É certo que Jesus fez discípulos. Não só os doze o seguiram como também inúmeros homens e mulheres, sendo que pouco se sabe acerca destas. Nosso Senhor, porém, desejava enviá-los pelo mundo, pregando e curando, para que sua mensagem revolucionária fosse multiplicada através de uma onda de amor fraterno. Enquanto estavam sendo ensinados pelo Mestre, os alunos de sua escola ambulante precisariam compreender de que não era para eles agirem de um modo sectário e isto ficou bem claro na passagem bíblica encontrada em Lucas 9:49-50:
"Falou João e disse: Mestre, vimos certo homem que, em seu nome, expelia demônios e lho proibimos, porque não segue conosco. Mas Jesus lhe disse: Não proibais; pois quem não é contra vós outros é por vós" (versão e tradução ARA)
Curioso como que o próprio João, considerado o "apóstolo do amor", é apresentado pelos evangelhos sinóticos como um discípulo com falhas a serem corrigidas assim como o seu irmão Tiago e o colega de profissão Pedro. Todos tinham sido pescadores do Mar da Galileia e tiveram seus momentos de maior intimidade espiritual com o Senhor a exemplo do episódio da Transfiguração (Lc 9:26-36). Porém, nenhuma daquelas experiências de poder iria fazer deles pessoas perfeitas em termos de caráter e o Mestre buscou remediar desde então a catástrofe proselitista na futura Igreja.
Tempos mais tarde, como podemos saber pela história eclesiástica, a ortodoxia cristã seria estabelecida na Igreja como sendo a versão verdadeira e autorizada do Evangelho. Os que divergissem do então "pensamento reto" seriam perseguidos pelo grupo dominante. Algo que, segundo a pesquisadora norte-americana Elaine Pagels, já estava ocorrendo muito antes de Constantino ascender ao poder quando, ainda no século II, os ortodoxos promoveram um afastamento dos "gnósticos" e dos judeus, criando, assim, uma auto-identificação cristã. Até o amor ficou restrito aos membros da seita.
Não devemos nunca agir dessa maneira! João pode até ter amado com restrições, mas Cristo jamais. Na passagem citada do Evangelho, o discípulo queria obrigar quem falasse em nome do Mestre a caminhar com o grupo sob pena de ser silenciado. Entretanto, nosso Senhor mostrou claramente que o critério de "seguir conosco" é flagrantemente errado. Jamais podemos tratar os benfeitores da humanidade como se agissem contra nós ou como inimigos da nossa causa. Em outras palavras, Jesus estaria dizendo que, no processo de construção do Reino, não há neutralidade. Ou a pessoa age pelos objetivos da causa ou trabalha contrariamente. Isso vai muito além das formas exteriores, das denominações por nós utilizadas, de estarmos nos congregando aqui, ali, acolá ou em nenhum lugar. Para cumprir as obras de Deus inexiste o requisito de portar a carteirinha de membro de uma determinada organização religiosa.
O que não são contra nós são por nós! Eis aí um critério que precisamos aplicar sempre ao outro sendo a receita para evitarmos o sectarismo e buscarmos estabelecer o diálogo construtivo. Pouco importa qual a orientação religiosa de quem "não segue conosco", se compactua ou não os mesmos rituais e maneira de pensar. Se o indivíduo ou grupo luta contra o mal, logo é nosso parceiro na causa do Reino.
Em Lc 11:23, Jesus falará que "quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha". E, se aplicarmos tais palavras a nós, precisaremos também tomar cuidado com aqueles que, na aparência, seguem conosco e também com agente mesmo porque podemos cair no auto-engano religioso. Pois, dentro da própria Igreja, surgem pessoas inimigas do Reino de Deus ainda que o confessem por meio de seus lábios. Gente que diz possuir idêntica doutrina mas que age contra.
Pelos frutos conhecemos a árvore! Há entre nós (e em nós) "joio" e "trigo", assim como nos demais "campos". Além de tolerantes, precisamos saber reconhecer quem está fazendo a obra de Deus para somarmos, tornando-nos todos cooperadores e termos cautela para não inibirmos a ação do Reino por intermédio do outro. Junto com o "não proibais" de Lc 9:50, vem o reconhecimento de que o outro age pelo mesmo mover divino.
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