"Graça maravilhosa! (quão doce é o som)
Isso salvou um desgraçado como eu!
Uma vez eu estava perdido, mas agora fui encontrado,
Fui cego, mas agora eu vejo."
(Trecho traduzido da música Amazing Grace)
Estava refletindo um pouco sobre a história da Igreja, mais precisamente sobre os tempos relativamente recentes, entre o final do século XVIII e o início do XIX, quando então um interessante personagem chamou a minha atenção. Trata-se do pastor anglicano John Newton (24 de julho de 1725 — 21 de dezembro de 1807), compositor da belíssima canção religiosa canção Amazing Grace (do inglês: "Graça Maravilhosa").
Para quem não sabe, John Newton, antes de se converter a Jesus, foi capitão de um navio negreiro e traficou escravos. Porém, em certa ocasião, a sua embarcação foi atingida por uma poderosa tempestade que o fez se sentir frágil e desamparado, havendo buscado refúgio na graça divina. Após essa marcante experiência, ele decidiu mudar de vida vindo a se tornar uns dos mais influentes abolicionistas de seu tempo a ponto de haver influenciado os trabalhos do referenciado deputado inglês William Wilberforce (1759 — 1833) em relação a essa importante causa social.
Fato é que, nessa época, apesar de todas as suas contradições, houve no meio da Igreja um movimento genuíno de avivamento espiritual que levou homens e mulheres a lutarem contra o milenar cativeiro de seres humanos e exploração da mão-de-obra escrava. Foram os tempos em que vários líderes, a exemplo de Anthony Benezet, Benjamin Franklin, Granville Sharp, Thomas Clarkson e o próprio William Wilberforce, todos autênticos cristãos, abrilhantaram o mundo com a coragem como enfrentaram o forte sistema escravista até então vigente.
Embora naqueles anos sombrios o Brasil ainda se achasse tão distante do abolicionismo, movimento que apenas floresceu entre nós na segunda metade do século XIX, muitas pessoas da sociedade inglesa se engajaram, inclusive mulheres cujos nomes raras vezes a História chegou a registrar. E, segundo relata o jornalista Laurentino Gomes, no segundo volume de seu livro Escravidão, elas organizavam comitês regionais, promoviam reuniões, coletavam assinaturas para as petições públicas e cooperavam no boicote ao consumo do açúcar produzido nas colônias escravistas do Caribe, sendo que citou em sua obra a acertada análise do historiador português João Pedro Marques acerca desse período:
"O abolicionismo era mais do que uma filosofia (...) Era ativista, queria mudar o mundo e tinha um plano de ação política para o conseguir: visava à abolição imediata ou a curto prazo do tráfico de escravos e, a médio prazo, da própria escravidão" (Revoltas escravas: mistificações e mal entendidos, págs 34-35)
Todavia, por mais tenebrosos que tenham sido as décadas do século XVIII, com o tráfico de escravos ainda em alta, eis que uma luz resplandeceu na escuridão pois, de fato, aquele se tornou um momento em que cristãos fizeram diferença no mundo, alcançando resultados. Graças a eles, foi colocado um tijolo a mais na evolução da humanidade, fazendo com que os entes federados do norte dos EUA pusessem fim a essa hedionda importação de cativos nos seus respectivos territórios. Na Inglaterra, em março de 1807, ano do falecimento de John Newton, aprovou-se a abolição do tráfico de escravos a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte.
Refletindo a respeito, minha oração é que os cristãos de hoje sejam despertados para lutar incansavelmente por justiça social e uma boa gestão ambiental nesses tempos atuais. Torço para que as igrejas deixem de cultivar o discurso retrógrado do conservadorismo e passem a se organizar para que os seus membros se tornem pessoas ativas dentro das comunidades onde se encontram inseridos, cobrando mais eficiência das autoridades quanto à escola de seus filhos, a qualidade dos serviços de saúde, o planejamento quanto ao saneamento básico e a boa aplicação dos recursos financeiros pagos com o sacrifício do contribuinte.
Mais do que nunca, os milhões e milhões de cristãos ao redor do mundo precisam colaborar com o desenvolvimento de uma economia sustentável, solidária e inclusiva, socorrendo pessoas em situação de vulnerabilidade, a exemplo do Padre Júlio Lancellotti, em São Paulo, e ampliando a assistência entre os próprios membros para que vivam todos em moradias dignas, tenham acesso a serviços básicos, redes de água/esgoto, e até mesmo a instalação de painéis solares.
Enfim, há muito o que lutar para que os valores graciosos do Reino de Deus se tornem uma realidade na sociedade na qual nos encontramos e os cristãos precisam hoje compreender qual o papel transformador que devem desempenhar.
Um feliz Natal a tod@s!
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