogiam-mensagens-do-papa-de-resgate-valores-que-pareciam-perdidos
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