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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Será que todas as denúncias de cidadãos no Tribunal de Contas deveriam ter mesmo o tratamento sigiloso?!



Neste ano, fiz uma denúncia ao TCE-RJ reclamando que a audiência pública para demonstração e avaliação do cumprimento das metas fiscais do 2º quadrimestre de 2020, realizada no último dia 25 de setembro, no Plenário da Câmara Municipal de Mangaratiba, teria ocorrido sem que fosse assegurada a interação popular por meio de plataforma digital (Zoom ou Google Meet), medida esta que se fazia necessária por força da restrição de acesso imposta ao público. Na época cheguei a escrever a postagem Uma audiência pública sem público em Mangaratiba..., publicada dia 26/09/2020 aqui neste blogue.


O processo, ao ser protocolizado na Corte de Contas, foi registrado sob o número 227.118-8/2020, porém, como ocorre com todas as denúncias de cidadãos comuns, que não possuem mandato eletivo, recebeu tratamento sigiloso "com vistas a resguardar os direitos e garantias individuais".


Como se sabe, de acordo com os artigos 58 e 59 da Lei Complementar Estadual nº 63/90, todo cidadão pode apresentar denúncias ao TCE. Senão vejamos o teor do texto normativo:


Art. 58. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas.

Art. 59. A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal de Contas deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, conter o nome legível do denunciante, sua qualificação e endereço, e estar acompanhada de prova ou indício concernente ao fato denunciado ou à inexistência de irregularidade.


Por sua vez, os artigos 3º e 4º da Deliberação TCE-RJ nº 266/2016, vai de encontro ao que diz a legislação do Rio de Janeiro:


Art. 3º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas.

Art. 4º São requisitos de admissibilidade de denúncia: I – referir-se a matéria de competência do Tribunal;

(...)

II – referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição; III – ser redigida em linguagem clara e objetiva;

(...)

IV – no caso de cidadão: conter nome completo, a qualificação, cópia da carteira de identidade, cópia do Cadastro de Pessoa Física, cópia do título de eleitor ou documento equivalente e o endereço do denunciante;

V – no caso de partido político, associação ou sindicato: cópia do estatuto, cópia da ata da última eleição ou da ata de nomeação da diretoria, cópia do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, cópia da carteira de identidade do presidente ou responsável pela entidade, conforme estabelece o estatuto;

VI – contar informações sobre o fato, a autoria, as circunstâncias e os elementos de convicção;

VII – estar acompanhada de prova ou indício concernente ao fato denunciado ou à existência de irregularidade.


Contudo, essa mesma Deliberação do TCE impõe um sigilo às denúncias dos cidadãos. É o que consta expresso em seu artigo 6º:


Art. 6º No resguardo dos direitos e garantias individuais, o Tribunal dará tratamento sigiloso às denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria, assegurando-se a ampla defesa e o contraditório aos acusados. 

Parágrafo único. Ficam excluídos do tratamento sigiloso constante do caput deste artigo, denúncias formuladas por detentores de mandato eletivo e pelos partidos políticos, sindicatos ou associações, quando as matérias denunciadas não estiverem sob sigilo legal.


A meu ver, o sigilo, para fins de resguardar direitos e garantias individuais, é algo que deveria ser concedido em caráter excepcional e a pedido do interessado quando, de fato, possa haver uma situação que importe em risco de vida ou de ameaça à integridade física do indivíduo. Logo, é necessário que estejam sempre presentes os motivos que justifique uma mitigação da publicidade e que não inviabilize o trâmite da demanda, nem que tão pouco impeça a sociedade civil de tomar conhecimento das decisões e dos posicionamentos da Corte de Contas.


Deste modo, entendo ser preciso ponderar que o direito fundamental de acesso à informação deva ser assegurado por procedimentos executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública, além de que a publicidade é um dos princípios fundamentais regentes da administração pública, compreendendo a transparência, a acessibilidade, a integralidade e a integridade das informações referentes à gestão administrativa e financeira da coisa pública. Logo, ainda que se dê tratamento sigiloso a uma denúncia para resguardar direitos e garantias individuais do próprio denunciante, eis que o teor das decisões, mesmo com a ocultação da totalidade dos dados pessoais do cidadão, precisa ser disponibilizada ao público, inclusive na consulta ao andamento processual via internet.


Outrossim, como uma denúncia pode ter o sigilo justificado por outras razões que não sejam para resguardar direitos e garantias individuais, é considerável que, até haver uma análise pela relatoria do caso, por meio de decisão monocrática, haja um breve tratamento sigiloso a partir do ingresso da comunicação no Tribunal. Até mesmo porque a petição apresentada poderá abordar assuntos que sejam de interesse de uma eventual investigação em face de algum jurisdicionado, mas não por conta da proteção dos direitos individuais do denunciante.


Registre-se que o sigilo da totalidade dos dados pessoais do denunciante, incluindo o seu endereço físico, documento de identidade, e-mail, data de nascimento, nomes dos pais, inscrição no CPF e o título eleitoral, não se confunde com a própria denúncia em si, sendo que o TCE pode dispor de meios para manter em oculto ao público os documentos anexados à inicial e até mesmo a própria petição.


Independente disso, inexistindo qualquer interesse público que justifique o sigilo, inquestionável que o próprio denunciante possa dar publicidade às decisões e aos demais atos, assim como deve ser permitido que o mesmo queira requerer o levantamento do tratamento sigiloso dado ao processo. Aliás, o próprio formulário de envio da denúncia via internet deveria também dar alternativa ao usuário do sistema.


No caso da denúncia que havia feito, a publicidade diante de uma questão levantada por cidadão quanto ao direito das pessoas de participar virtualmente das audiências públicas sobre as metas fiscais, de modo algum poderá importar em lesão aos direitos e garantias individuais do denunciante. Aliás, cuida-se de algo que, caso venha a ser amplamente divulgado pelo TCE, poderá orientar várias casas prefeituras e legislativas do país para que cumpram a legislação durante a pandemia por COVID-19, além das demais entidades privadas que praticam o controle social, a exemplo de ONGs, sindicatos e partidos políticos.


Sobre a denúncia que fiz, a mesma ainda carece de uma decisão meritória, porém houve o seu devido recebimento e conhecimento, porém com a manutenção do tratamento sigiloso, tendo sido determinada a comunicação ao Prefeito Municipal de Mangaratiba, de acordo com o artigo 26, § 1º, do Regimento Interno do TCE, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, sejam prestados esclarecimentos quanto à não disponibilização de ferramenta digital com vistas a possibilitar o acesso virtual do público interessado à audiência realizada em 25/09. E também foi requisitado o encaminhamento ao processo da ata dessa reunião.


Apesar de já estar entrando em contato com o TCE para afastar o sigilo dessa denúncia, pois acredito que o assunto, talvez, possa interessar a uma seleta minoria de cidadãos (e de parlamentares) que fiscalizam os órgãos públicos, nada me impede de acompanhar o processo e de trazer informações acerca do seu andamento. Aliás, é em respeito aos que têm me seguido como cidadão sem mandato eletivo, que estou compartilhando as notícias sobre umas das últimas atividades políticas promovidas em meu nome, no corrente ano, aqui em Mangaratiba.


Ótimo final de semana a todos!

2 comentários:

  1. Pois é Rodrigo as coisas caminham dessa forma.

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    1. Fato é que o esconderijo do anonimato enfraquece uma sociedade e reduz a força participativa. As verdadeiras mudanças sempre se fizeram com as pessoas indo às ruas mostrando as caras. Às vezes tenho dúvidas se o sigilo do voto faz bem ou se faz mal.

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