O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é mais que um feriado nacional: é um convite à reflexão profunda sobre a história do povo negro no Brasil, suas lutas, suas conquistas e os caminhos ainda necessários para a construção de uma sociedade justa e igualitária. É também a data em que lembramos Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra contra a escravidão. Sua memória se une à trajetória de milhões de pessoas que, durante mais de três séculos, foram escravizadas, exploradas e violentadas em terras brasileiras.
No entanto, embora seja vital revisitar o passado, o foco deste texto olha especialmente para outro marco: a Constituição de 1988. Foi ela que, pela primeira vez, reconheceu de forma explícita as comunidades quilombolas, incorporou a ideia de igualdade material e abriu espaço para políticas públicas que buscam corrigir desigualdades históricas. A partir daí, inicia-se um ciclo de transformações — lento, desigual, mas inegável.
Avanços desde 1988: um caminho de lutas e vitórias
Três grandes campos de conquistas marcaram as últimas décadas:
1. Reconhecimento e titulação de comunidades quilombolas
A Constituição de 1988, em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, reconheceu o direito à propriedade das terras ocupadas por remanescentes de quilombos.
Desde então, centenas de comunidades foram reconhecidas — mas poucas receberam titulação definitiva. O processo continua lento, enfrentando disputas fundiárias, burocracia e falta de vontade política em muitos momentos. Ainda assim, é uma vitória que deve ser celebrada: o Brasil finalmente reconheceu que os quilombos não são ruínas do passado, mas espaços vivos de cultura, ancestralidade e resistência.
2. Cotas no ensino superior
Hoje em dia, universidades públicas de todo o país adotam cotas para estudantes negros, pardos, indígenas e oriundos da escola pública. O resultado é visível:
- aumento da presença negra em cursos historicamente elitizados;
- maior diversidade nas produções acadêmicas;
- e um impacto geracional que começa a transformar o país.
3. Cotas em concursos públicos
- apenas 7 estados e o Distrito Federal possuem leis específicas de cotas raciais;
- cerca de 76 municípios adotam mecanismos semelhantes — menos de 1,5% do total de cidades do país.
Esse dado revela que, apesar dos avanços, a política afirmativa ainda enfrenta resistência nos níveis local e estadual.
Desafios persistentes: desigualdade estrutural, racismo e riscos de retrocessos
Apesar dos progressos das últimas décadas, a população negra no Brasil ainda enfrenta desafios profundos:
- maior taxa de desemprego;
- menor rendimento;
- maior vulnerabilidade à violência;
- baixa representatividade política;
- desigualdade no acesso à saúde, educação de qualidade e moradia.
E, mais recentemente, outro perigo se apresenta: o risco de retrocesso. Alterações legislativas, decisões administrativas, tentativas de esvaziar políticas afirmativas ou de relativizar a importância da igualdade racial mostram que nenhum direito está garantido para sempre. A vigilância social e institucional precisa continuar!
O movimento negro: força histórica e renovada
Do pós-abolição às marchas contemporâneas, o movimento negro brasileiro sempre esteve à frente das conquistas sociais que beneficiam todo o país, e não apenas a população negra:
- combate ao racismo institucional;
- pautas de educação e cultura;
- defesa de comunidades quilombolas e tradicionais;
- articulação política e legislativa;
- pressão por políticas afirmativas.
Hoje, o movimento ganha novos rostos, novas vozes e uma presença cada vez maior no debate público — seja nas ruas, nas universidades, nas redes sociais ou no campo jurídico.
Mangaratiba: entre o passado escravocrata e sua dívida histórica
Mangaratiba, por exemplo, é um território marcado profundamente pela escravidão. Foi por seu porto que circulou parte do tráfico realizado pelo Comendador Breves, o maior traficante de pessoas escravizadas da história do Brasil.
Ora, esse passado não pode ser ignorado — e impõe ao município uma dívida histórica e moral com a população negra.
O caso recente do Concurso Público n.° 001/2024, elaborado pela gestão passada, que precisou ser suspenso e alterado judicialmente por não prever cotas, é um exemplo claro da urgência da questão. A Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público demonstrou que o município ainda carece de instrumentos legais para promover igualdade racial em processos de seleção.
E Mangaratiba não está sozinha! Itaguaí e Tanguá passam por disputas semelhantes, onde a ausência de políticas raciais em processos seletivos e concursos gerou judicialização, atrasos e insegurança jurídica.
Isso mostra que o debate não é isolado: é regional, é estrutural e precisa ser enfrentado com seriedade. Um debate que precisa passar pelas sessões da nossa Câmara Municipal.
Por que Mangaratiba precisa aprovar sua Lei de Cotas Raciais?
Porque uma política afirmativa:
- corrige desigualdades históricas;
- evita judicialização e insegurança jurídica;
- garante concursos mais justos e representativos;
- cumpre a função social do Estado;
- e simboliza o compromisso do município com a igualdade racial.
Perspectivas para o futuro: do Brasil a Mangaratiba
O futuro da população negra depende de escolhas políticas e sociais que reafirmem a igualdade racial como valor inegociável:
- ampliar e proteger políticas afirmativas;
- fortalecer o movimento negro;
- acelerar a titulação de quilombos;
- responsabilizar o racismo institucional;
- ampliar leis municipais e estaduais de cotas.
Em Mangaratiba, o futuro passa por:
- reconhecer sua história;
- reparar sua dívida;
- transformar sua legislação;
- garantir que concursos e seletivos respeitem a população negra;
- e construir uma cidade onde o passado doloroso dê lugar a um presente e futuro de justiça.
Conclusão
Compromisso com um Brasil onde a cor da pele não determine o destino de ninguém.
E, em Mangaratiba, esse compromisso precisa se traduzir em políticas concretas — especialmente a aprovação de uma Lei Municipal de Cotas Raciais — para que a cidade avance rumo a um futuro mais justo, digno e plural.


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