"Não chores!"

Os três milagres de Jesus envolvendo a ressurreição de mortos, constantes nos evangelhos canônicos, costumam ser vistos pela Teologia tradicional como "sinais de poder" que se destinariam a provar a sua vinda como Messias. No entanto, vejo tais narrativas mais sob a perspectiva do anúncio das boas novas do Reino de Deus e da compaixão pelo próximo, sem, obviamente, fazer uma dissociação o ministério messiânico protagonizado pelo nosso Senhor.

Em Lucas 7:11-17, Jesus e seus discípulos, acompanhados de numerosa multidão, estavam indo para a aldeia de Naim quando se depararam com o funeral do filho único de uma viúva. Esta também vinha numa direção oposta (deixando a aldeia), seguida de outra multidão, e o encontro dela com o Mestre se dá junto à porta da cidade, lugar onde eram tomadas as decisões comunitárias nas povoações do antigo Oriente Médio:

"Vendo-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe disse: Não chores! Chegando-se, tocou o esquife e, parando os que o conduziam, disse: Jovem, eu te mando: levanta-te! Sentou-se o que estivera morto e passou a falar; e Jesus o restituiu a sua mãe." (Lc 7:13-15; ARA)

Grande é a dor de uma mãe, ou de um pai, quando perde um filho. Maior ainda é o sofrimento nas circunstâncias quando se trata do único descendente e o cônjuge já tenha partido anteriormente. No caso daquela viúva, além das consequências afetivas, havia a situação de risco social. Isto porque, numa época sem institutos previdenciários, em que mulheres eram também economicamente dependentes dos homens, cabia aos parentes próximos sustentarem suas viúvas. E, naquele momento, o último membro de sua família nuclear estava sendo enterrado. A partir daí, restaria-lhe a amargura e contar com o favor de sua pobre comunidade para não padecer de fome. Seria uma condição inegável de indigência.

Não nego que essa preocupação com o social seja transmitida à comunidade eclesiástica destinatária do Evangelho de Lucas tendo em vista a condição de outras viúvas nas época, as quais nem sempre tinham seus filhos ressuscitados para acolhê-las e nem uma nora fiel e caridosa como fora a moabita Rute em relação a Noemi. Porém, numa situação dessas, uma viúva de certa idade que fique sem filhos talvez deixe de se importar com o próprio futuro e perca até o rumo da vida. E aí entra a importante tarefa da consolação que jamais pode ser descartada. Cabia à Igreja assumir o seu papel de família substituta em todos os aspectos cuidando das crianças órfãs e das mulheres sem marido porque, em Cristo, nos tornamos todos irmãos, irmãs, pais, mãe, filhos e filhas uns dos outros. E esse apoio deve ser prestado tanto materialmente como no campo dos afetos.

A tarefa consolatória de Jesus também é de enorme importância aos seres humanos ainda muito apegados à vida terrena. Pois todos temos alguma dificuldade de entender e de aceitar o evento chamado de "morte" que para Jesus parecia ser uma mera aparência. O corpo através do qual interagimos com o mundo físico é desfeito, mas continuamos existindo. Afinal, somos espíritos criados à imagem e semelhança de Deus para a eternidade.

Mas como pode alguém que não tem uma compreensão multidimensional da vida conseguir lidar com tais despedidas ainda mais sendo a partida de um ente muito próximo e querido? No caso dos pais descrentes (ou de pouca fé) que perdem seus filhos, nascidos para continuarem suas obras, é como se tudo perdesse o sentido e a solidão toma conta do indivíduo. Muitos nunca mais se recuperam.

Aos sete anos (setembro de 1983), perdi meu pai e meus avós ficaram se um filho. Embora lhes restassem ainda um neto e uma filha (minha tia), seu Sylvio e dona Darcília, sendo já dois idosos divorciados, sofreram imensamente. O catolicismo pouco serviu de ajuda para vovó que, tempos depois, passou a procurar respostas na doutrina espírita. Já o vovô não tinha religião e as ideias positivistas que os professores da antiga Escola Militar de Realengo tinham incutido em sua mente jamais transmitiriam ânimo num momento tão difícil. Logo, ambos se apegaram excessivamente a mim como um substituto de papai. E penso que, se contassem com um apoio espiritual de maior qualidade (ou estivessem com suas mentes e corações mais abertos para a esperança) talvez tivessem superado tudo com menos traumas, culpas e demais sentimentos negativos.

Diz o texto bíblico, quanto ao filho da viúva, que "Jesus o restituiu à sua mãe" e idêntica esperança devemos ter sempre. Não que as pessoas devam sair por aí procurando curandeiros que ressuscitarão seus mortos, mas, sim, crermos que, um dia, no tempo certo, estaremos todos reunidos. Aliás, penso ser parte da mensagem evangelística do Reino considerarmos, por antecipação, que estão todos vivos e isto se torna fundamental para que a humanidade adquira uma nova visão existencial. Seu familiar que já partiu está vivo ainda que não mais subsista na fisicalidade com o mesmo corpo já deteriorado.

"Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companha, os que dormem." (1Ts 4:13-14)

Para os habitantes de Naim, a ressurreição do filho da viúva foi motivo para eles reconhecerem Jesus como "profeta" (verso 16), provavelmente pela identificação do ocorrido com os milagres de Elias e Eliseu registrados na memória histórica dos judeus. Afirmarem que "Deus visitou o seu povo" talvez fosse o máximo que o homem comum e oprimido dos séculos I e II pudesse compreender. E, embora não fosse intenção de Jesus provar ser alguma coisa, o Mestre precisou lidar com as reações das multidões e estava bem preparado desde que vencera as tentações no deserto.

Como se verá na resposta que Jesus vai dar a João Batista (verso 22), a ressurreição dos mortos, assim como os demais acontecimentos milagrosos, servirão para ilustrar o anúncio das boas novas e a chegada de um novo tempo. Na construção de um mundo melhor, mais humano e fraterno, importa aprendermos a lidar com essas despedidas naturais não permitindo que as perdas venham a nos paralisar. O "não chores", dito pelo Senhor à viúva de Naim, deve ser entendido como um recado poderoso para enxugarmos as lágrimas após o período habitual de luto e celebrarmos a vida que é eterna.

"Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram." (Ap 21:3-4)

Que tenhamos consciência dessa total realidade!


OBS: A ilustração acima refere-se a uma gravura do pintor alemão Julius Schnorr von Carolsfeld (1794-1872) que consta na Die Bibel in Bildem (1860). Extraí do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Schnorr_von_Carolsfeld_Bibel_in_Bildern_1860_188.png