"Falavam ainda estas coisas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco! Eles, porém, surpresos e atemorizados, acreditavam estarem vendo um espírito. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, por não acreditarem eles ainda, por causa da alegria, e estando admirados, Jesus lhes disse: Tendes aqui alguma coisa para comer? Então, lhe apresentaram um pedaço de peixe assado [e um favo de mel]. E ele comeu na presença deles." (Evangelho de Lucas, capítulo 24, versículos de 36 a 43; versão e tradução ARA)
Abordamos nos dois últimos estudos bíblicos sequenciais do 3º Evangelho o quanto os seguidores do Mestre andavam incrédulos a respeito de sua ressurreição ocorrida no primeiro Domingo de Páscoa. O contato que Maria Madalena e as outras mulheres tiveram com os anjos no sepulcro foi considerado um "delírio" ou "tolice" pelos apóstolos (24:11), conforme visto no artigo "Ele não está aqui, mas ressuscitou". Somente Pedro teve a iniciativa de correr até lá (v. 12) e, embora não saibamos todos os detalhes de sua experiência, a narrativa de Lucas informa ter ele ficado "maravilhado". Depois, com o retorno dos discípulos de Emaús, o relato acrescenta que o Senhor já teria aparecido a Simão (v. 34).
Entretanto, Jesus mostrou-se surpreendentemente compreensivo quanto à incredulidade dos discípulos ainda que não aprovasse tal comportamento incrédulo. As primeiras palavras por ele dirigida aos seguidores reunidos (a futura Igreja) foi uma tranquilizadora mensagem de paz (v. 36). Algo que corresponderia ao termo shalom utilizado comumente nas saudações judaicas. Trata-se de um vocábulo que, traduzido do hebraico para o português, significa um desejo de saúde, harmonia, paz, bem-estar e de bênçãos a quem o cumprimento é dirigido.
Se bem refletirmos, não teremos dificuldades para configurar qual o estado emocional das pessoas naquele final de domingo de acordo com o texto. Deste modo, acredito que, devido aos fortes acontecimentos relativos à morte de Jesus, a maioria ali realmente se achava com medo, dúvidas, precisando de orientação e também de receber algum conforto. Como prosseguir a partir de então sem a presença física do Mestre?!
A crença em ressurreição e espírito era algo aceito entre muitos judeus do século I ainda que os corruptos saduceus rejeitassem a ideia (Lc 20:27). Assim, admitir a eternidade da alma de Jesus, ou que seu espírito pudesse ter sido visto por alguém, não seria novidade para aquela comunidade de seguidores. Afinal, alguns dos grandes líderes da história de Israel, como Moisés e Elias, também partiram de um modo sobrenatural e já não estavam mais entre o povo, exceto os ensinamentos que deixaram.
Ao se apresentar ao grupo, Jesus pediu para ser tocado e apalpado. Mostrou-lhes seus braços e pernas, bem como ainda pediu algum alimento sólido para ingerir no meio de todos. Sua resposta foi que um espírito não possui corpo (v. 39).
Não pretendo aqui perder tempo empreendendo teses sobre como seria o corpo do Cristo ressurreto. Buscar satisfazer a nossa curiosidade carnal querendo entender como ressuscitam os mortos seria uma insensatez na esclarecida visão de Paulo (1ªCo 15:35-36). Daí alimentar indagações desse nível faz com que permaneçamos na superfície da narrativa bíblica de modo que prefiro meditar nos elevados ensinamentos que a mensagem contida no texto acima citado pode nos proporcionar para fins de edificação.
Uma ideia que o autor sagrado me transmite seria sobre o Cristo que se faz presente nas nossas vidas. Nas inúmeras situações que enfrentamos, quer nos encontremos tristes, ansiosos, abalados emocionalmente, com a fé enfraquecida, desesperançados, perseguidos, sentindo medo e até em pecado, jamais estamos sozinhos. Semelhantemente o mesmo se dá nos momentos de alegria e vitória. O Cristo que se deixa tocar e faz uma ceia em nosso meio também é o Cristo que participa da experiência cotidiana de todos nós e deseja que a sua Igreja também aja assim através do companheirismo fraterno tão esquecido nesses últimos dias.
Por mais que sejamos homens limitados, Deus pode fazer com que, em nossos encontros pessoais, a consciência do Messias se presentifique viabilizando a continuidade da caminhada por nós empreendida. Pois tendo em vista que somos seres ambíguos, com ânimo e humor oscilantes, ainda dependentes de resultados positivos nas obras feitas, eis que andar com Cristo em comunidade torna-se a orientação acertada afim de vencermos a hostilidade do mundo com sua bênção de paz.
Nos anos recentes em que as reuniões eclesiásticas foram recebendo uma alta dose de mistificação, muitas vezes até fraudulentamente, creio ser importante a valorização do relacionamento amoroso entre os irmãos. Os encontros da Igreja não podem virar espetáculos e nem se restringir a uma fria formalidade litúrgica. Devemos desenvolver o companheirismo que aprendemos em Cristo Jesus passando a nos importar mais e a cuidar melhor das pessoas próximas, as quais Deus coloca em nosso caminho para convivermos. Portanto, sejamos verdadeiros amigos de oração, de evangelismo, de aconselhamento e de luta por justiça social, construindo o Reino de Deus através das relações que vamos estabelecendo.
Uma ótima semana a todos em Cristo!
OBS: A ilustração acima refere-se à obra do artista italiano Duccio di Buoninsegna (1255 — 1319), pintada entre os anos de 1308 a 1311, e que retrata a aparição de Jesus aos apóstolos. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Duccio_di_Buoninsegna_017.jpg?uselang=ru
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