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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A libertação dos homens peixes


Andando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Eles estavam lançando redes ao mar, pois eram pescadores. E disse Jesus: “Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens”. No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram. Indo adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Eles estavam num barco com seu pai, Zebedeu, preparando suas redes. Jesus os chamou, e eles, deixando imediatamente seu pai e o barco, o seguiram. (Evangelho de Mateus 4.18-22; Nova Versão Internacional - NVI)


Se, nos dias de hoje, Jesus passasse por dois pescadores na Baía de Guanabara e os chamassem dizendo que faria deles “pescadores de homens”, a expressão talvez pegasse muito mal dentro da nossa cultura maliciosa. Seu convite não seria compreendido, pois apenas temos o conhecimento do significado desta imagem pela leitura textual dos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) de modo que, sem a Bíblia, pescar homens não faria muito sentido no Brasil.

Por várias vezes, tentei refletir por mim mesmo sobre aquele chamado para que Pedro e André se tornassem os pescadores de homens. Buscava obter um entendimento mais profundo da passagem bíblica em comento do que aquilo significasse, mas não chegava a nenhuma conclusão, suspeitando apenas de uns meses para cá que pescar homens talvez fosse algo relacionado ao linguajar dos judeus nos séculos I e II da nossa era.

De fato, se quisermos empreender uma exegese dos Evangelho, torna-se aconselhável estudar a Tanak, isto é, a Bíblia hebraica, a qual corresponde aos livros do Antigo Testamento cristão, visto que Jesus e os autores do Novo Testamento utilizavam-se de expressões comuns da tradição dos judeus presentes no cotidiano da época.

Lendo o livro “O Autêntico Evangelho de Jesus”, de Geza Vermes, pude então confirmar que, realmente, a locução “pescadores de homens” já era algo existente na cultura dos judeus, mas que fora empregada por Jesus de uma maneira brilhante para chamar alguns de seus primeiros seguidores.

De fato, os profetas Jeremias e Habacuque também fizeram uso dessa imagem verbal, como se pode observar nas seguintes passagens de juízo dirigidas aos israelitas por volta do século VI a.C:

“Mas agora mandarei chamar muitos pescadores”, declara o SENHOR, “e eles os pescarão. Depois disso mandarei chamar muitos caçadores, e eles os caçarão em cada monte e colina e nas fendas das rochas. (Jr 16.16; NVI)
Tornaste os homens como peixes do mar, como animais, que não são governados por ninguém. O inimigo puxa todos com anzóis, apanha-os em sua rede e nela os arrasta; então alegra-se e exulta. (Hc 1.14-15; NVI)

Curiosamente, os pescadores e os caçadores mencionados por Jeremias podem ser identificados como os inimigos de Israel (os caldeus) e aparecem como executores do julgamento de Deus contra a impiedade de seu povo, o qual é capturado como se fosse peixe.

Ainda segundo Geza Vermes, pode-se também encontrar uma metáfora semelhantes a do profeta nos manuscritos de Qumran em que o poeta hebreu “vê os filhos da iniquidade pegos na rede de pescadores ou capturados por caçadores”, confirmando que, numa época que antecedeu o surgimento do cristianismo e do judaísmo rabínico, a pesca de homens fazia mesmo parte do cotidiano da sociedade judaica na Palestina. Todavia, os rolos do Mar Morto já não se referem à nação israelita, mas sim aos homens que andam no caminho da perversidade, dando a entender que, no decorrer dos séculos, tal ideia dos escritos proféticos expandiu-se na cultura judaica até os tempos de Jesus.

De qualquer maneira, pode-se observar facilmente que as perturbadoras palavras de Jesus mencionadas nos Evangelhos deram um novo sentido à expressão “pescadores de homens” e não tenho dúvidas de que aquele chamado possa mesmo ter despertado o interesse de Simão Pedro e André quando eles receberam o convite para acompanharem o Messias.

Certamente aquele convite de Jesus era bem enigmático e a sua pessoa talvez não fosse desconhecida para Pedro e André. De acordo com a passagem de João 1.35-42, Jesus poderia ter sido apresentado a ambos como sendo o Messias, o “Cordeiro de Deus”, a partir do testemunho de João Batista numa ocasião que, provavelmente, fosse anterior ao episódio narrado em Mateus 4.18-22. Então, depois que João Batista já estava preso, o Senhor retornou para a Galileia (Mt 4.12) e, caminhando pelas margens do lago, encontra novamente Pedro e André.

O chamado de André, Pedro, Tiago e João podem ser comparados ao do profeta Eliseu quando Elias encontra-o arando o campo de sua família e conduzindo a décima segunda parelha de bois (uma coincidência com o número de apóstolos de Jesus e das doze tribos de Israel). Então Elias joga sobre Eliseu seu manto. Este deixou os bois e foi correndo atrás de Elias, atendendo ao chamado (1Rs 19.19-20).

Da mesma maneira, aqueles quatro pescadores da Galileia deixaram de lado suas redes e foram seguir o Messias, crendo que se tornariam “pescadores de homens”. Provavelmente, eles estavam desejando saber o sentido da expressão usada por Jesus e também ansiosos por conhecer o sentido da Vida.

Ainda assim, no que consistiria ser um "pescador de homens"?

A meu ver, a resposta é dada de maneira bem prática nos versículos seguintes que relatam resumidamente o início da obra de Jesus:


Jesus foi por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo. Notícias sobre ele se espalharam por toda a Síria, e o povo lhe trouxe todos os que sofriam de vários males e tormentos: endemoniados, loucos e paralíticos; ele os curou. Grandes multidões o seguiam, vindas da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e da região do outro lado do Jordão. (Mt 4.23-25; NVI)


Em Marcos, a passagem que segue a vocação dos quatro primeiros discípulos é o ensino de Jesus com autoridade num dia de sábado na sinagoga de Cafarnaum, onde liberta um homem possesso de demônios (1.21-28) e, após o por do sol, tendo já livrado a sogra de Pedro de uma febre (vv. 29-31), efetuou diversas outras curas entre o povo (vv. 32-34).

Pelo poder do Espírito Santo, após seu batismo, Jesus cumpriu o começo do seu ministério com curas milagrosas e expulsando demônios, o que significou a confirmação de sua obra messiânica, a qual consiste na libertação dos homens das redes de Satanás. Ou seja, até a manifestação de Jesus, o povo desviado de Deus fora capturado pelos anzóis dos inimigos e agora estava sendo liberto por quem de fato em poder para libertar.

Numa metáfora, os caldeus e os povos invasores de Israel, anunciados pelos profetas como instrumentos do juízo divino, representam também o domínio espiritual do diabo sobre os homens. Porém, com a chegada do Messias e do Reino de Deus, o adversário é expulso, pois Jesus, com sua autoridade, dá ordens ao demônio que saia. A pesca, a partir de então, passa a ser a pescaria de Deus para a liberdade e salvação das pessoas.

Nos dias de hoje, muitos líderes religiosos dizem ser pescadores de homens, mas nem todos realmente são. Aliás, melhor dizendo, nenhuma religião pesca para libertar as pessoas e sim para oprimir, escravizar, iludir. Trata-se de uma maneira de homens dominarem outros homens.

Confesso que, dentro das igrejas, já ouvi pastores usando a expressão “pescar no aquário do vizinho” para externarem um sentimento de indignação e de reprovação pelo fato de outro líder religioso ter vindo tirar pessoas de seus currais eclesiásticos. Para eles, pescar consiste em aprisionar os homens dentro das suas instituições.

Jesus veio justamente libertar seu povo das garras do adversário, visto que, nos tempos de seus ministério, os homens estavam aprisionados pelas enfermidades, pelos demônios e também pela religiosidade, o que é muito pior. Logo, Deus não quer que sejamos peixes de aquário.

Que se quebrem os aquários!


Em Cristo,

Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz

7 comentários:

  1. Oi Rodrigo,
    é um grande prazer estar aqui.
    Gostei muito do seu blog e estou seguindo-o.
    Visite o meu blog: http://www.circuloteologico.blogspot.com
    Um grande abç.

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  2. Sinta-se bem vindo, Austri!

    Visitei seu blogue há poucos instantes e acho bem interessante escrever e debater sobre Teologia.

    Participe e contribua sempre que desejar!

    Abração.

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  3. Prezado Rodrigo

    O seu interessante texto sobre “pescadores de homens”, me fez lembrar de um outro tipo de pescaria (sei que nada tem a ver com seu ensaio): A que faziam os homens da lei (Mateus 23 : 15) que percorriam o mar e a terra para fazer um prosélito (rsrs)

    Acho que as iscas dos fariseus eram de imitação. Eles se acostumaram a pegar aqueles peixes incautos, que tomados pela fome dos olhos, não enxergavam a arma letal que se escondia por dentro da isca. Os peixes mais belos eram retirados ainda vivos dos seus anzóis e colocados em “aquários”, cujas paredes denominavam de “doutrina”. E ali, os pobres peixes ficavam a nadar na insípida água de seu novo templo, chamado tanque, ou aquário ─ representação esdrúxula do real oceano criado por Deus.

    E esses escribas e homens da lei ficavam horas, e mais horas, estáticos, diante dos seus belos “templos-aquários”, apreciando os movimentos estonteados dos peixes a se baterem contra as paredes de vidros (doutrinas), numa tentativa inútil de se livrar da prisão onde foram confinados. Esses homens, no entanto, ignoravam que eles, os peixes, tinham sido violentados com a perda da liberdade.

    Até que veio um Homem chamado Jesus, para substituir o anzol pela pescaria com “rede” - no lugar correto e na hora certa. (rsrs)

    Não leve a mal, são só divagações.

    Abraços

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  4. Muito grato estou pelos seus comentários, Levi! Bem enriquecedores e precisos, os quais realmente têm a ver mesmo com as conclusões de meu texto quando busco dar uma aplicação prática aos estudos das passagens bíblicas.

    Em Mateus 23, Jesus fala justamente disso que o irmão colocou! Os religiosos de seu tempo eram os caras que não praticavam aquilo que pregavam, mas sobrecarregavam os homens, praticavam obras para serem vistos pelos outros, cultivavam uma aparência piedosa e procuravam ser reconhecidos socialmente. Aliás, vejamos o que o Senhor lhes diz:

    "Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo" (v. 13; NVI)

    Aqui Jesus não estava falando apenas de um céu que se entra após a morte, mas de algo que inclui uma vida plena aqui na terra, conforme os valores espirituais. Em seguida ele os acusa de explorarem as viúvas em nome da religiosidade (v. 14) e, mais adiante, ele diz algo que vai de encontro com o que expôs no verso 15.

    Ao final, Jesus os chamará de assassinos e cúmplices dos homicídios praticados pelos antepassados que mataram os profetas (vv. 29-35), proferindo uma mensagem de juízo (vv. 36-38) embora lhes dando uma última esperança de arrependimento (v. 39).

    Hoje em dia, os fariseus já não existem mais como um partido judaico que persegue o Messias e os discípulos do Messias. Porém, o farisaísmo é hoje encontrado no meio da Igreja, é como se o venenoso fermento da religiosidade estivesse misturado à massa dos nossos tempos e que fermenta a maldade nos relacionamentos cristãos a ponto de se desejar o aprisionamento de outros dentro dos nossos aquários.

    Precisamos tirar de nós este fermento para que sejamos os pães asmos da sinceridade.

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  5. Em tempo!

    Dentro do que colocou, Levi, eu poderia afirmar que a pesca de Jesus é a pesca ecológica que tira os peixinhos do quários para jogá-los de volta no oceano da Vida.

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  6. Parabéns pelo texto. Infelizmente vemos esse tipo de "pescadores" aos montes, que só faz é desvirtuar a proposta contida no Evangelho. Jesus Cristo pregou o amor, a tolerância, o respeito e infelizmente muitas "igrejas" tem se valido da opressão, do cerceamento ao conhecimento justamente para angariar $$$ ! Lamentável ! Mas o importante é fazermos a nossa parte, e seu texto é um grande começo, devemos sim, expressar nossa indignação diante desses mercenários da fé, mostrar que podemos viver Cristo em nossas vidas de uma forma ética, tolerante, sincera ! Que Deus tenha misericórdia dos "mercadores" da fé, pois estes terão seu julgamento perante Deus !

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  7. Olá, Andrea.

    Seja bem vinda ao meu blogue!

    Como você bem colocou, estes pescadores são "'mercadores' da fé".

    Muito triste que grande parte da população brasileira esteja dando ouvidos para tais enganadores, mas, como certa vez disse um pastor daqui de Nova Friburgo, "é preciso evangelizar os crentes"...

    Abraços e participe sempre!

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