(Escrito por um cidadão que, há seis carnavais, não curte uma certa escola de samba por algumas razões nada pessoais kkkk)
Certa vez, na terra das bananeiras, plantaram onze árvores das quais uma era o cajueiro. Todas elas cresceram e foram eleitas para o conselho da floresta, mas acabaram sendo ardilosamente embriagadas pelo rei que, na época, governava aquele belo sítio, o qual passou a lhes oferecer mensalmente um entorpecedor gole de caldo de cana em processo de fermentação. Quando compareciam às sessões deliberativas, elas aprovavam, por unanimidade, tudo quanto o monarca mandava de balancetes e de projetos legislativos.
Como todas as árvores conselheiras começaram a ficar com uma aparência muito feia a ponto de causarem horror nas bananeiras, eis que, três meses depois, uma onça-pintada bem esperta, moradora da selva vizinha, sugeriu ao cajueiro que parasse de beber do caldo de cana do palácio e se preparasse para um dia ser o monarca daquela floresta.
- "Cuidado que essa caninha é pinga, meu cajueiro! Tome só cajuína, faz de conta de ocê é crente, e se prepare para ser o novo rei dessas matas que estão abandonadas por um governante que vive bêbado. Pegue esse livro e finge que gosta de rezar pro papai das árvores!"
Seguindo os conselhos do felino, o cajueiro rompeu com o rei e passou a fazer oposição, denunciando as irregularidades das contas do governo, os supostos desvios de verba e as compras que jamais eram entregues no almoxarifado, dentre as quais as merendas dos alunos nas escolas.
Assim, em seus discursos na tribuna do conselho, o cajueiro começou a se posicionar como uma renovação política na floresta. Quando saía nas ruas, beijava e abraçava as bananeiras, passando a imagem de que queria cuidar muito o bem delas, sendo sempre muito amoroso e gentil.
Um dia, os desmatadores pegaram o rei numa armadilha e o levaram embora para uma serralheria. No seu lugar, assumiu o pé de pitanga e, novamente, a velha onça-pintada vinda de fora aconselhou o cajueiro:
- "Meu fio, continue firme seu trabalho e seja a única das onze árvores a fazer oposição à pitangueira. Sua hora vai chegar! Se não for na próxima eleição, ocê poderá ganhar na outra..."
Muito ambicioso, o cajueiro deu seguimento ao seu trabalho, sempre iludindo as bananeiras e sobressaindo dentre as árvores do conselho pelas suas posições. Apesar dos efeitos da cana venenosa que havia experimentado por três meses no palácio real, os assessores e os apoiadores faziam de tudo para manter sua aparência e que ninguém mais lembrasse desse episódio, evitando enfrentar qualquer autoquestionamento acerca do líder.
Os meses passaram e chegaram as eleições da floresta. Tanto a pitangueira quanto o cajueiro foram concorrer contra um ipê que havia governado o sítio antes do rei que fora levado pelos desmatadores. A maioria das bananeiras queria o ipê de volta, porém uma boa parte delas resolveu apostar no cajueiro porque acreditavam que ele seria a renovação da política naquela mata cheia de plantas e animais astutos.
O ipê venceu, a pitangueira tomou um processo nas costas e ficou inelegível por oito anos, sendo que o cajueiro, tão logo encerrou o seu mandato no conselho das árvores, pegou um avião e foi passear na Disney. Porém, não demorou muito e a maquiavélica onça-pintada mandou um áudio pelo aplicativo pro seu pé de caju preferido:
- "Meu fio, tá na hora de ocê voltar pra mata. A pitangueira está inelegível e a Justiça, pela segunda vez, vai tirar o mandato do ipê. Teremos em breve novas eleições no reino das bananas!"
Ao ouvir o recado no celular, o cajueiro voltou depressa e aguardou o julgamento do registro da candidatura do ipê que acabou demorando uns meses mais. O governante, porém, não tinha sossego para administrar a terra das bananeiras, enfrentando muitas instabilidades políticas pelo caminho.
Finalmente o cajueiro foi disputar o pleito e obteve uma votação recordista na floresta, tendo recebido uma maleta de dinheiro bem gorda dos amigos da sua amiga onça. Alguns dos seus apoiadores, porém, começaram a desconfiar do volume de grana que circulava na campanha e das intervenções autoritárias do felino que viera de fora impondo suas ideias nas reuniões do comitê eleitoral. Só que ninguém queria abrir os olhos pra cair na real.
Ao tomar posse do reino, o cajueiro, fazendo tudo o que a onça mandava, passou a assustar as bananeiras com as suas atitudes maldosas, distribuindo multas e mais multas contra as plantas que eram comerciantes. Empregou um monte de árvores e bichos das outras selvas, nomeando um certo caju forasteiro para exercer o alto cargo de tesoureiro do reino, além de torrar o dinheiro dos impostos dos súditos abusivamente com contratos milionários por meio de licitações direcionadas (sempre celebrados com empresas de laranjas indicadas pela onça-pintada) ou fazendo dispensas de concorrência alegando falsas situações emergenciais.
Não demorou muito para que quase todas as bananeiras e as árvores do conselho se calassem diante de tantos desmandos praticados na floresta, principalmente por causa de um dos ministros antes religioso que assumira a fiscalização para impedir os súditos de trabalhar. O cajueiro foi pior do que qualquer um dos reis antecessores, tornando-se uma decepção em todos os sentidos. As trilhas da mata ficaram sujas de galhos e troncos derrubados pelas chuvas, os riachos continuavam cada vez mais poluídos com o esgoto correndo a céu aberto e o governo nada fazia para evitar a propagação dos incêndios na época das queimadas, de maneira que havia lixo e galhada para tudo quanto era lado, além da proliferação de cobras, baratas e mosquitos transmissores da dengue.
Ninguém soube explicar como o cajueiro, em pouco mais de um ano, conseguiu ainda ser reeleito, apesar da péssima gestão. Porém, o dinheiro rolou solto no dia da votação e teve muita bananeira se vendendo em troca de um emprego temporário e irregular no governo.
O seu segundo governo, como era de se esperar, foi muito pior do que o mandato tampão, com muitos dos apoiadores exonerados meses depois do pleito. Em poucos meses, a população quase toda desejava o impeachment do rei, embora quase ninguém mostrasse a cara nas ruas ou nas redes sociais porque havia um grande temor de perseguição política.
Na continuidade daquela desastrosa gestão, uma parcela das árvores que compunham conselho deliberativo real se revoltou e o número de bananeiras descontentes só foi aumentando porque não tinha emprego para elas na administração do reino. Os principais cargos estavam ocupados por árvores de fora daquela mata, a exemplo de um eucalipto australiano que cumulava três ministérios, e a onça-pintada, após receber com muitos lucros tudo que havia investido nas campanhas do cajueiro, decidiu sair de cena por uns tempos para aprontar em outros sítios.
Passaram-se os anos e o reinado do cajueiro agora estava chegando ao seu fim. Contudo, buscando uma maneira de se perpetuar indiretamente no trono, o rei chamou para uma conversa o seu ex-tesoureiro que agora estava exercendo o mandato no parlamento regional das matas:
- "Oi, oi, oi, oi, meu caju".
- "Meu cajueiro, como vai? Pede um cheiro que eu dou."
- "Eu quero, meu caju! Todavia, estou precisando também que Vossa Excelência seja o meu sucessor aqui no reino."
- "Será uma honra, meu cajueiro! Ocê sabe que isso é tudo o que sempre desejei. Porém tem um problema..."
- Qual é o problema, meu caju?"
- "É que o seu reino, meu cajueiro, está muito mal falado. Ninguém confia mais na sua palavra e querem o ipê de volta. Até duas árvores do conselho e o rei do caldo de cana estão melhores que o meu nome nas pesquisas."
- "Meu caju, aprenda e sorrir melhor e a abraçar as bananeiras beijando-as como eu sempre fiz. Ocê só precisa ser mais simpático!"
- "Eu até tento, meu cajueiro, porém não consigo nem chegar perto daqueles brotinhos de árvores melequentos..."
- "Não tem outro jeito, meu caju, senão a gente perde essa eleição. Porém, se eu estiver te atrapalhando, tente se desvincular um pouco da minha imagem e comece a pedir favores ao governo regional das matas. Todas as obras que eu deveria ter feito, ele executará e vai cair na sua conta."
- "Tá muito difícil, meu cajueiro, porque as bananeiras acham que, após a partida da onça-pintada, eu é que teria passado a mandar no seu governo e ocê fez tudo para me ajudar a conquistar a cadeira que hoje ocupo no Parlamento das Matas."
- "Calma, meu caju! Vou pensar numa solução. Que tal transferirmos todo mês uns trezentos novos eleitores de outras florestas? Ocê me indica a pessoa, eu nomeio por uns três meses, ele nem precisa vir trabalhar, leva o contracheque na Junta Eleitoral e o funcionário de lá altera o domicílio do eleitor. Nem precisará apresentar comprovante de moradia aqui no reino!"
- "Mesmo assim não será suficiente, meu cajueiro. No pleito regional nem tive aqui na floresta a metade dos seus votos da reeleição. Consegui mais votos no reino vizinho."
- "E, se além disso, meu caju, eu voltar a nomear muitas bananeiras para os cargos do meu reino? Aí, no dia da votação, ocê injeta mais uns cinco milhões de castanhas pra comprarmos o eleitor. Então misturo cachaça com cajuína e leite. Da batida mais quente, deixa o povo provar."
- "Posso tentar, meu cajueiro. Só acho tudo bem complicado porque você demitiu milhares de assessores assim que foi reeleito. Ninguém acredita mais em qualquer caju que se candidate..."
- "Não seja pessimista, meu caju. Nesse tempo todo que estou governando a floresta, aprendi com a onça que o eleitor em geral não passa de um banana. Quando estiver chegando o dia da votação, inauguro um montão de obras, promovo festas toda semana, faço o remédio das árvores aparecer nos postos de saúde, dou dinheiro para os conselheiros que serão candidatos na sua chapa fazerem muito churrasco com cerveja, e ainda invento um processo na Justiça só pra dizer que o ipê está inelegível."
- "E se não der certo, meu cajueiro?"
- "Mas ocê continua pessimista demais, meu caju. Se não der certo, realmente será o meu fim porque vou acabar tendo que responder um monte de processos no Tribunal de Conchas e na Justiça Regional. Porém, a sua votação, se for expressiva, ajudará a ter melhores resultados nas próximas eleições e poderá continuar no seu cargo com o voto de outras matas onde ninguém sabe das coisas que acontecem aqui..."
- "É, meu cajueiro, vou tentar sorrir melhor nas fotos."
- "E se ganhar, meu caju, vou querer um lote saboroso e carnudo. Desses ministérios que tem conteúdo..."
- "Tá bem, meu cajueiro. Ocê me convenceu. Pede um cheiro que eu dou."
- "Sim, meu caju. E saiba que somos a cara do Brasil!"
OBS: Caro leitor, se achou alguma semelhança com algum lugar do Brasil, saiba que é mera coincidência porque o sistema na terra das bananeiras é a regra em praticamente todos os governos, nunca uma exceção...
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