Ontem tive o prazer de assistir a admirável conquista do tricampeonato do Flamengo na Copa do Brasil assim como pude acompanhar os últimos posicionamentos da CBF quanto às reivindicações do movimento Bom Senso Futebol Clube, o qual defende as seguintes propostas, entre as quais podemos situar a crítica dos jogadores ao excesso de partidas nas competições:
1- Calendário do futebol nacional;
2- Férias dos atletas;
3- Período adequado de pré-temporada;
4- Fair Play financeiro;
5- Participação nos conselhos técnicos das entidades que regem o futebol.
Embora no entender de muitos os jogadores podem estar reclamando de "barriga cheia", visto que são suficientemente bem pagos pelos grandes clubes (alguns recebem salários até milionários), vejo razão quanto às citadas reivindicações. Inclusive no que diz respeito às férias porque, nesses meus quase quarenta anos de vida, já experimentei os dois lados da vida. Sei o que significa ter algum dinheiro e nenhum tempo para aproveitar passeando com a família num período razoável de férias, assim como o inverso (bastante tempo livre e nada de recursos para viajar). Aliás, há anos que a OAB batalha para que os advogados possam, finalmente, gozar férias, o que está previsto no projeto do novo Código de Processo Civil ainda em trâmite no Congresso.
Quanto ao excesso de partidas, este seria um dos principais motivos pelo qual apoio o Bom Senso F. C. porque entendo ser algo muito prejudicial para a organização da sociedade no enfrentamento das questões políticas mais relevantes. Pode-se dizer que, nos últimos cem anos, determinadas competições esportivas, entre elas o futebol, tornaram-se um dos componentes da velha política do "pão e circo" utilizada pela antiga aristocracia romana para anestesiar a plebe. Pois, nos dias de hoje, após os últimos jogos da temporada do Brasileirão, finalizado nas primeiras semanas de dezembro, eis que os campeonatos estaduais logo se iniciam na segunda quinzena de janeiro, bem no auge do verão. Assim, havendo tanta distração, nem sempre o trabalhador consegue focar o seu interesse nas mudanças que precisam ser conquistadas afim de mudar a sua condição exploratória.
Tenho pra mim que um dos motivos que levou a população brasileira a aderir aos protestos nos meses de junho e de julho deste ano teria sido a suspensão das competições esportivas entre clubes durante a Copa das Confederações, a qual envolveu somente seleções. Para grande parte do público, torcer pelo Brasil já não proporciona a mesma emoção do que acompanhar o desempenho do seu time, bebemorar etilicamente e, no dia seguinte, poder encarnar o colega de trabalho que torce pela equipe adversária. Por isso, a propaganda automobilística Vem pra rua acabou gerando um efeito bem diferente do que esperavam os seus patrocinadores. O cidadão dirigiu-se para as principais vias e praças das capitais do país, mas não de carro e, sim, a pé em passeatas que reuniram milhões de manifestantes.
Apesar de não ver o protesto como sendo a única maneira para um povo expressar a sua voz, considero importante que a população tenha uma melhor oportunidade de debater os seus principais problemas e de formular propostas. Assim, acredito que, com o atendimento das reivindicações dos atletas de futebol, os movimentos sociais no Brasil terão melhores condições de evoluir, criando uma pauta de assuntos coletivos, aumentando a pressão sobre as nossas autoridades políticas e obrigando-as a dialogarem.
OBS: A ilustração acima refere-se ao logotipo utilizado pelo movimento Bom Senso F. C. de autor desconhecido.
Nobre Amigo Rodrigo,
ResponderExcluirExcelente artigo, e digno de análise.
No segundo parágrafo você fala sobre o excesso de partidas, e sobre o fato do futebol, como também alguns outros eventos fazerem parte da velha máxima politica do "pão e circo". Isso me parece já não ser novidade a muito tempo, mas felizmente é uma fuga até que satisfatória dessa realidade que ao lutarmos contra, mais sofremos do que nos alegramos. Em tempos onde se lutar por mudanças caiu em descrédito devido a ineficácia dos movimentos que tem surgido, e o poder de compra das grandes elites, penso que é interessante que haja esta fuga.
Não concordo, e não penso que a ausência dos campeonatos tenham influenciado nos movimentos do meio do ano de forma tão direta. A grande influência foi a turma do Passe Livre e as Redes Sociais com seus compartilhamentos 'virais", além de ter também um forte clamor inconsciente da propaganda da Fiat que a mídia das redes sociais e seus militantes virtuais souberam usar com excelência, partindo destes três fatores é que começou a pipocar a onda de manifestações.Penso que a Copa das Confederações apenas teve a infelicidade de ser realizada nesta época.
Agora quanto as propostas do Bom Senso FC se dão mais pelo calendário do que qualquer outra coisa, esse é o grande objetivo da turma. As demais exigências é para encorpar o movimento.
Abraço.
Caro Matheus,
ExcluirInicialmente obrigado por seu comentário
De fato o futebol e as várias distrações existentes na sociedade acabam sendo mesmo uma fuga como colocou acima. Fuga não só das lutas sociais como a massacrante rotina. Porém, não considero nada positivo o trabalhador fugir indefinidamente. Do que adianta buscar esse "pseudo-alento" se, no dia seguinte à conquista do título do Flamengo, a vida o torcedor do Mengão continua a mesma. Se ele foi ao estádio, terá disponível em sua carteira o dinheiro do salário menos o valor do ingresso que pagou pra entrar no Maraca comprado pelo bilionário Eike Batista.
De modo algum condeno a distração porque ela sempre fez parte da nossa realidade humana e colore o convívio social em todos os aspectos. Porém, duas rodadas de futebol na semana torna-se um excesso prejudicial em vários sentidos. Quer seja em relação ao próprio atleta que mal tem um dia para descansar (lembremos aqui do 4º mandamento da Bíblia) e mais ainda em relação às interferências na mobilização do trabalhador bem como na disciplina social. Uma nação não se constrói apenas com futebol e samba!
Quanto aos protestos do meio do ano, eu diria que o MPL, por pouco, poderia ter passado por mais um movimento que reuniria uns poucos milhares de estudantes em São Paulo se a TV não houvesse potencializado a força das redes sociais. Recordo que uma notícia falando sobre baderna numa das passeatas teria feito com que pessoas na internet reagissem esclarecendo que apenas uma minoria teria provocado confrontos com a PM. Lembro-me muito bem de quando escrevi o meu primeiro artigo em 12/06 comentado sobre um protesto que ainda não havia repercutido tanto como os posteriores:
Reajustes e protestos abusivos
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2013/06/reajustes-e-protestos-abusivos.html
Mas eu diria que, nos dias da Copa das Confederações, as pessoas sentiram-se menos compromissadas com suas responsabilidades laborais. Os protestos juntamente com os dias de futebol (a seleção não é nenhum clube de coração) foram formando um ambiente para que as coisas funcionassem precariamente nas grandes cidades fazendo com que uma parcela expressiva da população fosse para as ruas e a grande maioria em casa assistindo as notícias pela TV.
Abraços.