Muitos são os motivos de brigas entre vizinhos, as quais, em diversas vezes, chegam a parar na Justiça ou até mesmo na Polícia. Os problemas mais comuns costumam estar relacionados ao direito às vagas de garagem nos condomínios, rateio de despesas, construção de muros, abertura de janelas e danos provocados por uma obra mal feita capaz de afetar a estrutura de outros imóveis. Porém, a maior das queixas dos dias atuais parece ser o barulho. Principalmente nos apartamentos ou nos grupos de casas muito próximas situadas ao lado uma da outra.
Normalmente o que as pessoas reclamam acerca do barulho tem a ver com as festas, aparelhos de TV ou de rádio que ficam ligados até tarde, vizinhos do andar de cima que, frequentemente, arrastam a mobília, discussões de casais, latidos de cachorro e, pasme, até o choro dos inocentes bebês. E quem se irrita com a poluição sonora acaba ampliando os ruídos dentro de si, permitindo que os acontecimentos exteriores roubem sua paz.
Contudo, a convivência dentro das cidades exige que aprendamos a nos relacionar com mais respeito e, ao mesmo tempo, termos mais tolerância quanto aos costumes alheios. O morador de um apartamento não pode ser hostilizado por causa do choro de seu filho de meses. Criar um animal de pequeno porte que não faça muito barulho, mesmo contrariando a convenção condominial, já tem sido reconhecido pela Justiça como um direito do morador de maneira que ninguém mais pode se opor ao fato de termos um gato ou um cachorro como seus vizinhos. Quanto às festas, deve-se regrar apenas os horários conforme a intensidade dos ruídos visto que não seria razoável um síndico proibir aniversários ou uma confraternização entre amigos.
Num conflito entre vizinhos, se conversarmos com cada parte, perceberemos que ninguém tem completa razão no seu pleito. Uma pessoa que exige o cumprimento de normas pode estar motivada por mera implicância com a outra ou agindo com má-fé visando outros interesses. Quando comparecem numa audiência de conciliação na Justiça, dificilmente entram em acordo porque nem o autor e nem o réu querem ceder. Por isso, é muito comum, nos processos de Juizado Especial Cível (o antigo Pequenas Causas), o reclamado ainda contra-atacar formulando o que a lei chama de pedido contraposto.
Como advogado, costumo evitar casos que envolvem brigas entre vizinhos ou parentes, sendo que me recuso a alimentar a picuinha de pessoas mal resolvidas pois não quero fazer de tais conflitos uma fonte de lucro. Ainda mais sabendo que há injustiças bem mais relevantes acontecendo no mundo, como se vê nos hospitais públicos onde pacientes não estão recebendo apoio jurídico diante das graves injustiças praticadas nas unidades de saúde. Porém, uma das primeiras causas que peguei na época em que me saí da faculdade era uma briga entre dos vizinhos de área rural que tinha a ver com os riscos de queda de uma árvore. Meu cliente sentia-se ameaçado com a possibilidade de queda de um enorme eucalipto do imóvel confrontante e me trouxe laudos da Defesa Civil comprovando isso. Ganhamos a causa, obtendo uma liminar logo no começo para que o vizinho cortasse a árvore dentro do prazo estipulado pelo juiz, o que foi obedecido. Só que, evidentemente, havia muito mais coisas do que aquela simples controvérsia envolvendo o vegetal.
Mas falando em processos judiciais sobre briga de vizinhos, lembrei-me de um engraçado caso que aconteceu alguns anos atrás na comarca de Paracambi, interior do Rio de Janeiro, envolvendo um galo histérico, onde a decisão inicial foi proferida pela polêmica juíza de direito Dra. Mônica Labuto. Não cheguei a ver os autos e nem fui lá assistir a audiência (Nova Friburgo fica bem distante de Paracambi), mas tenho a suspeita de que o conflito aconteceu por causa do barulho da ave, tirando minhas conclusões pelo que li na internet e compartilhei em comunidades do Orkut. Na época, a magistrada negou-se a julgar o caso declarando-se impedida:
"DECLARO-ME SUSPEITA PARA O JULGAMENTO DA LIDE EM RAZAO DO DISPOSTO NO ART. 135 C/C 409, I DO CPC EM RAZAO DOS ESCLARECIMENTOS QUE PASSO A PRESTAR.1-ESTA MAGISTRADA, NOS DIAS UTEIS, PENOITA NA CIDADE DE PARACAMBI, SENDO QUE USUALMENTE EM HOTEIS. POR CERCA DE 3 OU 4 VEZES, ESTA MAGISTRADA PERNOITOU NA CASA DE AMIGOS SITUADA NA RUA VEREADOR ANTONIO PINTO COELHO, QUE FICA A CERCA DE 50 METROS DA RUA KARDEC DE SOUZA, Nº885, OCASIOES EM QUE NAO CONSEGUIU DORMIR PORQUE UM GALO CANTAROLOU, ININTERRUPTAMENTE DAS 2:00 AS 4:30 HS DA MADRUGADA, O QUE CAUSOU PERPLEXIDADE, JA QUE AVES NAO CANTAM NA ESCURIDAO, COM EXCECAO DE CORUJAS E, ADEMAIS, O GALO PAROU DE CANTAR JUSTAMENTE QUANDO O DIA RAIOU.2- A MAGISTRADA PERGUNTOU AOS SEUS AMIGOS PROPRIETARIOS DO IMOVEL SE SABIAM AONDE RESIDIA O TAL GALO ESQUIZOFRENICO, SENDO QUE OS MESMOS DISSERAM DESCONHECER O SEU DOMICILIO.3- AO LER A PRESENTE INICIAL, CONSTATOU A MAGISTRADA QUE O ENDERECO ONDE SE ENCONTRA O GALO E MUITO PROXIMO DA CASA DE SEUS AMIGOS, RAZAO PELA QUAL, CONCLUIU QUE O GALO QUE LHE ATORMENTOU DURANTE AQUELAS MADRUGADAS SO PODE SER O MESMO QUE O OBJETO DESTA LIDE, DEVENDO SE RESSALTAR QUE A JUIZA NAO CONHECE NEM O AUTOR E NEM O REU.4- CONSIDERANDO QUE ESTA MAGISTRADA NUTRE UM SENTIMENTO DE AVERSAO AO REFERIDO GALO E, SE DEPENDESSE DE SUA VONTADE, O GALO JA TERIA VIRADO CANJA HA MUITO TEMPO, NAO HA COMO APRECIAR O PEDIDO COM IMPARCIALIDADE.5- HA DE SE SALIENTAR QUE O ART. 409 DO CPC DISPOE QUE O JUIZ DEVE SE DECLARAR IMPEDIDO SE TIVER CONHECIMENTO DE FATOS QUE POSSAM INFLUIR NA DECISAO E, NA PRESENTE LIDE, ESTA MAGISTRADA SE COLOCA A DISPOSICAO PARA SER TESTEMUNHA DO JUIZO CASO SEJA NECESSARIO.REMETAM-SE OS AUTOS AO JUIZ TABELAR". (decisão proferida no Proc. n° 2007.857.000344-6, no Juizado Especial Adjunto Cível da Comarca de Paracambi do Estado do Rio de Janeiro)
Que fim levou o caso do galo?
Como já disse, não tenho condições de afirmar e os autos já foram até incinerados depois de seis meses de arquivamento no Tribunal de Justiça do Rio. Apenas sei, conforme as movimentações registradas na internet, que tudo acabou num acordo entre as partes na audiência de 15/08/2007 e compartilhei isso na comunidade "Casa dos Advogados" no Orkut.
Infelizmente, nem todos os conflitos entre vizinhos são engraçados. Alguns acabam até em homicídio e só depois as pessoas descobrem o terrível mal que fizeram ao cultivarem o ódio e o rancor dentro de si. E, mesmo quando um não mata o outro fisicamente, há um assassinato espiritual capaz de atingir a paz, a honra e a estima de alguém.
Às vezes, para que sejamos respeitados, precisamos primeiramente respeitar quem está ao nosso lado, em cima ou no andar de baixo. No Sermão da Montanha, Jesus falou que devemos dar a outra face, o que, sob um certo aspecto, significa tomar a iniciativa de pedir perdão e admitir os nossos erros antes do adversário reconhecer os dele, abrindo mão de direitos ao invés de insistirmos na nossa própria versão dos fatos.
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes." (Evangelho segundo Mateus 5.38-42; ARA)
Diferentemente dos amigos e do cônjuge, não podemos escolher quem serão os nossos vizinhos e parentes. Logo, não nos resta outra opção senão aprendermos a amá-los incondicionalmente. Assim, dar a outra face torna-se a conduta mais adequada para que o homem possa exercitar a sua tolerância para com o próximo e promover a paz.
"Bem-aventurado os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus." (Mateus 5.9; ARA)
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