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domingo, 20 de janeiro de 2019

Os agentes públicos precisam ser multados pelo descumprimento de decisões judiciais



Nos últimos anos, parece que se tornou prática comum muitos gestores deixarem de dar cumprimento às ordens dos magistrados proferidas em ações judiciais, mesmo quando é arbitrada alguma multa diária ao Estado de alto valor.

Neste mês de janeiro, a fim de fazer com que uma liminar de março de 2018, expirada em abril e confirmada em dezembro pela 2ª instância, possa ser finamente executada, requeri no processo que fosse arbitrada uma pena de caráter pecuniária contra um agente público. Isto porque o mesmo disse, numa reunião pública, em fins de dezembro, que o meu cliente aguardasse por um posicionamento técnico do órgão até a metade de 2019, sem dar qualquer garantia se iria cumprir o que o juiz mandou. Logo, acabei peticionando a respeito disso, apresentando uma justificativa para o meu pedido de multa pessoal ao gestor, após ter buscado em artigos jurídicos recentes um embasamento que me auxiliasse:

"Como é cediço, qualquer condenação imposta a um ente público, independente da natureza do crédito, deve sujeitar-se à sistemática do precatório, sendo este o procedimento que alcança toda e qualquer execução pecuniária intentada contra a Fazenda Pública, independentemente da natureza do crédito ou de quem figure como exequente. Logo, como a multa somente poderá ser exigida após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, mediante a adoção do processo de execução, seguido da expedição de precatório, fica evidenciado o desinteresse dos gestores públicos em cumprir com as decisões judiciais. Assim sendo, por não se admitir a adoção de procedimentos alternativos para assegurar a eficácia prática de meios executivos, torna-se justificável a imposição de multa contra o agente público responsável pelo cumprimento da medida (...) além de se a exigir da própria pessoa jurídica de direito público. Tendo em vista o poder geral de efetivação do juiz e o objetivo da cominação (viabilizar a efetivação da decisão judicial), nada impede que o magistrado comine astreintes diretamente ao agente público. Pois, desse modo, a medida vai mostrar-se bem mais séria e, por isso mesmo, a satisfação do credor poderá ser mais facilmente alcançada."

E também procurei um respaldo na jurisprudência, tendo encontrado uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que fosse de encontro a essa pretensão, conforme extraí a partir de uns dos artigos consultados:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDICAMENTO. POSSIBILIDADE DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. NEGAR PROVIMENTO. Inexiste óbice legal restringindo a aplicação de multa diária contra a Fazenda Pública, sendo possível e razoável o arbitramento em caso de descumprimento de ordem judicial. AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ENTE PÚBLICO - MULTA - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ÔNUS EXCESSIVO - RESPONSABILIZAÇÃO DOA AGENTES PÚBLICOS - POSSIBILIDADE. A fixação de astreintes se consubstancia em meio coercitivo e não punitivo, pois visa tão somente conferir efetividade à ordem judicial como meio e forma de assegurar o resultado prático visado. Impor ao ente público multa diária contraria não só a natureza jurídica do instituto, como gera inquestionável enriquecimento ilícito e digladia com a própria lógica do razoável, infringindo, ademais, o princípio da proporcionalidade, gerando ônus excessivo ao ente público. Eventual multa por descumprimento da decisão poderá ser substituída pela responsabilização dos agentes públicos diretamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação, medida mais coerente, razoável e mesmo eficaz, não somente para se salvaguardar o interesse público/coletivo, como também, e principalmente, para trazer maior eficácia e exiquibilidade à decisão judicial." (TJEMG – 1ª CÂMARA CÍVEL - Agravo de Instrumento n.º 10024101154581002 MG - Relator Des. Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 29/02/2016 - Data de Publicação: 03/03/2016)

Prossegui escrevendo que, embora o agente público não fosse parte no processo, o mesmo deve submeter-se à ordem judicial. Isto porque o poder do magistrado vai muito além de, simplesmente, declarar direitos, devendo efetivar suas tutelas jurisdicionais quando deferidas. E aí, a partir do momento em que o agente público se opõe ao cumprimento natural da obrigação pelo Estado-Administração de uma ordem exarada pelo Estado-Juiz, ele passa a ter participação suficiente no processo para justificar a adoção das medidas que forem necessárias.

Por outro lado, a medida de responsabilização do gestor evitará que o próprio Estado se torne vítima dos atos cometidos pelos seus agentes. Pois, se pensarmos bem, é muito fácil para um prefeito, um governador ou um secretário deixar de cumprir uma ordem da Justiça, conforme o seu interesse pessoal (ou do próprio grupo político), pois não será ele quem pagará por isso. E ainda que venha a ser questionado pela Administração Pública, ele poderá alegar diversos motivos capazes de justificar internamente o porquê da desobediência ao Judiciário a ponto de sua resposta ser facilmente aceita por se tratar do esclarecimento do chefe...

Embora o Direito brasileiro ainda seja bem conservador e muitas das vezes as decisões acabam favorecendo uma certa irresponsabilidade do agente estatal, ainda que estabeleçam obrigações legais ao Poder Público, esse entendimento jurídico certamente precisa consolidar-se nas decisões de boa parte dos nossos juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores visto não haver unanimidade a respeito. Porém, é importante que os advogados que militam contra a Fazenda Pública passem a argumentar em suas petições em favor dessa tese heroica a fim de torná-la cada vez mais aceita no meio jurídico.

Fora isso, considero sugestivo que algum parlamentar em Brasília procure incluir no nosso ordenamento jurídico um dispositivo que atribua ao administrador público uma responsabilidade pessoal pelo pagamento de multa diária em caso de descumprimento de decisão judicial. Pois, deste modo, o legislador estará concretizando o direito fundamental à tutela executiva, o qual é inerente aos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.

No meu caso específico, a Justiça ainda não analisou o pedido de imposição de uma multa ao agente estatal. Entretanto, o Poder Público aguarda ser intimado para responder se cumpriu ou não a ordem dada em março e, depois, com a manifestação da parte ré, serão dadas vistas ao Ministério Público a fim de que a Promotoria de Tutela Coletiva que acompanha o feito dê o seu parecer e só então o juiz irá decidir a respeito do que fora requerido.

Ótima tarde a todos!

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