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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Desde agora, estará sentado o Filho do Homem à direita do Todo-Poderoso Deus"



"Logo que amanheceu, reuniu-se a assembleia dos anciãos do povo, tanto os principais sacerdotes como os escribas, e o conduziram ao Sinédrio, onde lhe disseram: Se tu és o Cristo, dize-nos. Então, Jesus lhes respondeu: Se vo-lo disser, não o acreditareis; também, se vos perguntar, de modo nenhum me respondereis. Desde agora, estará sentado o Filho do Homem à direita do Todo-Poderoso Deus. Então, disseram todos: Logo, tu és o Filho de Deus? E ele lhes respondeu: Vós dizeis que eu sou. Clamaram, pois: Que necessidade mais temos de testemunho? Porque nós mesmos o ouvimos da sua própria boca." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 66 a 71; versão e tradução ARA)

Dentre os três evangelhos sinóticos, Lucas é o que apresenta a versão mais curta do interrogatório de Jesus perante o Sinédrio. Este era um conselho dos judeus, composto pelos principais sacerdotes e escribas leigos, dentre os quais, certamente, achavam-se também representantes do partido religioso dos fariseus. Eles se reuniram pela manhã porque o julgamento de uma pessoa precisava ocorrer durante o dia.

Na versão do 3º Evangelho, o autor sagrado omite o trecho que fala das testemunhas falsas (conf. com Mt  26:59-62; Mc 14:55-61), porém relata o principal acontecimento deste episódio que é a falsa acusação de blasfêmia. Pois consideraram Jesus um réu de morte, buscando eles agir de modo que a decisão do Sinédrio pudesse ter também o reconhecimento pelo juízo do dominador estrangeiro (só as autoridades romanas tinham o poder de condenar alguém à pena capital). Portanto, tornava-se necessário caracterizar a conduta de Jesus como sendo de sedição. Eis aí o motivo das capciosas perguntas formuladas, inclusive a do verso 70 envolvendo o título "Filho de Deus", o que ainda pretendo explicar melhor mais a frente neste mesmo texto.

Há que se considerar um aspecto contextual focado pelo evangelista que, provavelmente, já conhecia o relato original do 2º Evangelho e, por isso, teria desejado ressaltar outros aspectos que considerou mais importantes na transmissão das boas-novas do Reino aos destinatários do livro. Por algum motivo de cunho teológico, o autor nos dá a entender que as perguntas feitas a Pedro quanto ao seu discipulado de Jesus (Lc 22:54-62) e o interrogatório do nosso Senhor teriam ocorrido simultaneamente. Em ambos os episódios, haveria em comum os questionamentos sobre a identidade pessoal.

De fato, inúmeros paralelos dentro do próprio Evangelho de Lucas podem ser estabelecidos em relação à passagem bíblica em comento, os quais seriam, indubitavelmente, enriquecedores para fins de edificação e de aprendizado interpretativo. Porém, nunca devemos nos afastar demais daquilo que a narrativa quer a princípio nos comunicar. E, no caso, o Sinédrio pretendia que Jesus incriminasse a si mesmo identificando-se com algum tipo de messias que se opusesse diretamente ao dominador romano, configurando, assim, a atitude de sedição.

Contudo, como estudamos nas controvérsias do capítulo 20, nosso Senhor jamais entrou no jogo dos seus opositores. A primeira pergunta apresentada nesta seção seria para Jesus se auto-declarar Cristo/Messias que, tanto no hebraico como no grego, quer dizer "ungido". Tratava-se de uma afirmação que o Mestre não fazia de si próprio. Em nenhum momento de seu ministério Jesus ficou pregando para as multidões "eu sou o messias, creiam em mim". Na vez em que Pedro o confessou como o Cristo, sua recomendação foi para que os discípulos não declarassem tal coisa a ninguém (Lc 9:21), conforme abordei no artigo "Quem dizeis que sou eu?".

Verdade é que Jesus soube protagonizar o messiado como nenhum outro ungido. Por isso é que ele nunca precisou se auto-recomendar, ou pedir para que outros o anunciassem daquela maneira, porque a sua unção se demonstrava por atitudes autênticas. Mas eram atitudes que requeriam fé para serem compreendidas. Assim, ele respondeu ao Sinédrio que, se dissesse ser o Cristo, seus opositores não acreditariam e, caso lhes perguntasse, de modo algum os caras também iriam querer responder.

Contudo, a resposta dada por Jesus não parou por aí. No verso 69, o Senhor mencionou algo que parece ter fundamento em antigas profecias. Isto porque, segundo os textos paralelos de Mateus e de Marcos, torna-se mais nítida a referência aos versos 13 e 14 de Daniel 7. Senão leiamos a narrativa do 2º Evangelho da qual Lucas depende:

"Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu." (Mc 14:61b-62)

É certo que, em Marcos, a pergunta foi formulada de maneira um pouco diferente pois acrescenta o elemento "Filho de Deus" que constará só no verso 70 do capítulo 22 de Lucas. Também a resposta de Jesus fornecida no 3º Evangelho omite a vinda do Filho do Homem com as nuvens, mas nos trás a locução "desde agora".

Quer possamos ou não relacionar a referência de Daniel ao texto de Lucas, o certo é que Jesus teria anunciado ao Sinédrio o Filho do Homem em seu momento de triunfo ao lado do Onipotente. O messias sofredor de Isaías 53 que, naquele momento, podia ser ridicularizado e humilhado (Lc 22:63-65), desde então estava sendo exaltado perante o Soberano do Universo.

Eu diria que essa foi a pedra de tropeça para muitos nos dias de Jesus, inclusive para os seus discípulos. Uma interpretação parcial das profecias bíblicas alimentava a esperança dos judeus do século I sobre a vinda de um messias que libertasse Israel do conquistador estrangeiro. Identificar o Ungido com a figura do "servo sofredor" do Livro de Isaías não correspondia às expectativas de quem era cotidianamente massacrado pelos romanos. Mas ali, no auge de sua humilhação, quando parecia derrotado, o Salvador falou de vitória. Seria o triunfo alcançado pela via inversa. Algo que Paulo explica em uma de suas epístolas (Fp 2:5-11).

Para os inquisidores de Jesus, as palavras do Senhor foram como sementes lançadas sobre um solo impermeável de modo que pretendiam levar adiante o plano homicida que tinham desde o começo (Lc 22:2). Afim de acusarem o Mestre de blasfêmia, tentaram por em sua boca a confissão de ser ele o "Filho de Deus", o que, dentro do contexto da época, significava se colocar no mesmo status do imperador romano.

Importante esclarecer que quem primeiro se proclamou (ou foi proclamado) "filho de Deus" teria sido o imperador Otávio Augusto. Ao trazer uma era de prosperidade e segurança às populações da parte oriental do império romano, a "Paz Romana", os povos da Ásia Menor resolveram divinizá-lo como costumavam fazer em muitos lugares do antigo oriente, na Pérsia e Mesopotâmia. Otávio autorizou o culto à sua pessoa e à deusa Roma e assim fizeram na cidade de Pérgamo (o lugar onde fica o "trono de Satanás" segundo Ap 2:13). E, numa inscrição datada de 3 a.C., procedente de uma cidade situada ao norte da região onde ficavam as sete igrejas do Apocalipse, constava algo que refletia o sentimento de gratidão das elites provinciais da Península Anatólia daqueles tempos, sendo meu o destaque:

"No terceiro ano a partir do décimo consulado do Imperador César Augusto, filho de um deus (...) o seguinte juramento foi feito pelos habitantes de Paflagônia e pelos comerciantes romanos que moram entre eles: Juro por Júpiter, Terra, Sol, por todos os deuses e deusas, e pelo próprio Augusto, que serei leal a César Augusto e a seus filhos e descendentes durante toda a minha vida, em palavras, ações, e pensamentos, considerando amigos os que eles consideram amigos (...) que na defesa dos interesses deles não pouparei corpo, nem alma, nem vida, nem filhos (...)". (extraído do Manual Bíblico da Sociedade Bíblica do Brasil, pág. 767)

Certamente que os judeus não iriam aceitar a figura de um imperador divinizado e jamais prestariam culto à sua pessoa, ou ainda à deusa Roma. Então, como uma antítese ao título "filho de um deus", surgiu primeiramente entre os essênios a ideia de proclamarem ser o Messias o Filho de Deus. E isto aparece nos Manuscritos do Mar Morto encontrados na caverna de Qumran em meados do século passado, onde o messias dos essênios é considerado um filho de Deus e chega a receber louvação.

Não crendo nas palavras de Jesus, o Sinédrio teria feito a uma opção pelo senhorio de Tibério César. Os membros daquele conselho não quiseram reconhecer o reinado de Deus pelo Filho do Homem que lhes fora enviado. Seus olhos só conseguiam enxergar ali apenas um ser humilhado/desamparado, totalmente indefeso diante dos golpes e dos bofetões praticados pelos guardas do Templo. As mentes deles só dariam crédito a quem demonstrasse poder e força, nunca a fraqueza. Se algo sobrenatural acontecesse ali, tipo um livramento divino por intermédio dos anjos, aqueles sacerdotes certamente mudariam logo as suas posições e se ajoelhariam pedindo misericórdia, o que seria resultado da conveniência e jamais de uma conversão genuína. Assim, não tiveram outro sinal senão o do profeta Jonas (Lc 11:29), sendo certo que os saduceus não criam na ressurreição dos mortos o que lhes impossibilitava compreender como seria a exaltação posterior do Mestre.

Em termos de aplicação pessoal, penso que para nós hoje ainda continua sendo um grande teste de fé aceitarmos o discipulado de Jesus conforme a sua proposta de vida humilde. Nem todos estão realmente dispostos/interessados a seguir o Senhor em seus passos, mas preferem dar crédito a um outro evangelho de riquezas e de triunfalismo barato que não corresponde às boas novas trazidas por Cristo. O ensino do Mestre consiste em caminhar pela via inversa do apodrecido sistema social, político e econômico em que o homem é seduzido pelas demonstrações exteriores de poder.

Todavia, na sucessão de impérios que havia sonhado o profeta Daniel, caracterizado pelas imagens de quatro "animais", o falso poder temporal é contrastado pelo surgimento entre as nuvens de "um como o filho do homem" ("um ser humano" conforme o original em aramaico). Alguém que estabelece o "domínio eterno" não se valendo das mesmas armas daqueles que, na verdade, desgovernam a Terra. E, por isso, desde que o nosso Senhor foi humilhado, uma importante mudança aconteceu, a qual deve ser aplicada também aos sofrimentos que experimentamos aqui pelo Evangelho. Portanto, precisamos estar atentos aos valores desse Reino originário do céu e que veio até nós por iniciativa divina como aprendemos exemplarmente com Jesus.


OBS: A ilustração acima refere-se à pintura Julgamento de Jesus do artista e arquiteto italiano Giotto di Bondone (1266-1337). A obra encontra-se na Capela Scrovegni (também conhecida como Capela Arena) que fica em Pádua, na região do Vêneto, nordeste da Itália. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Giotto_-_Scrovegni_-_-32-_-_Christ_before_Caiaphas.jpg

2 comentários:

  1. "Logo que amanheceu, reuniu-se a assembleia dos anciãos do povo, OBS: Era esta formada pelos sacerdotes Fariseus e Saduceus e o Sinédrio Menor(Alunos). tanto os principais sacerdotes como os escribas, e o conduziram ao Sinédrio (Maior) onde lhe disseram: Se tu és o Cristo, dize-nos. Então, Jesus lhes respondeu: Se vo-lo disser, não o acreditareis; também, se vos perguntar, de modo nenhum me respondereis. Desde agora, está sentado o Filho do Homem à direita do Todo-Poderoso Deus. OBS: Jesus referia-se a sua consciência cósmica o Cristo que em Jesus fazia habitação. Então, disseram todos: Logo, tu és o Filho de Deus? OBS: Jesus não era o filhos de Deus, o Cristo sim, este era o filho de Deus e era a este que Jesus referia-se o tempo todo. E ele lhes respondeu: Vós dizeis que eu sou. OBS: Estava certo em dizxer “vós dizeis que o sou. Pois era uma referencia ao veículo carnal Jesus o homem terrenoal que abrigava o Cristo Clamaram, pois: Que necessidade mais temos de testemunho? Porque nós mesmos o ouvimos da sua própria boca." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 66 a 71; versão e tradução ARA)

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    1. Olá, Francisco.

      Inicialmente, muito obrigado por sua visita e comentários.

      Sob um certo aspecto, Jesus poderia ser considerado Filho de Deus. Sabemos que o Mestre costumava referir a si próprio como sendo o "filho do homem", o que parece ter tomado de empréstimo dos livros dos profetas Ezequiel e Daniel. Ele também não se auto-proclamava Messias, mas protagonizou o Cristo. Aliás, ele veio desconstruir muitos mitos messiânicos que existiam em seu tempo.

      Sem ter nenhum interesse de alimentar entre nós inúteis divergências conceituais, eu diria ao amigo que, com o aprendizado de Jesus, importa ao homem é buscar alcançar/desenvolver a consciência crística ou messiânica. Foi esse um dos ensinamentos quando o Senhor lecionou aos seus discípulos que eles também eram "a luz do mundo".

      Que a luz de Cristo brilhe em nosso coração e possamos remover todos os obstáculos em nossas vidas!

      Uma ótima semana e tenham um mês de dezembro abençoado.

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