“E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho.” (Apocalipse 21.5-7; ARA)
Se alguém perguntar qual o meu entendimento acerca de determinados pontos de vista escatológicos polêmicos, tipo o reino milenial de Cristo, a grande tribulação e o arrebatamento da Igreja, confesso que não tenho hoje mais nenhuma posição fechada a respeito dessas coisas cujo cumprimento só a Deus pertence.
Há uns vinte anos atrás, quando tinha me tornado um adolescente fanático, fazia frequentes estudos escatológicos por conta própria e, influenciado pelas lideranças com as quais identificava, apoiava-me na corrente pré-milenista e pré-tribulacionista. Ou seja, eu acreditava que Jesus, em algum dia, iria arrebatar sua Igreja para o céu antes do começo de uma terrível tribulação de sete anos na terra, período em que haveria muita dor, perseguições brutais contra os cristãos que permanecessem para uma segunda chance de arrependimento e enormes catástrofes, as quais durariam até a Parusia (manifestação de Cristo ao mundo em sua segunda vinda). Aí então seria dado início ao tão esperado reino messiânico na terra até o Juízo Final em que os homens ímpios, que rejeitaram a Deus, seriam lançados num terrível lago de fogo e enxofre afim de sofrerem tormentos por toda a eternidade, enquanto que os crentes herdariam o paraíso da Nova Jerusalém.
Além disso, eu alimentava outras crenças escatológicas que não tinham base bíblica exclusiva e foram elaboradas conforme a imaginação de autores de livros. Entendia que a besta que emerge do mar de Apocalipse 13 seria o anticristo, o qual, por sua vez, corresponderia ao “homem da iniquidade” mencionado por Paulo na sua segunda epístola aos tessalonicenses (cap. 2). Então, juntando esta passagem com o Apocalipse e outras partes da Bíblia, eu montava na minha mente um verdadeiro cenário de horror, imaginando a formação de um futuro governo mundial com um perverso líder querendo a todo custo marcar as mãos e as testas das pessoas com o número 666. E aí, quem não resistisse, estaria para sempre condenado a arder no lago de fogo enquanto que os cristãos arrebatados ficariam livres daquela provação.
Ao lado de tudo isso, eu ainda segui a ensinos de que, antes do aparecimento do anticristo, o mundo ainda seria preparado para adorar a besta pelos místicos seguidores da Nova Era de Aquário, com o apoio de todas as religiões (menos dos cristãos verdadeiros), as quais seriam representadas pelo falso profeta que é a segunda besta de Apocalipse 13. Quando lia sobre a economia mundial em processo de globalização na década de 90, entendi ser aquilo um indício do temido governo mundial que seria dominado pelos europeus através da ONU (até os anos 80 eu achava que seria o comunismo soviético) e daí tinha minhas aversões aos movimentos pacifista, ecológico, ecumenista e de defesa dos homossexuais. Para a minha cabecinha atormentada, o código de barras estampado nos produtos do supermercado já era a tal marca da besta que, dentro de algum tempo, iria ser tatuada nas pessoas como uma espécie de identidade única, reconhecível pelo leitor ótico de um computador conectado à internet, e funcionando ao mesmo tempo como um cartão de crédito e débito na própria pele do consumidor, sem o qual ficaria impossível comprar ou vender qualquer bem porque, em tal circunstância, a moeda já não mais circularia pelas ruas.
Curiosamente, todo esse conhecimento de doutrinas e especulações sobre o fim do mundo era incapaz de me proporcionar uma compreensão da graça de Deus. Eu vivia com muito medo achando que Jesus iria arrebatar a Igreja a qualquer tempo e eu ficaria para trás por causa dos meus pecados afim de ser perseguido pelos soldados do anticristo. Tinha os mais terríveis pesadelos com isso, sonhando como se realmente estivesse vivendo no período da grande tribulação, sobrevivendo às escondidas dentro das cidades, vendo alguns parentes sendo marcados pelo capeta, tendo que me proteger das bombas nucleares e precisando resistir às mais dolorosas torturas. Quando dormia, sempre fechava a palma das mãos porque temia em meu imaginário que um demônio pudesse aparecer no quarto, marcar minha mão direita e eu perder qualquer possibilidade de ser salvo. Enfim, era um drama terrível e suponho que muitas pessoas também sofreram (ou ainda sofrem) por causa dessas teologias amedrontadoras de botequim.
Graças a Deus eu fui modificando a minha maneira de compreender o Apocalipse e o sentido das profecias bíblicas que falam dos últimos dias.
Hoje em dia, o Apocalipse é para mim algo muito mais simbólico do que literal, o que torna a sua profecia riquíssima em termos de significado espiritual para conhecermos a misericórdia de Deus e o seu controle sobre a história da humanidade. Aliás, o Apocalipse não deve ser estudado sem lermos também os profetas do Antigo Testamento que falaram por diversas vezes à nação de Israel trazendo um recado de Deus ao seu povo de acordo com o momento, ainda que com aplicações analógicas aos nossos dias.
A diferença entre o Apocalipse e os profetas hebreus é que agora Deus, através de Jesus Cristo e o Anjo, revela à Igreja seu plano de salvação, trazendo conforto, esperança e também advertências para aqueles irmãos que viveram durante o domínio de Roma. Aliás, foi para os cristãos da Ásia Menor (atual Turquia) que aquela carta profética circular foi escrita, servindo como uma grande motivação para as pessoas manterem a fé, pois todo o sofrimento suportado por tais comunidades iria ser transitório e a morte não passava de mera aparência.
Neste sentido, pode-se dizer que, para os tempos do Apocalipse, a tal besta com suas sete cabeças e dez chifres representava nitidamente Roma, a capital de um império que combatia cristãos e judeus. A adoração à besta simbolizava o culto à pessoa do imperador que, nas cidades da Ásia Romana, chegou a ser praticado com muito mais aceitação do que na Grécia e na Península Itálica a ponto da participação do indivíduo tornar-se quase que indispensável para ele integrar as corporações comerciais da época, ou do contrário jamais conseguiria comprar ou vender mercadorias e prosperar. Logo, enquanto alguns adoradores de César e sua imagem viviam debaixo da expectativa de acúmulo de talentos (moeda de maior valor que equivale hoje a milhões), os servos de Jesus teriam que viver apenas com os seus denários (a diária de um trabalhador braçal) e, periodicamente, ainda eram massacrados pelas mais cruéis perseguições promovidas pelos reis com a ajuda das autoridades locais.
Se pensarmos por esta ótica, o Apocalipse pode muito bem ter sido um livro subversivo para os séculos II, III e começo do IV. Seria uma literatura a grosso modo comparável com o
Manifesto Comunista na era industrial em que o julgamento da Babilônia (capítulos 17 e 18) simbolizaria a conquista do império romano que supunham ser através dos partos numa equivalência ao fim do Estado burguês nos dias de Karl Marx.
Evidentemente que a minha comparação do Apocalipse com a literatura marxista mais popular limita-se apenas ao campo da contestação pois, enquanto Marx propôs a luta armada, João encorajou seus irmãos a serem pacientes na tribulação, aguardando a vingança do Cordeiro contra os seus adversários. Além do mais, se o Apocalipse não tiver o seu real significado adulterado, ele se torna uma mensagem permanentemente subversiva até que todos estejam vivendo com Deus na eternidade, enquanto que os livros de Marx, após as revoluções socialistas do século XX, passaram a ser utilizados pelos novos regimes totalitários que surgiram nos respectivos países.
Meditando sobre o que foi o socialismo na prática, fico a indagar se a ex-URSS, as repúblicas da Europa do Leste e a China de Mao Tsé-Tung não teriam se tornado novas Babilônias assim como foi a Alemanha de Hitler? E do que adiantou uma revolução armada na Rússia se depois o povo amargou um regime mais cruel do que o czarismo na época de Josef Stálin?
Não importa em que época vivemos, sei que precisamos saber identificar qual o sistema babilônico que atua nos nossos dias, o qual, com os seus tentáculos espirituais, tenta tragar os corações dos homens para um abismo individual e coletivo. E, se na época de João, a besta poderia ser associada ao Império Romano, hoje a forma do mal tem sido a corrupção, os tráficos de armas e de drogas, a miséria, as guerras, a exploração de crianças, a perversão sexual, a destruição do meio ambiente, o institucionalismo religioso que sé colocado acima das pessoas e as rebeliões do homem contra Deus.
Qualquer que seja a ocasião, a mensagem do Apocalipse nos ensina que cabe ao crente abraçar a escolha de sujeitar-se à vontade de Deus e não fazer parte do sistema podre desse mundo. Somos chamados para sairmos da Babilônia para não nos tornarmos cúmplices de seus pecados e nem participarmos de seu julgamento.
Se Jesus mandasse João escrever uma carta para as igrejas do Brasil no século XXI, o que será que o Senhor iria nos dizer sobre a promiscuidade entre pastores evangélicos e candidatos políticos nas eleições? Será que Ele aprova o uso de seu Nome nas mercenárias campanhas pela prosperidade de líderes evangélicos que, ao invés de pregarem as Boas Novas, resolvem devorar o rebanho de Deus? Como seria a atitude de Jesus quanto aos padres católicos que deixam famílias nordestinas debaixo da ignorância da idolatria, incentivando procissões atrás de imagens de escultura e consentindo com inegáveis adorações à Virgem Maria e Padre Cícero como se fosse possível haver outros intercessores perante o Pai além do Filho? Ora, como elogiar os cantores gospel que baseiam seus trabalhos num marketing religioso cheio de falsidades e pseudo-espiritualidade, mais preocupados com um mercado musical do que anunciarem verdadeiramente a Palavra?
Acredito que o Senhor Jesus não deve estar nem um pouco satisfeito com o comportamento acomodado, hipócrita e ganancioso dos nossos dias que revelam uma falta de temor pela sua pessoa, de modo que, sob este aspecto, o que João escreveu para os cristãos da Ásia Menor nos tempos de Roma parece aplicar-se ao tempo de hoje.
Amados, não podemos deixar que a correta compreensão do Apocalipse seja arrebatada dos corações dos homens por causa de especulações fantasiosas de pessoas sensacionalistas que, no final das contas, acabam distorcendo o significado da profecia!
Para mim, parece inútil alguém debater sobre qual a concepção teológica correta a respeito do milênio messiânico (se é o pré-milenismo, o pós-milenismo ou o a-milenismo). Igualmente não tem a mínima importância as discussões estéreis se a Igreja experimentará ou não um arrebatamento antes, durante ou após a grande tribulação ou ainda se esta já se cumpriu na época de Roma. Pois, ao invés das pessoas tentarem fazer previsões do futuro, especulando pateticamente se o Bill Gates ou o Bono Vox, vocalista do U2, vai se revelar como o anticristo, elas deveriam se converter verdadeiramente à graça salvadora de Jesus, arrependendo-se de seus pecados, praticando o amor e pregando o Evangelho. Aliás, como iniciei e termino meu texto, a mensagem do Apocalipse é uma bela revelação da graça:
“O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida.” (Ap 22.17; ARA)
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