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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Suficiente graça

“Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação” (Fp 4.13; NTLH)

O verso 13 do capítulo 4 da epístola de Paulo aos filipenses, quando o apóstolo diz “tudo posso naquele que me fortalece” (conforme as traduções de João Ferreira de Almeida, da Nova Versão Internacional ou da Bíblia de Jerusalém), tem sido uma das citações bíblicas mais papagaiadas pelos evangélicos, embora seja também muito incompreendida pelos que a repetem. Na maioria das vezes, o seu contexto é ignorado e os teólogos da prosperidade logo distorcem o versículo para iludirem seus ouvintes, dando a entender equivocadamente que podemos realizar milagrosamente todas as coisas como um super crente, sem jamais sermos derrotados.

Entretanto, basta uma breve leitura a partir do verso 10 para que possamos entender, ao menos com a mente, o que Paulo estava querendo dizer aos destinatários de sua carta, os irmãos da Igreja na cidade de Filipos, os quais se mostravam sempre interessados para apoiarem o seu ministério:


“Alegro-me grandemente no Senhor, porque finalmente vocês renovaram o seu interesse por mim. De fato, vocês já se interessavam, mas não tinham oportunidade para demonstrá-lo. Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem-alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece.” (Fp 4.10-13; Nova Versão Internacional – NVI)


Como eu disse, posso entender com a mente o sentido do que Paulo teria escrito aos filipenses, mas para dizer a verdade acho que a vida inteira ainda é pouco para que todos, inclusive eu, compreendamos em sua totalidade que tudo podemos naquele que nos fortalece, crendo e descansando na suficiência da graça de Deus. Pois para mim que, se comparando ao apóstolo Paulo, suportei pequeníssimas tribulações, estou falando de coisas que, obviamente, não experimentei quando tagarelo tudo poder em Deus.

Todavia, passamos a nossa vida inteira procurando entender com o coração o que é a graça de Deus. Somos salvos por esta graça maravilhosa, sem nada merecermos, e recebemos de Deus a vida eterna que inclui inúmeras bençãos, as quais podem se manifestar também enquanto estamos vivendo aqui nesta terra. Só que a graciosa salvação vinda de Deus não nos isenta de atravessarmos dificuldades. Aliás, é isto que Jó responde à sua esposa, a qual, conhecendo a integridade do marido aconselha-o a amaldiçoar Deus e morrer (talvez cometer um suicídio):


“Saiu, pois, Satanás da presença do SENHOR e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça. Então, Jó apanhou um caco de louça e com ele se raspava, sentado entre as cinzas. Então sua mulher lhe disse: 'Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra!' Ele respondeu: 'Você fala como uma insensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal?' Em tudo isso, Jó não pecou com seus lábios.” (Jó 2.7-10; NVI)


Quando mencionei a possibilidade de que a mulher de Jó tivesse lhe sugerido o suicídio é porque na cultura oriental não é incomum alguém resolver tirar a própria vida ao enfrentar determinadas situações vergonhosas de derrota. Nas guerras e rebeliões, era comum os revoltosos cometerem um suicídio coletivo para não serem capturados pelo exército inimigo. Porém, não há como negar que o suicídio pode significar também uma atitude de auto-justificação, ou de auto-piedade, em que o indivíduo decide pela auto-destruição numa resistência à restauração do ser proposta pela graça.

A graça nos dá condições para lidarmos com toda e qualquer situação, afim de que, semelhantes a Jó, respondamos com esta indagação: “se recebemos de Deus os bens, não deveríamos receber também os males?” (Bíblia de Jerusalém - BJ)

A graça nos basta! Foi isto que o Senhor disse a Paulo depois que o apóstolo pediu pela terceira vez que lhe fosse tirado o “espinho na carne”, conforme podemos ler na segunda epístola à Igreja em Corinto:


“E para que eu não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte.” (2Co 12.7-10; ARA)


Não quero perder tempo tentando decifrar o misterioso espinho na carne de Paulo e acho que quanto mais pudermos generalizar esta expressão, aplicando-a nas mais diversas situações da vida, melhor será a nossa compreensão da suficiência da graça, o que é fundamental para o crescimento e para a maturidade do seguidor de Jesus. Se for por causa das perseguições, a graça basta. Se o problema for alguma enfermidade que os médicos e as orações não curam, a graça basta. Se é falta de dinheiro, a graça basta. E se o nosso espinho é o contínuo desejo de pecar que não conseguimos eliminar, a graça também basta porque o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza humana (no reconhecimento de que somos fracos para vencermos os obstáculos com a própria força).

Nós cristãos, que cremos na salvação pela graça, confessamos sempre isto. Porém, os muçulmanos devotos também recitam diariamente que Deus é “clemente” e “misericordioso”, mas desenvolvem um relacionamento com o Divino baseado no medo de serem castigados na “Geena” (o inferno). Quase todas as suras do Alcorão começam dizendo “Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso”, porém os versos que sucedem o primeiro negam tal misericórdia e pregam, na prática, uma salvação por obras:


“Mas quando chegar a catástrofe maior,
No dia em que o homem se lembrar de seus esforços,
E a Geena for visível para todos os que podem ver,
Aquele que tiver prevaricado,
E preferido a vida terrena,
Terá a Geena por morada.”
(Sura 79.34-39, tradução de Mansour Challita)


Ou então:


“Uns acreditam em Muhamad; outros afastaram-se dele.
Basta a estes o fogo da Geena.
Os que rejeitam Nossos sinais, breve jogá-los-emos no Fogo.
Cada vez que suas peles forem queimadas, substituí-las-emos por outras para que continuem a experimentar o suplício.
Deus é poderoso e sábio.”
(Sura 4.55-56; op. cit.)


Que horror! Será que Deus quer que o homem se converta a Ele por medo de sofrer um castigo doloroso? Ou não é um relacionamento amoroso que Ele anseia desenvolver conosco?

Acontece que, enquanto não aplicamos a graça em todos os aspectos de nossas vidas, continuamos agindo como os muçulmanos, caindo nos enganos da auto-justificação e pensando que devemos conseguir algo porque somos bons homens. Aí quando a provação chega, ficamos a indagar por que aquela situação está acontecendo de modo que deixamos de usufruir de todos os benefícios da salvação de Deus.

Não acho que tenha sido fácil para Paulo e para Jó terem passado por tudo aquilo que sofreram. Porém, ambos compreenderam a extensão da graça e o contentamento de um lindo relacionamento com Deus. E, ao final, Jó declara: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42.5; ARA).

Creio num Deus que não quer ser adorado pelas bençãos que Ele nos concede ou porque dará a seus filhos uma porção no paraíso. Ele quer que nós o amemos pelo que Ele é. Desde o início da criação, Deus sempre desejou um relacionamento amoroso com a humanidade e manifestou este amor pela graça que foi revelada em Jesus de modo que somos aceitos por Ele incondicionalmente, o que independe daquilo que fazemos. Aliás, é quando estamos conscientes de que nada podemos oferecer a Deus é aí que melhor compreendemos o quanto Ele realmente é misericordioso e compassivo, o que aperfeiçoa a nossa relação com o Eterno.

3 comentários:

  1. No Salmo 73 tem um verso que diz: Certamente foi-me inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência.
    O salmista chega a essa conclusão porque ele era o dia inteiro afligido e em todas as manhãs castigado.

    No mesmo salmo ele diz: Contudo sempre estou contigo; tomas a minha mão direita e me susténs. Tu me diriges com o teu conselho e depois me receberás com honras.
    A quem tenho nos céus senão a ti? E na terra nada mais desejo alé de estar junto a ti.
    O meu corpo e o meu corção poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e aminha herança para sempre.

    Não encontrei melhores palavras para expressar o TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE.

    A vida de Asafe não mudou do lado de fora mas mudou do lado de dentro. Ninguém pode viver de um polo só, porque a vida saldável precisa experimentar os autos e baixos para poder crescer.

    Um abraço

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  2. Graça e paz, meu irmão!

    Agradeço muito pela sua edificante contribuição.

    Até hoje já experimentei duas coisas que muito me fazem refletir: ser agraciosamente abençoado quando pratico coisas erradas e sofrer tribulações nas ocasiões em que procuro portar-me de maneira justa.

    Na primeira situação, vejo o quanto o amor de Deus é grande, pois Ele não me trata conforme os meus pecados.

    Na segunda, compreendo que não mereço o bem pelo que faço e sou confrontado com a soberania de Deus.

    Em ambos exemplos, posso vislumbrar o derramamento da graça de Deus na minha vida.

    Bendito seja Ele!

    Grande abraço, mano.

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  3. Além das traduções da NTLH (muito boa por sinal), bem como da ARA, da NVI e da BJ, compartilho a seguir uma atualização feita por um irmão meu aqui de Nova Friburgo com base na versão de Almeida de 1819 sobre Filipenses 4.13:

    "Posso todas as coisas no Cristo que me fortalece."

    Segundo este meu irmão, chamado Mario Sérgio, a versão de João Ferreira de Almeida de 1819 está mais de acordo com o 'Textus Receptus' (TR).

    Ainda assim, o versículo em questão, utilizado no começo do artigo, deve ser interpretado dentro do seu contexto de modo que a Bíblia NTLH exprime muito bem o seu significado apesar de se distanciar dos velhos manuscritos.

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