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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Consciência Negra: conquistas, desafios e o futuro da igualdade racial no Brasil e em Mangaratiba

 



O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é mais que um feriado nacional: é um convite à reflexão profunda sobre a história do povo negro no Brasil, suas lutas, suas conquistas e os caminhos ainda necessários para a construção de uma sociedade justa e igualitária. É também a data em que lembramos Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra contra a escravidão. Sua memória se une à trajetória de milhões de pessoas que, durante mais de três séculos, foram escravizadas, exploradas e violentadas em terras brasileiras.


No entanto, embora seja vital revisitar o passado, o foco deste texto olha especialmente para outro marco: a Constituição de 1988. Foi ela que, pela primeira vez, reconheceu de forma explícita as comunidades quilombolas, incorporou a ideia de igualdade material e abriu espaço para políticas públicas que buscam corrigir desigualdades históricas. A partir daí, inicia-se um ciclo de transformações — lento, desigual, mas inegável.


Avanços desde 1988: um caminho de lutas e vitórias


Três grandes campos de conquistas marcaram as últimas décadas:


1. Reconhecimento e titulação de comunidades quilombolas


A Constituição de 1988, em seu artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, reconheceu o direito à propriedade das terras ocupadas por remanescentes de quilombos.


Desde então, centenas de comunidades foram reconhecidas — mas poucas receberam titulação definitiva. O processo continua lento, enfrentando disputas fundiárias, burocracia e falta de vontade política em muitos momentos. Ainda assim, é uma vitória que deve ser celebrada: o Brasil finalmente reconheceu que os quilombos não são ruínas do passado, mas espaços vivos de cultura, ancestralidade e resistência.


2. Cotas no ensino superior


A aprovação da Lei 12.711/2012 marcou um divisor de águas. Pela primeira vez, o Estado brasileiro reconheceu que, para garantir igualdade de oportunidades, era necessário corrigir desigualdades estruturais.

Hoje em dia, universidades públicas de todo o país adotam cotas para estudantes negros, pardos, indígenas e oriundos da escola pública. O resultado é visível:


  • aumento da presença negra em cursos historicamente elitizados;
  • maior diversidade nas produções acadêmicas;
  • e um impacto geracional que começa a transformar o país.


3. Cotas em concursos públicos


A Lei 12.990/2014 garantiu a reserva de 20% das vagas em concursos federais para pessoas negras. Nos estados e municípios, porém, o cenário ainda é limitado:


  • apenas 7 estados e o Distrito Federal possuem leis específicas de cotas raciais;
  • cerca de 76 municípios adotam mecanismos semelhantes — menos de 1,5% do total de cidades do país.


Esse dado revela que, apesar dos avanços, a política afirmativa ainda enfrenta resistência nos níveis local e estadual.


Desafios persistentes: desigualdade estrutural, racismo e riscos de retrocessos


Apesar dos progressos das últimas décadas, a população negra no Brasil ainda enfrenta desafios profundos:


  • maior taxa de desemprego;
  • menor rendimento;
  • maior vulnerabilidade à violência;
  • baixa representatividade política;
  • desigualdade no acesso à saúde, educação de qualidade e moradia.


E, mais recentemente, outro perigo se apresenta: o risco de retrocesso. Alterações legislativas, decisões administrativas, tentativas de esvaziar políticas afirmativas ou de relativizar a importância da igualdade racial mostram que nenhum direito está garantido para sempre. A vigilância social e institucional precisa continuar!


O movimento negro: força histórica e renovada


Do pós-abolição às marchas contemporâneas, o movimento negro brasileiro sempre esteve à frente das conquistas sociais que beneficiam todo o país, e não apenas a população negra:


  • combate ao racismo institucional;
  • pautas de educação e cultura;
  • defesa de comunidades quilombolas e tradicionais;
  • articulação política e legislativa;
  • pressão por políticas afirmativas.


Hoje, o movimento ganha novos rostos, novas vozes e uma presença cada vez maior no debate público — seja nas ruas, nas universidades, nas redes sociais ou no campo jurídico.


Mangaratiba: entre o passado escravocrata e sua dívida histórica


É impossível falar de população negra no Brasil sem olhar para as histórias locais.

Mangaratiba, por exemplo, é um território marcado profundamente pela escravidão. Foi por seu porto que circulou parte do tráfico realizado pelo Comendador Breves, o maior traficante de pessoas escravizadas da história do Brasil. 


Ora, esse passado não pode ser ignorado — e impõe ao município uma dívida histórica e moral com a população negra.


Atualmente, Mangaratiba enfrenta uma discussão jurídica e política importante: a ausência de uma Lei Municipal de Cotas Raciais.

O caso recente do Concurso Público n.° 001/2024, elaborado pela gestão passada, que precisou ser suspenso e alterado judicialmente por não prever cotas, é um exemplo claro da urgência da questão. A Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público demonstrou que o município ainda carece de instrumentos legais para promover igualdade racial em processos de seleção.


E Mangaratiba não está sozinha! Itaguaí e Tanguá passam por disputas semelhantes, onde a ausência de políticas raciais em processos seletivos e concursos gerou judicialização, atrasos e insegurança jurídica.


Isso mostra que o debate não é isolado: é regional, é estrutural e precisa ser enfrentado com seriedade. Um debate que precisa passar pelas sessões da nossa Câmara Municipal.


Por que Mangaratiba precisa aprovar sua Lei de Cotas Raciais?


Porque uma política afirmativa:


  • corrige desigualdades históricas;
  • evita judicialização e insegurança jurídica;
  • garante concursos mais justos e representativos;
  • cumpre a função social do Estado;
  • e simboliza o compromisso do município com a igualdade racial.


Não é apenas uma questão jurídica! É uma questão moral, histórica e civilizatória, constituindo uma dívida histórica a ser reparada. 


Perspectivas para o futuro: do Brasil a Mangaratiba


O Brasil tem avançado, mas não o suficiente.

O futuro da população negra depende de escolhas políticas e sociais que reafirmem a igualdade racial como valor inegociável:


  • ampliar e proteger políticas afirmativas;
  • fortalecer o movimento negro;
  • acelerar a titulação de quilombos;
  • responsabilizar o racismo institucional;
  • ampliar leis municipais e estaduais de cotas.


Em Mangaratiba, o futuro passa por:


  • reconhecer sua história;
  • reparar sua dívida;
  • transformar sua legislação;
  • garantir que concursos e seletivos respeitem a população negra;
  • e construir uma cidade onde o passado doloroso dê lugar a um presente e futuro de justiça.


Conclusão


O Dia da Consciência Negra não é apenas memória: é compromisso.

Compromisso com Zumbi, com Dandara, com os quilombos, com os ancestrais e com as gerações futuras.

Compromisso com a luta, com as conquistas e com a igualdade.

Compromisso com um Brasil onde a cor da pele não determine o destino de ninguém.


E, em Mangaratiba, esse compromisso precisa se traduzir em políticas concretas — especialmente a aprovação de uma Lei Municipal de Cotas Raciais — para que a cidade avance rumo a um futuro mais justo, digno e plural.

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