"Então, reunindo Pilatos e os principais sacerdotes, as autoridades e o povo, disse-lhes: Apresentastes-me este homem como agitador do povo; mas, tendo-o interrogado na vossa presença, nada verifiquei contra ele dos crimes de que o acusais. Nem tampouco Herodes, pois no-lo tornou a enviar. É pois, claro que nada contra ele se verificou digno de morte. Portanto, após castigá-lo, soltá-lo-ei. [E era-lhe forçoso soltar-lhes um detento por ocasião da festa.] Toda a multidão, porém, gritava: Fora com este! Solta-nos Barrabás! Barrabás estava no cárcere por causa de uma sedição na cidade e também por homicídio. Desejando Pilatos soltar a Jesus, insistiu ainda. Eles, porém, mais gritavam: Crucifica-o! Crucifica-o! Então, pela terceira vez, lhes perguntou: Que mal fez este? De fato, nada achei contra ele para condená-lo à morte; portanto, depois de o castigar, soltá-lo-ei. Mas eles instavam com grandes gritos, pedindo que fosse crucificado. E o seu clamor prevaleceu. Então, Pilatos decidiu atender-lhes o pedido. Soltou aquele que estava encarcerado por causa da sedição e do homicídio, a quem eles pediam; e, quanto a Jesus, entregou-o à vontade deles." (Evangelho de Lucas, capítulo 23, versículos de 13 e 25; versão e tradução ARA)
No artigo anterior, ao comentar sobre os versos de 1 a 12 do capítulo 23 do 3º Evangelho, abordei sobre a conveniência dos políticos exposta nos interrogatórios de Jesus perante Pôncio Pilatos e Herodes Antipas, os quais nada puderam constatar de desabonador em sua reta conduta capaz de justificar uma condenação à morte. Ambos recusavam-se a tomar uma decisão justa que deveria ser inocentar o Mestre das falsas acusações levantadas pelos membros do Sinédrio (conselho judaico formado pelos principais sacerdotes e escribas).
Herodes havia devolvido Jesus a Pilatos (Lc 23:11) que, novamente, encontrava-se diante de um caso do qual preferia se abster de julgar. Não porque o procurador romano fosse um homem justo. Muito pelo contrário! Ele parecia pouco se importar com o bem estar do ser humano. E tenho pra mim que Pilatos já houvesse sido informado da notória popularidade do acusado visto que o povo madrugava para assistir as pregações do Mestre no Templo (21:38), o que, talvez, ele levasse em conta na sua análise parcial dos fatos.
Buscando o que fosse conveniente para agradar às autoridades religiosas, Pilatos propôs castigar Jesus (23:16). Ou seja, através da aplicação de uma pena disciplinar (açoites), coisa que o Ocidente ainda adotou por muitos séculos, ele tentou remediar a situação mesmo sabendo que as acusações eram infundadas. E diz o texto que, por ocasião da Páscoa, seria preciso soltar um prisioneiro, um procedimento que, embora não conste fora dos evangelhos, possivelmente fosse praticado. Seria, a meu ver, um provável instrumento da política repressora do dominador romano em suas províncias consistente em "bater e assoprar", como se diz popularmente hoje em dia.
Relata também o texto sagrado que, perante Pilatos, havia uma multidão presente e que esta teria reivindicado a soltura de Barrabás. Não sabemos quantas pessoas eram ao todo, mas considero provável que os sacerdotes teriam articulado com pelo menos algum grupo de revoltosos (zelotes?). Ou, então, estes encontraram uma grande oportunidade para que um líder deles conseguisse ser liberto no lugar do pacífico Jesus.
Para Pilatos, a princípio, seria melhor se Barrabás fosse crucificado. Afinal, este não era um perigoso agitador das massas? Só que, na avaliação final do procurador romano, as pressões dos sacerdotes e dos manifestantes ali presentes teve maior peso. Covardemente, ele preferiu fazer o jogo das autoridades religiosas mesmo tendo declarado por três vezes a inocência de Jesus.
Considero um erro alguém querer culpar a nação judaica pela morte de Jesus, o que muitas das vezes induziu cristãos a tomarem atitudes lamentáveis de anti-semitismo no passado. Apesar da multidão ali presente ter clamado pela crucificação, não se pode afirmar que representasse a totalidade de um povo. Como tudo sucedeu tão sumariamente, no decorrer de algumas horas, tenho pra mim que nem houve condições de tempo afim de que pessoas a favor de Jesus pudessem se manifestar. Tratava-se, portanto, de uma multidão comandada por grupos organizados e suponho que inferior em número aos que acompanharam o Salvador até a cruz (23:27).
Mas, afinal, por que essa escolha infeliz por Barrabás?
Bem, se recuarmos algumas páginas em nossas bíblias, entenderemos o porquê daquela atitude errada. O choro de Jesus por Jerusalém (19:41-44) e, mais adiante, um trecho de sua caminhada rumo ao Calvário (23:28-31) nos dão a chave para uma melhor compreensão acerca do contexto histórico de Israel no século I, bem como o clima de revolta que foi sendo instigado cada vez mais. Vale dizer que ambos os prisioneiros de Pilatos representavam modelos arquetípicos de diferentes comportamentos no meio social. Dentro de poucas décadas, como sabemos pela história judaica, houve uma violenta rebelião contra Roma em que o general Tito invadiu impiedosamente a Cidade Santa e destruiu o Templo de Jerusalém.
Tiro como aprendizado deste episódio não só a caracterização do comportamento depravado dos governantes deste mundo como também a sedução das pessoas quanto às vias violentas de luta no meio social, o que é causa de sangrentas guerras pelo mundo. Os que pediram a crucificação de Jesus preferiram apostar na intransigência ao invés de desenvolverem o diálogo, a solidariedade humana e a reforma amorosa de seus corações. Nosso Mestre propôs um outro caminho pacífico para revolucionar o planeta mas nem todas as pessoas tiveram abertura suficiente para compreenderem sua mensagem.
Quanto a Pilatos, embora não haja qualquer registro em Lucas neste sentido, sabemos pelas penas de outro evangelista ter ele lavado as mãos (Mt 27:24), o que configurou uma conduta omissa do procurador romano. Informa o texto do 3º Evangelho que Jesus foi entregue à vontade de seus acusadores, fato que muito nos ensina sobre importantes aspectos da covardia no cotidiano. Afinal, um verdadeiro discípulo de Jesus precisa posicionar-se retamente diante das mais conflituosas situações afim de que, dentro do nosso alcance, consigamos promover a realização da justiça. Pois, diante da exploração do trabalho, da violência contra a mulher, do abuso policial, da corrupção, da miséria e da devastação do meio ambiente, a Igreja não pode se calar, cumprindo com a sua tarefa de ser "sal da terra" e "luz do mundo".
Uma excelente semana para todos!
OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro Jesus e Pilatos pintado pelo artista inglês William Brassey Hole (1846 – 1917). Foi extraído do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:JesusPilate.jpg
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