Em Lucas 9:46-48, o evangelista narra uma discussão entre os seguidores de Jesus sobre qual deles seria o maior. Segundo o contexto literário, eles tinham sido enviados por Jesus às cidades e aldeias de Israel (9:1-2), anunciaram o evangelho curando as pessoas (v. 6), mas agora estavam disputando entre si a quem caberia o primeiro lugar naquele discipulado.
Certamente que o Senhor não deve ter gostado nem um pouco daquilo e logo percebeu o clima entre eles. Pois parecia que ninguém ali tinha aprendido a lição de se disporem permanente em servir o próximo como no episódio da multiplicação dos pães (versos 10-17). Nem tão pouco assimilaram suficientemente o ensino sobre cada qual negar às suas ambições egoístas carregando a cruz (vv. 23-27). E, de fato, muitas coisas ainda estavam encobertas para eles (v. 45).
"Mas Jesus, sabendo o que se lhes passava no coração, tomou uma criança, colocou-a junto a si e lhes disse: Quem receber esta criança em meu nome a mim me recebe; e quem receber a mm recebe aquele que me enviou; porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande." (vv. 47-48; ARA)
Para melhor entendermos estas palavras de Jesus, precisamos considerar a ausência de status da criança naqueles tempos antigos do evangelista onde os pequeninos não tinham qualquer valor. Faltava-lhes poder dentro da sociedade sendo eles seres totalmente dependentes dos adultos como são até hoje apesar da Constituição e de leis como o ECA assegurarem aos menores uma proteção jurídica altamente digna no Brasil atual.
Junto de Jesus está a criança não o escriba ou o fariseu. Assim, a resposta do Mestre pode ser desdobrada em pelo menos dois tópicos em que deve o discípulo: (i) preocupar-se em acolher as "crianças"; e (ii) procurar o lugar sem status de importância perante os homens dentro ou fora da Igreja, tornando-se o "menor de todos".
Pode-se dizer que a criança torna-se figura de quem é humilde e a si mesmo se rebaixa. Quem se faz pobre, renuncia à reputação que tem e se torna amigo dos rejeitados tal como se comportou o nosso Senhor Jesus Cristo amando os pecadores. Por esse motivo, quem acolhe uma criança, seja no sentido literal ou metafórico, está recebendo o Mestre e também o Pai que o enviou. Desta maneira, o Evangelho ensina a nos tornarmos também crianças que desfrutam da felicidade da graça divina sem precisarmos de qualquer status de grandeza no meio eclesiástico ou fora dele.
O padre holandês Henri Jozef Machiel Nouwen (1932-1996) foi um dos maiores nomes da Teologia da Libertação nos Estados Unidos e no mundo. Tendo alcançado grande notoriedade, publicado dezenas de livros e trabalhado em duas renomadas universidades norte-americanas, eis que, nos seus últimos anos de vida, ele foi capaz de deixar seu magistério em Harvard para cuidar de portadores de necessidades especiais numa instituição situada nas proximidades de Toronto, Canadá. Ali ele pôde voltar-se para quem não tinha nenhum valor na sociedade, pastoreando pessoas com menos importância do que as crianças pequenas já que estas têm o potencial de se tornarem futuramente homens e mulheres prestigiados. Assim, para mutos, Nouwen parecia ter cometido um suicídio profissional e ministerial, mas para ele foi o que lhe deu sentido existencial. É o que o leitor poderá compreender através do livro Adam, o amado de Deus, publicado pela editora Paulinas.
Penso que, se os ministros eclesiásticos começassem a buscar os lugares menos importantes, mas necessários, sem fazerem da humilhação uma demagogia, as boas novas seriam melhor transmitidas ao mundo. Estar entre os doutores em Teologia e trocar conhecimentos com quem entende dos assuntos parece ser uma das coisas mais tentadoras para muitos dos intelectuais religiosos, mas quantas almas serão acolhidas entre os "escribas" da atualidade? E qual o valor dos altares dos templos repletos de gente "separada do mundo" para a dimensão revolucionária e inclusiva do Reino de Deus? Porém, irmos de encontro ao pobre, do pecador, do iletrado, do sem status e de quem nada tem a nos oferecer promoverá a transformação que tanto necessita o planeta a começar por nós.
Que possamos receber os pequeninos e nos tornarmos um deles! Aliás, como bem sintetizou o teólogo italiano Sandro Gallazzi, em seu livro O Evangelho de Mateus - uma leitura a partir dos pequeninos, publicado pela Fonte Editorial,
"Ekklesia [Igreja] é crianças recebendo crianças. Nada de mais singelo, de mais bonito, de mais alegre e gratuito. Inútil e improdutivo e, mesmo assim, tão rico!" (pág. 358)
Não basta a Igreja proclamar os novos valores do Reino e deixar se levar por uma prática contrária ao que seus líderes pregam com a boca e simbolismos exteriores. Antes digo que será uma constante tentação no nosso caminhar esquecermo-nos do cuidado com os pequeninos tidos como os ícones da causa cristã. Então, para reencontrarmos a criança que se perdeu dentro de nós, muitas das vezes serão necessárias atitudes radicais como as de Henri Nowven para que, incluindo contatos com o necessitado nas nossas agendas, possamos também acolher a Jesus dentro do nosso coração, recebendo também ao Pai que o enviou.
OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro pintado pelo artista dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:ChristwithChildren_CarlBloch.jpg
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderExcluirreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Seja bem vindo, Antonio!
ExcluirObrigado pelo convite de conhecer a sua página.
Volte sempre.
Abraços fraternos,
Rodrigo.