"Os que detinham Jesus zombavam dele, davam-lhe pancadas e, vedando-lhe os olhos, diziam: Profetiza-nos quem é que te bateu? Em muitas outras coisas diziam contra ele, blasfemando." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 63 a 65; versão e tradução ARA)
Como temos visto nesses estudos sequenciais sobre o 3º Evangelho, Jesus havia sido preso pelos guardas do sumo sacerdote (Lc 22:47-53) e estava aguardando o seu julgamento pelo Sinédrio assim que amanhecesse (22:66-71). O Salvador ainda não fora castigado com a dura pena de açoites, mas uns serviçais começaram a humilhá-lo covardemente sem qualquer razão para tanta violência. O verso 64 nos dá a entender que eles estivessem até se divertindo com aquela zombaria.
No momento de sua prisão, o Mestre disse aos que vieram buscá-lo que, diariamente, encontrava-se com eles no Templo, mas ninguém lhe pusera as mãos (v. 53). E isto se explica pelo fato das autoridades religiosas terem temido pela reação do povo (19:47-48). Tanto é que precisaram do auxílio de um traidor para que aquele ato ilegal de restrição da liberdade ocorresse "sem tumulto" (20:6).
Entretanto, quero focar desta vez na conduta dos que trabalhavam para o sistema político-religioso que os oprimia. Homens do povo iguais a nós que eram semelhantemente explorados pelos seus respectivos patrões e mal pagos para defenderem os interesses da elite local dos saduceus, a qual, como expus do artigo "Deus não é Deus de mortos", compunha-se por homens riquíssimos de Israel ainda que subservientes a Roma.
Logo nos primeiros capítulos do Evangelho, João Batista havia orientado os soldados que não maltratassem a ninguém e nem dessem denúncia falsa, mas se contentassem com o salário que eles recebiam (3:14). Ou seja, seria compreensível que, por uma razão de necessidade e de sustento pessoal/familiar, alguém precisasse continuar empregado como guarda do Império Romano ou do Templo. Porém, eles não deveriam se exceder no exercício daquelas funções.
Ora, não foi o que aconteceu quando Jesus esteve nas mãos daqueles "policiais" mesmo ele tendo se entregado sem resistência alguma e chegando a curar um deles cuja orelha fora cortada pela espada de seu discípulo (22:50-51). Ou seja, não existiam motivos para maltratarem um homem que só fazia o bem, mas podemos tentar explicar esse comportamento agressivo e covarde. Algo que depois se repetiu no interrogatório de Herodes (23:11) e na cruz (23:36-37).
Chama-me a atenção o gosto pela crueldade por quem é de alguma maneira esbofeteado por seus superiores hierárquicos. Por causa da perda de consciência de si próprio, o indivíduo violentado tende a reagir descontando em quem se encontra vulnerável em suas mãos. Quer seja num prisioneiro algemado, em sua esposa, no próprio filho e até num animal de estimação indefeso. Trata-se de uma solução errada encontrada pelo sujeito frustrado afim de descarregar a sua revolta incontida de uma maneira substitutiva.
Percebo que o nosso Brasil viveu e ainda vive muito disso em sua trajetória histórica. Na época do regime militar, quem garante não terem muitos torturadores espancado pessoas afim de também extravasarem a maldade que os mesmos recebiam de seus chefes? Estariam eles apenas cumprindo ordens? E o que dizermos hoje acerca das cenas de violência policial frequentemente exibidas nos telejornais do país? Aliás, se agora a TV mostra algo assim nas periferias das cidades, devemos lembrar que, até uns tempos atrás, o abuso cometido por PMs em determinadas comunidades carentes contra o trabalhador era um acontecimento quase sempre abafado pelo sistema em que não havia ainda essa facilidade de divulgação proporcionada agora pela internet, sendo certo que essa realidade injusta ainda se manteve por vários anos mesmo depois de promulgada a nossa Constituição de 1988...
Se lembrarmos de Jesus, saberemos que o nosso Senhor também foi vítima dessa repugnante violência policial quase sempre dirigida contra o pobre. Neste século XXI, graças ao desenvolvimento dos direitos humanos e da democracia, a nossa sociedade está paulatinamente virando uma página de horror da história brasileira que já dura mais de 500 anos e matou incontáveis Amarildos. Creio, porém, não bastarem apenas leis para eliminarmos por completo as raízes de tal comportamento doentio e criminoso. Não somente as unidades policiais devem ser humanizadas (apoio plenamente o fim da militarização do policiamento ostensivo), como precisamos nos auto-compreender afim de lidarmos melhor com o instinto agressivo aprendendo sobre como procederemos nas difíceis horas quando aflora o sentimento de querer descontar no outro as frustrações pessoais.
Conforme bem sabemos, Jesus perdoou expressamente os que lhe maltratavam (23:34), sobre o que ainda pretendo escrever na sequência. O Mestre compreendia suficientemente que os seus torturadores não sabiam o que faziam e daí eu diria que o caminho para nos conscientizarmos se passa pela auto-avaliação das condutas que exteriorizamos, assim como pelo entendimento das emoções não manifestadas. Enfim, eis aí a antiga tarefa até hoje não realizada pelo homem sobre tentar conhecer melhor a ele mesmo como já diziam os sábios gregos da época de Platão anteriores a Jesus.
OBS: A ilustração acima trata-se de uma obra anônima do século XVII que mostra a zombaria feita com Jesus na casa do sumo sacerdote. O quadro encontra-se atualmente no Museu do Louvre, em Paris, França. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:17th-century_unknown_painters_-_Mocking_of_Christ_-_WGA23963.jpg
Em logas observações tenho visto que jamais existiu interesse por parte dos que formaram o cristianismo de elucidar nada sobre esta história, quem era o povo? Por que não está especificado que o povo eram os Seguidores do Caminho? Aquele povo que tempos mais tarde o herege paulo lideraria? Os que eram chamados de "nazarenos". O Mestre foi apanhado pelos romanos e não exatamente pelos judeus. Estes queriam se livrar do dever de julgar um homem com tal poder sobre aqueles que eram espezinhados pelos sacerdotes fariseus e saduceus. Este não queriam julgar, pois o medo dos que cercavam o Rabino Yeshua era muito maior do que a vontade de se ver livre do "encrenqueiro", que queria de certa forma arranca-los do poder temporal, para implantar a nova ordem que tinha trazido dos céus da vontade Divina. Os romanos também queriam maltratar este homem, pois ele vestimenteiro se opunha secretamente contra a ocupação romana. Isso o Livro de Lucas não esclarece ....
ResponderExcluirCaro Francisco,
ExcluirBoa tarde!
Como havia lhe respondido ao mesmo questionamento que me fez no Facebook, mais precisamente no grupo de debates Aprendendo com os livros, tenho pra mim que Jesus não chegou a incomodar tanto Roma, exceto no dia de seu julgamento. Os romanos não costumavam se meter tanto na crença religiosa dos povos conquistados, se bem que os judeus eram uma pedra no sapato dos dominadores já que eram incapazes de assimilar a cultura estrangeira. Sobre culparem o povo judeu pela morte de Jesus, eu não concordo. Aliás, o papa Bento XVI escreveu um livro tratando do assunto e antes dele um anto magistrado de Israel. Todavia, não há com isentar as autoridades religiosas da época que, por sua vez, não podemos considerá-las como representantes legítimos dos israelitas porque a unção do sumo sacerdote era ilegítima porque se tratavam de saduceus praticamente escolhidos por Roma e, portanto, portavam-se de maneira subserviente. Mas, no caso de Jesus, os evangelhos canônicos nos levam a entender que eles tentaram fazer do nosso Senhor um opositor declarado da política romana afim de forçarem o seu julgamento condenatório por Pilatos. Este, covardemente, preferiu lavar as mãos...
Abraços e obrigado por participar.
Em tempo!
ExcluirNo artigo em comento, foquei unicamente na covardia dos serviçais, isto é, nos guardas do sumo sacerdote, fazendo um paralelo com a violência policial.
Rodrigo, acho extremamente valida sua iniciativa de focar a questão da opressão covarde partindo dessa crucial passagem bíblica. Não preciso explicar que no meu entender é vital, essa compreensão da mecânica da opressão e essa importância fica revelada e reforçada na mais importante de todas as passagens bíblicas. Talvez todo o sentido redentor dessa passagem coloque em segundo plano esse aspecto da opressão covarde, que agora você levanta e que foi o que eu também percebi e no meu caso particular me levou até a bíblia e acabou criando o ambiente da minha conversão ao ponte de eu ter um entendimento particular que o amor espiritual tem paralelo com a não covardia. É como se a não covardia fosse a expressão do amor na dimensão carnal.
ExcluirSe o próprio Deus, se fez carne e de vontade própria submeteu-se em sacrifício a vilania dos covardes, e esse único ato, foi capaz de nos redimir de nossos pecados, então a violência covarde deve ser algo de uma estupenda importância e significado para todos nós.
Rodrigo, sou suspeito para falar, mas parabéns pelo brilhante conteúdo desta postagem. que vou considerar como uma importante contribuição a causa da não covardia.
Desde-já comunico que estou reproduzindo esse conteúdo em meu blog, com os devidos créditos é claro. Caso se oponha me comunique e estarei removendo, muito a contragosto.
Um grande abraço ao amigo!
Caro Gabriel,
ExcluirFique à vontade para reproduzir e divulgar meus textos, amigo!
Aproveito a oportunidade para agradecê-lo por sua visita, comentários e interesse pelo que coloquei.
Abração e tudo de bom.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBoa noite, amigo!
ExcluirMuito obrigado por sua visita ao blogue e leitura do texto.
Sempre que desejar participe.
No momento de sua prisão, o Mestre disse aos que vieram buscá-lo que, diariamente, encontrava-se com eles no Templo, mas ninguém lhe pusera as mãos (v. 53).
ResponderExcluir"Esta ai uma visão privilegiada dada pelo Mestre, ele sempre estava a vista de judeus e romanos, e eles não o prenderam, então por que razão faze-lo daquela forma? O momento foi para o romano uma questão política, e para o judeu um estrategia covarde, o que dizer mais, que a religiosidade dos grupos farisaicos e dos saduceus era na verdade estribada em ganhar dinheiro e de foram ilícita. Eleger Jesus Rei dos Judeus como era seu direito? Para que? Por certo mandar mata-lo é melhor e a gente não perde nada com isso. Não ouve drama de consciência nem de judeus e nem de romanos.
Bom dia, Francisco!
ExcluirSegundo o texto do 3º Evangelho, a ocasião da prisão de Jesus se explica porque os principais sacerdotes temiam pela reação do povo judeu que, certamente, não permitiria que os guardas pusessem as mãos no Mestre (Lc 22:2,6). Acho que isto responde à primeira pergunta que formulou.
Eu diria que para as autoridades religiosas do Sinédrio também foi uma questão política matarem Jesus. Ele constituía uma ameaça à unção exclusiva do poderoso clero sadoquita e também expunha a hipocrisia dos líderes fariseus. Estes não seriam da linhagem araônica, mas escondiam-se por trás da máscara da religiosidade, bem como do falso moralismo, ainda que fossem pobres economicamente, ao contrário dos aristocratas sacerdotes.
A iniciativa de colocar a epígrafe "ESTE É O REI DOS JUDEUS" (Lc 23:38) creio ter partido dos romanos, o que consistia numa zombaria do dominador estrangeiro contra toda a nação judaica. Observe que, no texto do Evangelho de João, os principais sacerdotes depois pediram a Pilatos que escrevesse ter Jesus dito que era o rei dos judeus, mas o procurador romano manteve seu posicionamento anterior (Jo 19:19-22).
A respeito de algum deles ter tido um posterior drama consciencial, penso que isto variou de pessoa para pessoa. A narrativa de Lucas informa que todas as multidões reunidas "retiraram-se a lamentar" (23:48), mas considero provável que as principais autoridades já tivessem suas consciências cauterizadas tal como é hoje em dia em relação à grande maioria dos governantes mundiais, os quais roubam o povo, nossos hospitais e a verba das escolas afim de fazerem caixa dois para campanha e financiarem a vida luxuosa que levam.
Jesus não incomodava roma? Tem absoluta certeza amigo Ancora? O simples fato dos livros canônicos nada dizerem sobre este assunto, de modo alguma quer dizer que ele era uma pomba de paz entre os ocupantes. Veja bem acompanhe a minha linha de pensamento. Jesus era judeu, e por certo estava a par dos dois lados da história dos seus dias, veja bem de um lado temos a sua própria nação, corrompida pelas falsa sabedoria de José Ben Caifás, um sacerdote corrupto e ganancioso que tinha deixado de lado a paz do sagrado templo e feio em seu patio interno um comércio lucrativo, para ele e os seus igualmente corruptos sacerdotes. Do outro lado, temos as 613 leis dietárias instituídas em toda a Israel, estas leis eram vista pelo rabino Jesus como sendo um fardo pesado, se ele via estas leis como um peso extra a seu povo, fico aqui imaginando o que ele pensava de um outro peso as costas do povo, o julgo romano, seus compatriotas viviam sendo perseguidos pelos romanos, o grupo interno dos essênios, eram compostos pelos nazarenos, zelotes, sincarios, e a escola dos profetas, os quais Herodes temia, de onde veio João. Dentre estes os mais perseguidos eram os nazarenos e os zelotes, como ficar calado a margem da situação com forças tão opostas a sua mensagem que era de libertação? Sem duvida o Cristo veio trazer uma nova revelação, esta era puramente para os judeus, embora devesse ao longo do tempo correr o mundo, ela correu? Sim mais de forma degenerada, seguindo parâmetros incorretos e incoerentes com o original que o Mestre trouxera em sua bagagem. "Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus", por que os complementos desta breve mensagem não foram divulgados? É isto que quero que você pense, o Meigo Jesus não era tão brando como muitos imaginam, ele era partidário dos pobres, cativos e espezinhados entre seu povo, estes vinham a décadas sofrendo a intervenção dos romanos, um pouco antes da crustificação de Jesus, o Pro Consul Varo mandou matar na cruz romana mais de mil e quinhentos judeus. A pergunta é: Jesus não incomodava os romanos? Sim e foi morto por crime contra roma. Então meu amigo, não venha me dizer que "Jesus não incomodava tanto assim aos romanos", se ele não incomodasse ele não seria o Messias.....
ResponderExcluirCaro Francisco. Eu concordaria que o cristianismo, várias décadas depois de Jesus, passou a incomodar Roma. NO entanto, se considerarmos as reações violentas do povo judeu, Jesus poderia ter sido visto até como uma alternativa de pacificação. Penso que o período de três anos e meio de ministério do Mestre, ainda mais na região rural da Galileia, não foram suficientes para que Tibério César o notasse. Herodes Antipas, sim, tentava vê-lo e aí, se vc o considerar como um representante de Roma no Galil, eu poderia até concordar contigo. Mas no julgamento perante Pilatos, o procurador romano demonstrou tê-lo condenado para satisfazer o sacerdócio do Templo que era aliado antigo dos romanos já que os aristocratas saduceus eram de certo modo apadrinhados pelo sistema. Quanto à resposta acerca do tributo a César, Jesus inteligentemente teria dito que a Deus tudo e a César nada. Só que ele foi bem discreto para não caracterizar uma atitude de sedição. Resposta admirável!
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