"E, saindo, foi como de costume, para o monte das Oliveiras; e os discípulos o acompanharam. Chegando ao lugar escolhido, Jesus lhes disse: Orai, para que não entreis em tentação. Ele, por sua vez, se afastou, cerca de um tiro de pedra, e, de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua. [Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava. E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra.] Levantando-se da oração, foi ter com os discípulos, e os achou dormindo de tristeza, e disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação." (Evangelho de Lucas, capítulo 22, versículos de 39 a 46; versão e tradução ARA)
Acho bem interessante a maneira como a narrativa de Lucas enfatiza a oração feita por Jesus neste episódio também conhecido como a Agonia no Getsêmani, título dado com base em Mc 14:32. O autor do 3º Evangelho não especifica em qual lugar do Monte das Oliveiras nosso Senhor teria ido com os seus discípulos. Apenas relata que foi para lá como de costume (conf. com Lc 21:37). Mas o certo é que o Salvador decidiu buscar forças no Pai na ocasião pouco antes de ser preso. Aquela teria sido a última escolha que fez para passar os últimos minutos de liberdade depois de ter celebrado a Ceia.
Quantas outras coisas Jesus não poderia ter resolvido fazer durante aquela ocasião, não é mesmo?
E o que fazemos quando passamos por situações semelhantemente angustiosas?
Infelizmente, uns se dopam de remédios. Outros se põem a comer/beber excessivamente. Há quem prefira acender um venenoso cigarro até consumir um maço inteiro em poucas horas. E ainda tem aqueles que ficam focando somente nos problemas a ponto de esquecerem que podem contar com Deus quer seja para dar livramento e/ou conforto.
Como podemos ver, Jesus nos mostra a atitude certa para ser tomada nessas horas angustiantes. Trata-se de orarmos com intimidade e com intensidade a Deus como seus filhos obedientes que se entregam à sua vontade soberana. Filhos que, conscientes da própria fragilidade humana, reconhecem ser necessário buscar o apoio espiritual para um fortalecimento interior.
A exortação para que os discípulos também orassem e não entrassem em tentação é algo que se repete nesta mesma seção do Evangelho (ver versos 40 e 46). Na parte que tratou sobre o aviso da negação de Pedro, Jesus havia intercedido pelo apóstolo afim de que a sua fé não desfalecesse (v. 32), mas era necessário que cada um daqueles seguidores orasse por si mesmo. Isto porque a vida oracional é um aprendizado essencialmente pessoal e que diz respeito à caminhada evolutiva do indivíduo. Algo que vamos construindo no nosso relacionamento amoroso com o Pai e que precisa ser cultivado com frequência vencendo a preguiça, a descrença, o desânimo, a depressão, qualquer outra emoção contrária e não deve ser esquecido por causa dos compromissos estabelecidos na agenda. Reparem também que Jesus se afastou numa pequena distância dos seus companheiros para conversar com Deus.
O sentimento comum enfrentado por todo o grupo no episódio em comento foi a tristeza. O verso 45 diz ter sido por este motivo que o Mestre encontrou os discípulos dormindo. E, no texto original de Marcos, do qual Lucas e Mateus dependem, é o próprio Senhor quem compartilha: "A minha alma está profundamente triste até à morte" (Mc 14:34).
Como podemos observar na leitura do Evangelho, Jesus não deixou ser dominado por nenhuma emoção negativa. Antes, em oração, ele admitiu o seu sentimento por não desejar morrer, sendo certo que a palavra "cálice" (v. 42) deve ser entendida como um símbolo do sofrimento pelo qual estava prestes a passar. E, por se cuidar de uma situação contrária à continuidade da vida, ninguém deseja algo assim para si de modo que os nossos instintos vão naturalmente tentar reagir. Aliás, vale dizer que até mesmo os suicidas, quando se matam, podem estar buscando um alívio para dor como ensina o escritor e psiquiatra cristão Dr. Augusto Cury: "Quando uma pessoa pensa em suicídio, ela quer matar a dor, mas nunca a vida."
No caso de Jesus, ele tinha uma mente saudável, mas era previsto em sua missão passar pela cruz. A inauguração da "Nova Aliança" requeria o derramamento de seu sangue (v. 20), conforme o contexto vivido pelo mundo há dois milênios e a velha teologia aplicada. Por mais que a lógica humana muitas vezes não queira aceitar a ideia por que um pai mandaria o seu filho para a morte, entendemos, através da leitura de Isaías 53, que era um plano de Deus para a redenção da humanidade concluir tal obra através do sofrimento vicário de seu servo:
"Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo [esmagá-lo], fazendo-o enfermar; quando ele der a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos." (Is 53:10)
É vontade divina livrar a humanidade do pecado e da culpa de modo que o sacrifício de Jesus nos comunica isso com uma total suficiência. Seu cálice teve por objetivo nos conduzir a um futuro melhor, tratando-se de uma obra frutífera através da qual entendemos o perdão e a aceitação incondicional do Criador, bem como o sentido amoroso da missão de Cristo. Missão esta que também é nossa. Senão vejamos o que ensina uma breve citação do capítulo 5 da epístola anônima aos Hebreus:
"Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem" (Hb 5:7-9)
Os versículos 43 e 44 que aparecem nas nossas bíblias entre colchetes, embora pudessem não fazer parte do texto bíblico original, eu os considero igualmente inspirados assim como inspiradores. Extraímos do suposto acréscimo importantes lições sendo uma delas que os mensageiros espirituais de Deus (os "anjos") colocam-se ao nosso lado para nos trazer conforto enquanto oramos. Isto é, não ficamos sozinhos nessas horas! E outro aprendizado estaria na persistência de Jesus em orar com cada vez maior intensidade na medida em que era atacado pelo sentimento de agonia. Daí o relato exclusivo do 3º Evangelho em que o suor do Senhor foi descrito "como gotas de sangue caindo sobre a terra" (v. 44).
Fazendo menção novamente da carta aos Hebreus, há um verso ali em que o autor sagrado fala sobre resistirmos até o sangue lutando contra o pecado (Hb 12:4), o que representa a firmeza que o crente precisa ter ao executar aqui a missão de vida dada por Deus. Para tanto a prática habitual da oração torna-se fundamental junto com as atitudes tomadas. Aliás, uma conduta deve acompanhar a outra sendo certo que, sem orarmos com fé, corremos o risco de fraquejarmos diante dos desafios que vão se apresentando no cotidiano.
Aquela madrugada de provação mostra para nós o que acontece com um Igreja que não ora. Jesus encontrou os discípulos dormindo pois eles preferiram a anestesia do sono ao enfrentamento da realidade tal como muitos também fazemos na atualidade. Ainda mais com a indústria das pílulas e dos medicamentos controlados em que basta o paciente ingerir um comprimidinho para conseguir dormir esquecendo-se momentaneamente dos problemas. Mas a respeito desta conduta, o Mestre não se cansa em nos dizer amorosamente para levantarmos e orarmos.
Que possamos aprender a lição para não entrarmos em tentação diante de tudo aquilo que tenta nos desviar da missão que Deus dá a cada um. Lembre-se sempre de orar!
OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro do artista dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890) e que mostra Jesus orando no jardim do Getsêmani. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Carl_Heinrich_Bloch_-_Gethsemane.jpg
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