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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Nem extremismo ou pautas distantes da realidade vivida, porém atitudes que promovam dignidade...



"O que os cidadãos exigem é uma melhor capacidade de diálogo, de consenso, mas acima de tudo de ação" (Gabriel Boric, presidente atual do Chile)


Neste último domingo (17/12), os chilenos voltaram às urnas para referendar ou não uma nova Constituição para o país que substituísse a atual Carta de 1980, a qual fora compilada pelo regime militar de Augusto Pinochet. Mais de 55% dos votantes foram contra a mudança defendida por uma assembleia constituinte conservadora.


Como se sabe, esse foi o segundo projeto de Constituição que os eleitores rejeitam para substituir o seu texto atual. A primeira tentativa aconteceu em 2022 em que uma proposta escrita por um órgão dominado por vozes de esquerda garantia proteções ambientais extensas e uma ampla gama de direitos, mas acabou rejeitada nas urnas.


No ano de 2019, depois que o governo do então presidente Sebastián Piñera anunciou aumento na tarifa de metrô, manifestantes foram às ruas e os protestos foram ganhando corpo a ponto de se tornarem reivindicações mais amplas do que as questões do sistema de transporte público, fazendo com que surgissem novas pautas. A consequência mais notável das manifestações ocorridas foi a realização de um plebiscito nacional em outubro de 2020, no qual os chilenos aprovaram a elaboração de uma nova Constituição por uma Assembleia constituinte eleita para esse fim. 


Ora, foi anseio por mudanças que levaram o jovem de esquerda Gabriel Boric a ser eleito presidente do seu país em julho de 2021, com apenas 35 anos de idade, numa coalizão eleitoral capaz de romper com sucesso o sistema eleitoral binominal chileno, recebendo aproximadamente 60% dos votos.


Todavia, vejo que ao tentar criar a mudança tanto a esquerda quanto a extrema direita do Chile se perderam em seus objetivos e daí o eleitor ter rejeitado tanto uma proposta quanto a outra. Inclusive a proposta da assembleia constituinte anterior extrapolava as pautas mais imediatas dos anseios da população, a meu ver mais preocupada em substituir o sistema de pensões privadas por um sistema público, aumentar o salário mínimo, reduzir a semana de trabalho para 40 horas e ter mais programas sociais, dentre os quais se inclui a criação de um seguro de saúde universal.


Comentando sobre o resultado do domingo, Boric entendeu que o processo "não canalizou as esperanças de ter uma nova constituição escrita por todos" e reiterou que seu governo não buscaria uma terceira reescrita, mas avançaria com a reforma previdenciária e tributária através da legislatura: "O que os cidadãos exigem é uma melhor capacidade de diálogo, de consenso, mas acima de tudo de ação".


Acho muito interessante tudo isso que anda acontecendo no Chile pois mostrou que nem a esquerda e nem a direita conseguiram emplacar ideias extremas ou distantes dos anseios imediatos da população. 


Desse modo, o eleitor chileno nos deu o recado sobre o que o cidadão latino-americano realmente precisa hoje que é viver melhor, com mais dignidade, serviços básicos garantidos pelo Estado com amparo social e, ao mesmo tempo, oportunidades para progredir. Pois, afinal, será através com o progresso e bem estar que amanhã a população enriquecida conseguirá promover as devidas reparações históricas para corrigir as desigualdades estruturais de gênero, etnia e em relação às minorias em situação de vulnerabilidade.


Como liderança jovem e capaz de fazer de fazer uma autocrítica, a ponto de haver bem se posicionado contra a ditadura de Maduro na Venezuela e à guerra de Putin contra a Ucrânia, ao contrário da esquerda ortodoxa da América Latina, acredito que Boric compreendeu bem o recado das urnas de modo que saberá focar naquilo que é essencial para o bem do povo chileno.


OBS: Foto de Ivan Alvarado / Reuters, registrando manifestação em Santiago pelas mudanças no Chile em outubro de 2019.

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