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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Uma mulher pecadora aos pés de Jesus



Como não se comover diante da passagem bíblica de Lc 7:36-50, sobre a mulher pecadora que ungiu a Jesus na casa do fariseu Simão?!

Dando continuidade ao estudo que tenho feito sobre o 3º Evangelho, chegamos então a um texto que é exclusivo de Lucas, muito embora existam dois relatos parecidos em Mateus 26:6-13 e Marcos 14:3-9, os quais tratam da unção feita em Betânia com significação bem distinta. Porém, o episódio a ser estudado hoje deve ser compreendido tal como se apresenta no livro. Para haver um melhor aproveitamento, não devemos nos importar em identificar qual era a identidade da mulher porque o autor sagrado aqui nada menciona, muito embora a explicação de João 11:2 nos leve a pensar que fosse Maria, a irmã de Lázaro e de Marta.

Em algum lugar de suas andanças, Jesus foi convidado para jantar na casa de um fariseu. Por mais que alguns representantes desse partido religioso judaico estivessem enfurecidos contra o Senhor, não me parece que tenha sido a totalidade deles. Só o fato de Jesus ter pregado nas sinagogas foi prova de que ele conviveu com inúmeros religiosos de seu tempo. E tudo talvez corresse bem se o Mestre não tivesse voltado o seu ministério para um acolhimento tão especial das pessoas moralmente marginalizadas (ler o artigo Um messias que se fez amigo dos pecadores).

Estando já à mesa na casa do fariseu, uma mulher da cidade, cheia de ousada e coragem, entrou naquela casa a procura de Jesus, carregando consigo um recipiente com perfume. Relata o texto bíblico que:

"e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhes os pés e os ungia com  o unguento" (verso 38; ARA)

Aquele gesto de conversão e de amor em nada comoveu o endurecido anfitrião. Supondo que Jesus tivesse a mesma mentalidade excludente que a sua, ele começou a duvidar de que o Mestre pudesse ser um profeta (porque o Senhor não repeliu a aproximação daquela mulher). No seu entender, um profeta deveria saber quem eram as pessoas ao seu redor e decidir conviver somente com os homens santos, separando-se dos pecadores.

Conhecendo o que se passava no coração daquele religioso, Jesus o surpreendeu com esta incrível parábola que é conhecida também como a dos Dois devedores:

"Disse Jesus ao fariseu: Simão, tenho uma coisa para te dizer. Ele respondeu: Dize-a, Mestre. Certo credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro cinqüenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou a dívida a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais? Respondeu Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem." (vv. 40-43)

A partir dessa metáfora, Jesus tentou levar o seu anfitrião a raciocinar, pois não fazia parte de sua pedagogia ditar conceitos mas, sim, fazer com que o outro, por si mesmo, achasse a resposta. Daí a narrativa prossegue:

"Virando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei, não cessou de beijar-me os pés. Não ungiste a minha cabeça com óleo, mas esta com perfume ungiu os meus pés. Por isso te digo: Perdoados lhe são os seus pecados, que são muitos, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco amaDisse à mulher: Perdoados são os teus pecados." (vv. 44-48)

Fico a indagar. Será que Simão também não teria pecados para serem perdoados? Sem dúvida que tinha, mas como havia nos informado a passagem de Lucas antecedente a esta, os fariseus e os intérpretes da Lei tinham se recusado ao batismo de João (versos 29 e 30). Ou seja, não conseguiam reconhecer a si próprios como pecadores, tornando-se arrogantemente auto-suficientes, como se pudessem ser justificados pelas próprias obras perante Deus ao invés de eternos carecedores de sua graça.

Todavia, Jesus não veio incutir culpas em ninguém. Por este motivo, ele perdoa os pecados da mulher que, provavelmente, tivesse sido uma prostituta, ou uma esposa adúltera, tal como fizera no episódio de cura do paralítico de Cafarnaum. Como já havia escrito anteriormente, num outro artigo,

"um dos princípios que podemos extrair sem medo desse excelente aprendizado bíblico é que o Criador bendito já está reconciliado com a humanidade inteira. Ninguém deve nada a Deus e nunca esteve em falta. As atitudes más podem desagradar o coração do Pai, mas não existe, no céu, qualquer anotação de dívida contra nós."

Oras, mas que gratidão pode ter o homem em seu coração quando ele pensa enganosamente que faz por merecer a aceitação de Deus?!

Minha experiência de vida religiosa mostrou-me exatamente o que acontece com as pessoas que se acham merecedoras e não salvas pela infinita graça do amado Pai Celeste. Pois, quando raciocinamos dessa maneira errada, pensamos ser credores de algo e que temos algo a exigir dos céus. Já não louvamos ou adoramos com o mesmo sentimento de quem acabou de ser resgatado de um lamaçal de pecados como é o caso de uma profissional do sexo, de um usuário de crack ou de quem praticou muitos males à sociedade para nutrir qualquer tipo de compulsão.

Geralmente a vida de um religioso bem aceito pela sociedade costuma ser mais ou menos equilibrada. Ele até comete uns vacilos, mas é incapaz de causar escândalos. Já com uma "ovelha negra" é diferente. O que tal pessoa faz gera reprovação, atrai sentimentos de vergonha e de indignidade. Lidar com membros da sociedade que a conhecem e, principalmente, com os santos da religião, sempre são momentos espinhosos. Ainda por causa da incompreensão.

Curioso, mas a mulher pecadora entrou na casa de um fariseu. Enfrentou ela a possibilidade de ser barrada, sofrer rejeição pelo anfitrião e pelos seus convidados, mas confiou seguramente no amor de Jesus. Mesmo sem receber as boas vindas, ela foi a procura do Mestre, aos pés de quem derramou lágrimas de um genuíno arrependimento.

Essa é a obra do Reino e o propósito do Evangelho: promover a reconciliação do homem com Deus. Nosso Criador já está reconciliado, mas nós nem sempre estamos intimamente receptivos. Ainda mais no meio de tantos religiosos hipócritas à nossa volta, os quais hoje se fazem passar por crentes igrejeiros seguidores de Cristo como, na verdade, desconhecem o que foi o ministério de Jesus.

Simão e seus outros convidados não devem ter aprendido nada com aquela experiência. Ao invés de se alegrarem com a conversão da mulher, passaram a se voltar para seus conceitos teológicos e discutido de maneira julgadora sobre o poder de Jesus em perdoar pecados (v. 49), como também havia ocorrido na cura do paralítico de Cafarnaum. Só que Jesus não se importou com a reação deles, pelo que tranquilizou a mulher com uma mensagem de salvação e de paz.

Para os que hoje já não vivem mais na habitualidade do pecado, torna-se obrigatório manter acesa essa memória bíblica. É muito tentador nos esquecermos de quem fomos um dia ou negarmos o grande potencial para a maldade existente em cada um de nós. Por causa disso, temos que tomar cuidado para não cairmos num endurecimento capaz de nos afastar de Deus e das pessoas que hoje precisam do nosso auxílio. Logo, é necessário sempre nos identificarmos com aquela mulher que achou graça através do tratamento de Jesus.

Jesus acolheu os pecadores, e nós? Será que sabemos reconhecer a nova identidade daqueles que se converteram e estão buscado mudar o rumo de suas vidas?

Recordo que, uns anos atrás, morando ainda em Nova Friburgo, havia um rapaz na igreja com problemas de envolvimento com o homossexualismo. Teve vezes em que ele caía em pecado e chegava a ir para encontros no banheiro do shopping para fazer coisas vergonhosas com outros homens. Por ter ficado amigo de minha esposa, o jovem frequentou a nossa casa, embora eu não lhe desse tanta atenção. Um dia, quando me lembrei dele, tendo visto o seu perfil no Orkut, veio um forte sentimento em minha mente. Era como se Deus estivesse falando comigo, segundo o versículo 17 do capítulo 5 da segunda epístola aos Coríntios:

"Você não deve vê-lo como um gay repugnante e sim como uma nova criatura em Cristo. As coisas velhas já passaram na vida desse irmão!"

Confesso que, depois daquela experiência, passei a procurar enxergar as pessoas por meio de novas lentes. Isto nem sempre é fácil de fazer quando encontramos nelas hábitos e costumes de uma vida passada. Porém, é preciso não esquecer que, diante de Deus, estamos todos reconciliados. Então quem é o homem para cobrar do seu semelhante uma dívida que já não existe mais e que nem tem a ver conosco?

Que possamos ver o outro como Jesus vê! A comunidade eclesiástica, que é o povo de Deus, precisa estar apta para abraçar o pecador integrando-o sem quaisquer exigências ou condições. Nada julgamentos morais! É o que devemos fazer se, de fato, seguimos a Cristo.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A tua fé te salvou! do artista italiano Girolamo Romani que teria vivido entre 1485 e 1566. Extraí do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Romanino,_cena_in_casa_del_fariseo,_san_giovanni_evangelista,_brescia.jpg

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