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domingo, 22 de dezembro de 2013

Compreendendo as Escrituras



"A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos ao terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão dos pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas. Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade [de Jerusalém], até que do alto sejais revestidos de poder." (Evangelho de Lucas, capítulo 24, versículos de 44 a 49; versão e tradução ARA) 

Nos estudos a respeito do capítulo 9º do 3º Evangelho, vimos que, quando Jesus pré-anunciou aos discípulos os eventos principais de sua Paixão, o entendimento deles encontrava-se ainda fechado para o recebimento daquela mensagem (9:45). E tal situação permaneceu até o momento em que o Senhor ressuscitou dentre os mortos e se apresentou aos seus seguidores, sendo o episódio dos dois discípulos no caminho de Emaús (24:13-35) um forte exemplo em forma de narrativa.

A questão posta pelo autor sagrado no texto citado acima diz respeito à obra missionária do Cristo. Jesus não correspondeu ao que as pessoas em geral esperavam acerca do Messias. Nas palavras dos dois discípulos que se afastavam de Jerusalém em direção à aldeia onde residiam, as expectativas de suas mentes estavam voltadas para a vinda de um líder que fosse redimir a Israel (24:21). Ou seja, eles se encontravam ainda presos à figura de um libertador político. Ansiavam por alguém talvez semelhante ao rei Davi que derrotaria os invasores romanos e devolvesse a soberania à nação judaica inaugurando, de imediato, uma nova era planetária.

De fato, dependendo da maneira como alguém lê e interpreta as Escrituras Hebraicas (o Antigo Testamento) que, no cânon do judaísmo, divide-se em Torá, Profetas e Escritos, realmente nos deparamos com várias passagens capazes de levar o leitor a identificar a obra do Mashiach dentro da perspectiva do parágrafo anterior. Assim sendo, como os discípulos aceitariam a ideia de que a salvação pudesse vir através da morte do Cristo? Isso seria demasiadamente frustrante para um povo que já não suportava mais ser massacrado em seu próprio território por estrangeiros que exploravam e humilhavam os israelitas tratando-os como escravos. Certos trechos da Bíblia existente naquela época, como a profecia do servo sofredor de Isaías 53 e alguns versos do livro dos Salmos, não satisfaziam as necessidades materiais dos contemporâneos de Jesus.

Todavia, a ressurreição do Senhor fez com que o entendimento dos discípulos finalmente se abrisse e estes pudessem compreender qual o significado de cumprir as Escrituras dentro do tempo no qual viviam. Pois tendo em vista que as gerações se sucedem, nem sempre a atitude certa a ser tomada numa determinada época deve corresponder literalmente à mesma conduta dos nossos antepassados em sua exteriorização, muito embora a essência dos atos praticados nunca se altere. Deste modo, o Mestre veio ensinar os seus seguidores a interpretarem a Lei progressivamente de acordo com os tempos. Algo que, num determinado momento, a cúpula oficial da Igreja não suportou dar continuidade quando os antigos padres resolveram então estabelecer a ortodoxia cristã e o fundamentalismo religioso.

Certamente que a mensagem bíblica de todas as eras (e que foi continuada por Jesus) jamais pode ser entendida como uma coisa estanque visto que ela evolui com o tempo e vem de encontro às necessidades de cada época. Por isso, o Salvador foi a resposta não só para a sua geração como também para os antepassados de seu povo e ainda para a posteridade na qual nos incluímos. Aliás, a própria profecia que referenciei acima, escrita séculos antes do Natal, faz menção expressa disso (conf. Is 53:10).

Outrossim, Jesus mostrou que ninguém, nem os sacerdotes saduceus e tão pouco os escribas dos fariseus, detinham o monopólio da revelação. Esta pode ser apreendida pelo homem comum do povo como eram os seus discípulos formados por pescadores analfabetos e também em grande parte pelas tão desprezadas mulheres do século I. Consequentemente, já não precisariam obter reconhecimento dos conselheiros do Sinédrio, ou de qualquer outro colégio teológico, pois a recém-nascida Igreja, a partir daí, poderia buscar a interpretação das questões por ela enfrentada com a mesma força dos textos bíblicos básicos através da consciência do Messias existente em todos nós.

Como consequência dessa revolucionária maneira de pensar, os discípulos passaram a ter uma nova tarefa que marcaria o ministério eclesiástico em sua bimilenar existência. Eles receberam a missão de pregar o arrependimento para remissão de pecados "a todas as nações" (v. 47). Em outras palavras, não deveriam permanecer mais restritos ao mundo cultural-religioso de origem. Ainda que começassem a anunciar o Evangelho em Jerusalém, no Templo e nas sinagogas, o novo comissionamento teria como foco a humanidade inteira, incluindo os não judeus.

Tendo se tornado testemunhas do Senhor, aqueles primeiros discípulos deveriam então agir iguais ao Mestre no manejo das Escrituras, o que significa também testemunhar as coisas que Deus tem feito. Isto ocorreria através do dom do Espírito Santo, a promessa feita pelo Pai (conf. com Jl 2:28-32; At 2:1-4) e, desta maneira, os seguidores de Jesus experimentariam em breve um revestimento de poder que os capacitaria para transmitir as boas novas do Reino em todas as nações. Quando interpretassem as Escrituras diante dos desafios do presente, as posições da Igreja gozariam de autoridade espiritual, desde que realizadas em Cristo obviamente.

É certo que tanto a institucionalização eclesiástica quanto o fundamentalismo bíblico causaram enormes desvios nessa caminhada progressiva. Muitos dentro do próprio cristianismo tentaram apagar a tocha da reforma de Cristo Jesus que foi a mesma carregada pelos profetas, por Moisés e pelos patriarcas hebreus. Entre os que tiveram essa chama acesa em seus corações, inúmeros deles acabaram se queimando como hereges nas fogueiras dos inquisidores até hoje entre nós tentando patrulhar o pensamento. Contudo, a revelação jamais morreu fazendo-se viva na consciência de todo indivíduo que busca a vontade de Deus.

Portanto, meus irmãos, oremos para que o Espírito abra o entendimento da Igreja neste século XXI afim de que possamos compreender realmente as Escrituras (e a Jesus) e venhamos a encarar vitoriosamente os desafios apresentados em cada novo momento.

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