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domingo, 2 de janeiro de 2022

Água barrenta pode render uma indenização por danos morais!




Neste domingo (02/01/2022), li a postagem de uma moradora da Praia do Saco, em Mangaratiba, num dos grupos do Facebook, reclamando do fornecimento de água suja em sua residência, cuja coloração no reservatório, por si só, já denunciava o acontecimento (clique AQUI para ler).


Tomando conhecimento da denúncia, respondi que, se os moradores processassem a CEDAE, a companhia passaria a ter mais respeito pela população do Município. E sugeri que cada um um ligasse para o 0800 da empresa, anotasse o número de protocolo passado pelo SAC e, se daqui uns dias, o problema não resolvesse, que as pessoas prejudicadas entrassem com uma ação na Justiça pedindo indenização por danos morais e materiais. Neste caso, seria o ressarcimento por eventuais gastos com carro pipa, galão de água mineral, dentre outras despesas decorrentes.


É indiscutível que o fornecimento de água cuida-se de serviço público essencial de titularidade do Município que, embora prestado por pessoas jurídicas de direito privado, concessionárias ou permissionárias, ou ainda por convênio firmado pela Prefeitura com empresa estadual, a sua execução deve ser feita de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, como prevê o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Logo, o direito de acesso à água potável surge como um direito de todas as pessoas e integra o mínimo existencial para a vida humana digna e saudável


Assim, sendo a água um bem essencial, cabe á concessionária do serviço de saneamento básico indenizar o consumidor, desde que comprovada a má qualidade. Só que, nesse caso, é importante ficar demonstrada a impropriedade para o consumo em que, além de fotos e de eventuais registros nas redes sociais, o autor da ação precisará apresentar provas testemunhais (depoimentos de vizinhos) e/ou periciais.


Embora o problema se trate de uma incontestável relação de consumo, em que o CDC prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, diante da sua hipossuficiência técnica, jurídica e econômica, não recomendo que o demandante apenas faça apenas prints de postagens nas redes sociais para sair processando a empresa. Senão vejamos como se posicionou certa vez o Tribunal de Justiça de Goiás no julgamento de uma demanda proposta no Município de Campinorte (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n.º 5191712.12.2016.8.09.0000):


"A alegação de ter saído água barrenta das torneiras e canos da residência da autora, mesmo que tal fato decorresse de defeito na prestação de serviços pela Saneago.,nesse caso, à evidência, não seria capaz de gerar dano moral, sem que houvesse mínima comprovação de conduta ilícita por parte da Saneago. Para que o consumidor tenha êxito na inversão do ônus da prova, (ela) deve trazer prova mínima acerca da veracidade das suas alegações" (Rel. Des. Olavo Junqueira de Andrade)


Neste sentido, a oitiva de testemunhas (vizinhos sem vínculo de amizade ou parentesco) se torna relevante. Porém, não haveria outra melhor prova do que uma verificação técnica feita por agente da Prefeitura ou por profissional contratado pelo particular que possa ir ao local da unidade consumidora e elaborar um documento constatando o fato. Inclusive, se for feita uma análise laboratorial provando a contaminação da água, contribuiria ainda mais para o êxito da demanda judicial.


Além disso, para evitar o ajuizamento de demandas repetitivas, tendo em vista que problemas do tipo costumam afetar várias unidades consumidoras simultaneamente, é sugestivo que a associação de moradores ingresse com uma ação de obrigação de fazer em face da empresa e, cumulativamente, formule o pedido de reparação de danos morais coletivos.


Finalmente, vale lembrar que, em meados da década passada, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgou algumas ações movidas em face da CEDAE por fornecer água imprópria para o consumo aos moradores da localidade de Santa Clara, no Município de Porciúncula, no norte fluminense, pelo que cito uma das decisões proferidas em que, na época, as indenizações foram arbitradas no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo Juízo de origem:


"APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONCESSIONÁRIA DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE. FORNECIMENTO DE ÁGUA IMPRÓPRIA PARA CONSUMO NA LOCALIDADE DE SANTA CLARA, MUNICÍPIO DE PORCIÚNCULA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS E ARBITRADOS EM R$ 2.000,00 (...) FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. O LAUDO PERICIAL CONCLUIU QUE A ÁGUA FORNECIDA AOS MORADORES DO DISTRITO DE SANTA CLARA NÃO É POTÁVEL NÃO SENDO, PORTANTO, PRÓPRIA PARA O CONSUMO. ADEMAIS, NÃO SE TRATRA DE UMA RECLAMAÇÃO ISOLADA, MAS SIM DE TODA A COMUNIDADE, REPRESENTADA PELA PROPOSITURA DE DEZENAS DE AÇÕES COM A MESMA CAUSA DE PEDIR, O QUE, POR SI SÓ, JÁ SERVIRIA PARA COMPROVAR O FATO NOTICIADO NA INICIAL. COMPROVADA A MÁ QUALIDADE DA ÁGUA FORENECIDA PELA RÉ, BEM ESSENCIAL, CUJA FRUIÇÃO É TARIFADA, IMPÕE-SE O DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL IN RE IPSA, CUJA VERBA FOI FIXADA EM OBSERVÃNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NO TOCANTE AO PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, RAZÃO TAMBÉM NÃO SOCORRE Á APELANTE, TENDO EM VISTA QUE OS INVESTIMENTOS REALIZADOS PELA RÉ NA LOCALIDADE, TENDO INCLUSIVE INAUGURADO NOVA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA. REGISTRE-SE A EXISTÊNCIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FACE DA CEDAE REQUERENDO PROVIDÊNCIAS QUANTO AO DESABASTECIUMENTO E A MÁ QUALIDADE DA ÁGUA DISTRIBUÍDA NA LOCALIDADE DE SANTA CLARA (...)" - 0005844-76.2009.8.19.0044 – APELAÇÃO 1ª Ementa DES. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO – Julgamento: 22/07/2014 – DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL


Não é demais acrescentar que, no âmbito da Comarca de Mangaratiba, tramita uma ação civil pública desde 2016, movida pelo Município em face da CEDAE, por causa da irregularidade no abastecimento. E, ainda, no ano de 2012, houve um surto de Hepatite A, causada pela má qualidade no abastecimento de água.


Acredito que, se a empresa distribuidora de água do Município de Mangaratiba passar a ser demandada em vários processos e sofrer diversas condenações, a situação dos moradores da Praia do Saco e de outras localidades afetadas poderá mudar. Porém, se a população permanecer inerte, mantendo-se acomodada diante do problema, possivelmente vamos conviver com isso pelos próximos anos nesta década e também nas outras.


OBS: Imagem acima extraída do Facebook.

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