O termo centurião tem a ver com o numeral cem. Uma centena era a quantidade de soldados que os militares do exército romano dessa média patente costumavam comandar, embora pudesse variar para mais ou para menos. Porém, o que importa para a significação do texto é compreendermos a autoridade exercida pelo personagem. Tratava-se de um poderoso dentro do seu quartel (verso 8).
Embora representasse o conquistador estrangeiro dentro de Israel, aquele centurião tinha um comportamento incomum. Ao invés de oprimir o povo dominado, ele ajudava a comunidade. Daí os líderes da sociedade local em Cafarnaum terem intercedido a seu favor diante de Jesus para que o Mestre fosse até sua casa curar o jovem enfermo (versos 4 e 5).
Segunda a restrita concepção que se tinha naquela época sobre a legislação de Moisés, o seguidor fiel da religião jamais deveria entrar na casa de um não judeu. Isso fica mais fácil de se entender para quem já leu uma passagem de Atos dos Apóstolos, tendo em vista as palavras pronunciadas por Pedro na residência de Cornélio (At 10:28). Ao que tudo indica, o centurião, humildemente, compreendeu e aceitou aquele comportamento social tido para nós, hoje em dia, como um costume preconceituoso, ultrapassado, excludente e equivocado em relação à verdadeira ideia de santidade.
Só que, no contexto de Jesus, aquela era a regra adotada por seus compatriotas e o centurião, em nenhum momento, quis prevalecer-se de seu status como oficial do Império Romano para contrariar os costumes da população local. A princípio, ele tinha pedido, através de pessoas idôneas, que o Mestre viesse curar o ser servo. Os anciãos dos judeus chegaram a insistir suplicantemente com Jesus para que, diante daquele caso excepcional, flexibilizasse sua conduta. Talvez, naquela ocasião, o Mestre talvez compartilhasse de uma visão judaica etnocêntrica ou, quem sabe, não considerasse estratégico para o seu ministério romper antecipadamente com tal preconceito para não perder o seu propósito inicial. Mas, no fim, o Senhor acabou concordando em ir até à casa do gentio e se pôs a caminho (verso 6).
Provavelmente Jesus nem esperava o que ainda iria acontecer. O centurião, na certa, deve ter percebido o constrangimento que causaria à obra do Salvador fazê-lo entrar sob seu teto. Talvez os fariseus mais radicais, intolerantes e de má-fé aproveitariam-se daquele episódio para tentarem desmoralizar o Mestre que muito já se desgastava por se importar com as ovelhas perdidas do seu povo. Então, vendo que ele se aproximava, mandou-lhe esta mensagem:
"Senhor, não te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa. Por isso, eu mesmo não me julguei digno de ir ter contigo; porém manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Porque também eu sou homem sujeito à autoridade, e tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem. e ao meu servo: faze isto, e ele o faz." (Lc 7:6-8; ARA)
Caramba! Que fé exemplar teve aquele cara que nem judeu era! Se fosse nos dias atuais, poderíamos substituir o centurião por uma pessoa não religiosa, ou de tradições doutrinárias diversas das nossas que, não pertencendo à Igreja, pede para colocarmos o seu nome nos livros de oração.
Alguma vez um vizinho seu ou um colega de trabalho já não solicitou a você algo semelhante? E será que, da mesma maneira que Jesus, fomos capazes de valorizar a fé deles?
Sobre a atitude do centurião, nosso Senhor assim comentou:
"Afirmo-vos que nem mesmo em Israel achei fé como esta" (Lc 7:9)
Difícil admitir isso, mas fora da Igreja podemos encontrar mais fé do que no meio dela! Inclusive entre as pessoas que têm comportamentos diversos da moral cristã. Os que se acham membros legítimos da universal assembleia divina não raramente perdem a consciência da própria indignidade diante do padrão perfeito do Santíssimo. Vale lembrar que Israel não havia se tornado "povo de Deus" porque os hebreus fossem melhores do que as outras nações e sim pelo amor gratuito do Eterno. Igualmente, o mesmo ocorre a todos os que são membros do Corpo de Cristo e aqui não me refiro a nenhuma instituição religiosa específica ou a segmentos do cristianismo.
Reconhecendo a autoridade divina exercida por Jesus, o centurião não só recebeu a restauração da saúde de seu jovem servo como também se tornou ele mesmo o próprio milagre. Com isto, aquela cura operada à distância foi só um sinal da grande extensão do Reino capaz de ultrapassar os horizontes das nossas vistas limitadas. Depois que o ministério de Jesus encerrou-se, o Evangelho foi anunciado pelos seus discípulos para fora dos limites geográficos de Israel. Há quem considere até que o centurião Cornélio de Atos 10 fosse o mesmo de Lucas 7 e já li até gente dizendo que o centurião e o seu servo tivessem uma relação homo-afetiva. Porém, sem nos apegarmos às invencionices teológicas, o que vale pra mim é compreendermos a incrível marcha evolutiva de fé para não remarmos inutilmente contra a maré.
Nem os católicos romanos, os espíritas, os pentecostais ou os protestantes de qualquer denominação são donos da verdadeira Igreja. O Espírito de Deus sopra onde quer e, quando a fé surge dentro do coração de alguém, ela não depende de condições culturais ou religiosas. Jamais a doutrinação vai gerar crentes de modo que é mais fácil encontrarmos autênticos seguidores de Jesus entre as crianças e os que estão até fora das paredes eclesiásticas vivendo suas experiências pessoais. Não que a vivência em grupo seja algo sem importância pois o próprio texto em comento nos diz que o centurião havia edificado a sinagoga (o local de reunião dos judeus), mas, provavelmente, ele não devia ser circuncidado e nem prosélito da religião.
Para os destinatários originais do Evangelho de Lucas, os quais eram gregos e não judeus, talvez a lição que aqueles irmãos do passado devessem compreender seria o rompimento dos muros discriminatórios que até hoje a Igreja ainda constrói em relação ao outro. Não raramente, as lideranças são capazes de reprimir ou de desanimar as experiências obtidas pelos novos convertidos transformando-os em religiosos frustrados e cerceados pela moral dos homens. Mas penso que isso precisa mudar ou, do contrário, deixamos de ser porta-vozes do anúncio do Reino e não produzimos frutos espirituais.
Deus quer a restauração de toda a humanidade e precisamos nos abrir para isso contribuindo para o processo evolutivo planetário. Inspiremo-nos, portanto, na atitude daquele humilde centurião também no reconhecimento de Jesus quanto à fé dos humildes que o buscavam.
Rodrigão, nesta passagem, eu entendo que Jesus se maravilhou da fé daquele centurião, pelo fato de ele entender que da mesma forma que ele tinha poder de mover com os seus soldados ao seu bel prazer ou necessidades, Jesus tinha sobre as enfermidades este mesmo poder, ou seja, todas as enfermidades se submetiam as ordens de Jesus.
ResponderExcluirTambém entendo que ele reconheceu ser Jesus, um verdadeiro Santo, portanto, se achou indigno de ter tal homem sob o seu teto.
Bom dia, Guiomar!
ExcluirDe fato, o centurião reconheceu a autoridade do ministério de Jesus. Tanto é que ele o chama de "senhor" (verso 6). Se ele podia exercer a sua autoridade militar à distância, por que Jesus também não poderia agir de maneira semelhante? Estamos de acordo!
Quanto ao reconhecimento da santidade de Jesus, também. Mas isto não exclui a possibilidade de que ele tenha se submetido ao costume da época em que um seguidor da religião judaica não pudesse ingressar na casa de um estrangeiro tido pelos judeus como idólatras.
Grande foi a fé daquele homem!
Não sei Rodrigão, uma vez que Ele entrava na casa de publicanos e comia com pecadores. Jesus não se preocupava com o que pensavam dEle e sim com o que deveria ensinar através do seu próprio caminhar.
ResponderExcluirBoa noite, Guiomar!
ExcluirComo eu havia suposto (não afirmado que assim fosse), "talvez" Jesus "não considerasse estratégico para o seu ministério romper antecipadamente com tal preconceito para não perder o seu propósito inicial".
Uma coisa os Evangelhos confirmam que o seu ministério destinou-se para "as ovelhas perdidas da casa de Israel" (ver Mt 10:5-6). Excepcionalmente, porém, houve situações em que Jesus atendeu samaritanos e gentios. Foi o caso, por exemplo, daquele centurião romano e da cura da filha da mulher cananeia.
Realmente Jesus não se preocupava com o que viessem a pensar dele. Já na cabeça do centurião, pode ter se passado a ideia de que a entrada de Jesus em sua casa causaria desconforto ao ministério do Mestre. E uma coisa era certa, se Jesus não teve por alvo direto os gentios é porque estes ainda não estavam no alvo imediato do ministério por ele desenvolvido. Tudo tem seu tempo.