Apesar de ter torcido pelo Salgueiro no Carnaval carioca, tendo em vista o seu bem tema sobre a nação ianomâmi (ver postagem anterior Protejam o vermelho e o verde no Brasil!), eis que a escola campeã do Grupo Especial acabou sendo a Viradouro, com o mítico enredo "Arroboboi, Dangbé".
Na Sapucaí, a Vermelha e Branca de Niterói mostrou as serpentes que são objeto de culto na tradição africana, como ocorria no antigo reino de Uidá, atual Benim, de onde vieram muitos escravos cativos para o Brasil. E, para quem não sabe, Dangbé trata-se de um vodum representado na forma de uma cobra arco-íris, sendo entendido como símbolo da continuidade, riqueza, fortuna, força vital, movimento e tudo que é alongado.
Para diversos sistemas de crenças, como o da nação jeje, o réptil tem poderes de regeneração, vida, transformação e recomeço. Ou seja, era algo que servia de inspiração ou motivação para muitos ancestrais das pessoas de origem afro-brasileira diante dos desafios que enfrentavam, como ficou bem expresso na letra da música:
"Eis o poder que rasteja na Terra
Luz pra vencer essa guerra
A força do Vodum
Rastro que abençoa, agoyê
Reza pra renascer
Toque de adahum"
Além disso, a força da cobra é representada nas mulheres negras, conforme o enredo, o que remete às lutas das guerreiras Mino, do antigo reino de Daomé. E toda essa coragem se manteve no lado de cá do oceano, muitas das vezes expresso pelo árduo trabalho que elas tiveram para comprar a própria alforria e também a liberdade de seus maridos.
Desse modo, podemos dizer que a serpente não significa o mal como ocorre até hoje na nossa cultura cristã que identifica a cobra do Jardim do Éden com a figura do diabo ou Satanás, apesar do livro de Gênesis nada dizer sobre isto e nem mencionar a existência do demônio. Porém, tal como a atitude inconveniente da cantora Baby do Brasil, quando interrompeu a folia do trio de Ivete Sangalo, em Salvador, anunciando que o "arrebatamento" aconteceria entre cinco e dez anos, fico imaginando o que muitos pentecostais fanáticos e fundamentalistas não irão dizer acerca da cobra da Viradouro.
Independentemente de qualquer crença, fato é que os jejes compuseram a rica cultura brasileira, marcando a religião e a história de um país que é plural. E, nesse sentido, a Viradouro fez um excelente trabalho de resgate, trazendo para a passarela do samba um conteúdo pouco conhecido.
Mulheres guerreiras de Daomé, mulheres guerreiras do Brasil, todas a mesmas mulheres. Nós lutamos neste país cheio de desigualdades. É uma batalha por nós, por nossos filhos, por nossos homens, por nossos pais... e tantas outras. SALVE A NÓS MULHERES!
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