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domingo, 12 de setembro de 2010

O apocalipse dos telefones públicos


“Mas tente compreender
Morando em São Gonçalo você sabe
como é
Hoje à tarde a ponte engarrafou
e eu fiquei a pé
Tentei ligar para você
O orelhão da minha rua
estava escangalhado
meu cartão tava zerado

mas você crê se quiser...”
(trecho da música “São Gonçalo” de Seu Jorge)


Mesmo que na letra acima citada o compositor estivesse dando uma desculpa para um possível desencontro com sua mulher amada, o péssimo estado no qual se encontra a rede de telefonia pública no Brasil é um fato inegável.

Nesta última quinta-feira (09/09/2010), eu estava aguardando o embarque de meu ônibus na Rodoviária Novo Rio, na maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, quando me deparei com a insuficiência e a má distribuição de telefones públicos no local. No segundo andar do prédio, onde havia adquirido o meu bilhete de passagem, não havia sequer um aparelho telefônico, muito embora se tratasse de um lugar bem amplo por onde passam milhares de pessoas nas vésperas e finais de feriados. Observei então uma placa informando a existência de orelhões nas duas entradas do primeiro andar, os quais, com exceção do setor de embarque de acesso restrito, estavam todos concentrados em dois pontos específicos daquele terminal.

Muito triste esta situação, mas a verdade é que de agora em diante os telefones públicos correm o sério risco de sumir nas nossas cidades já que para a economia a telefonia fixa no Brasil deu o que tinha que dar.

Embora a ligação entre telefones fixos seja bem mais barata do que as chamadas feitas através de aparelhos celulares, o certo é que o mercado está se utilizando cada vez mais da telefonia móvel por vários motivos: praticidade, promoções de bônus em ligações locais entre números da mesma operadora, possibilidades do trocas de mensagens de texto (os “torpedos”), ofertas de modelos de aparelhos super modernos com câmeras, transmissão dos programas de TV, armazenagem de músicas, além do crédito facilitado para parcelar a compra dos telefones nas lojas, as diversas maneiras para se efetuar recargas à distância (no caso dos pré-pagos), os meios de verificar uma chamada perdida para retorná-la posteriormente, o acesso à internet cada vez mais em conta, etc.

Em termos de praticidade, devemos lembrar que o usuário da telefonia móvel não precisa sair mais correndo atrás de um orelhão em bom estado de conservação para telefonar e muito menos inserir um cartão no aparelho, o qual, por algum defeito, pode retê-lo ou não reconhecê-lo. Então, com um celular na mão, basta a pessoa ligar para o número de destino e falar. Ou, se estiver sem crédito, o consumidor dá o seu jeitinho de fazer uma chamada a cobrar, desligar em seguida e aguardar um possível retorno do destinatário.

Outra questão a ser observada é que o celular tornou-se mais adequado às pessoas de condição humilde do que o telefone fixo. Pois, escolhendo pelo plano pré-pago, o consumidor se livra de ter que adimplir uma conta mensal e carrega quando puder ou quiser enquanto o seu serviço se mantém ativo por alguns meses. São os celulares apelidados de “pai de santo” porque só recebem ligações...

Além do mais, tenho observado que algumas empresas já estão prestando atendimento via celular já que, na atualidade, muita gente se tornou consumidora da telefonia móvel e faz uso constante das promoções com direito a bônus em ligações entre aparelhos da mesma operadora que façam parte do mesmo código de área de onde é originada a chamada. Logo, não vai demorar muito e teremos funcionários sendo treinados para fazer o serviço de telemarketing através do sistema SMS de modo que o nome desta especialidade da profissão poderá se chamar atendente de “torpedo-marketing”.

Acompanhando as inovações tecnológicas, os portadores de deficiência auditiva e da fala dão preferência aos telefones móveis. Isto porque para este grupo de pessoas com necessidades especiais é muito mais fácil se comunicar utilizando os tais dos torpedos do que recorrer ao uso de um telefone adaptado e contar com o auxílio de uma telefonista para intermediar a conversa. Sem falar que é dificílimo achar um orelhão adaptado. Aqui na minha cidade, por exemplo, a Telemar só instalou o primeiro telefone público para surdos por volta de 2003 no centro de apoio ao turismo da Prefeitura. Porém, segundo me contou uma servidora municipal que lá trabalha, raramente o telefone é utilizado pelo público específico ao qual se destina.

Contudo, tudo isso me preocupa. Sem consciência, o povo brasileiro está trocando um meio de comunicação tradicional inventado pelo italiano Antonio Santi Giuseppe Meucc¹ para depender de algo que é muito mais caro pois, basta compararmos os valores cobrados a título de tarifa pelo minuto na ligação do telefone fixo com os altos preços praticados pela telefonia móvel, que verificaremos a diferença entre ambos os serviços. Além do mais, o consumidor pode se tornar vítima da instabilidade das promoções. Isto porque nenhuma operadora é obrigada a fornecer indefinidamente uma elevada bonificação pelas recargas de seus clientes já que se trata de uma liberalidade unilateralmente concedida pelas regras que a própria empresa estipula de maneira livre, o que limita obviamente o poder de fiscalização da ANATEL tornando eventuais controvérsias assunto de PROCON.

Por outro lado, tenho aprendido que, quando uma tecnologia chega, ela vem para ficar até que seja substituída por outra capaz de atender melhor às necessidades do mercado (depois da descoberta do fogo a humanidade nunca mais foi a mesma). Assim, se os celulares, mesmo sendo mais caros mostram-se mais práticos do que os telefones fixos e os insalubres orelhões que vivem dando defeito, por que os consumidores tornariam aos hábitos do passado?

Pois bem. Se é inevitável a migração dos consumidores para a telefonia móvel, o que o governo pode fazer? Recriar a Telebrás e estatizar novamente as empresas de telefonia fixa para livrar as costas dos grandes grupos econômicos de um elefante branco sob o manto de uma ideologia do chavismo-petista?

Sinceramente, não me parece que a interferência estatal na telefonia fixa seja o melhor caminho porque, assim como foi em décadas anteriores, quando houve a privatização de outros setores da economia brasileira, não poderá o Estado ficar sempre com a parte ruim, dividindo os prejuízos com toda a sociedade enquanto deixa o particular sempre com o filé mais macio. Lembro que, nos anos 90, o governo Fernando Henrique Cardoso chegava a arcar até com as dívidas das empresas estatais e as entregava saneadas num estado bem atraente para os compradores. E pouca gente sabe que o verdadeiro motivo para a expansão das linhas de telefonia fixa não foram as privatizações, mas sim o domínio de uma incrível tecnologia pelos engenheiros brasileiros da Telebrás – a fibra ótica.

Ora, desde a primeira década deste século XXI, o PT já estava sabendo que a telefonia fixa tende a uma inevitável obsolescência e que dependerá do apoio do Estado para ter uma sobrevida. Logo, a recriação da Telebrás parece ser uma maneira do governo readquirir das prestadoras de telefonia fixa um negócio que, provavelmente, não dará tantos lucros daqui pra frente. Ou seja, operando a Telebrás no mercado, basta que a estatal comece a oferecer vergonhosas propostas de compra das empresas concessionárias dos serviços de telefonia fixa, sem nenhuma de encampação conforme fez Leonel Brizola quando governou o Rio Grande do Sul, ou de rescisão contratual por iniciativa do empresário.

Bom, mas se futuramente a tendência será nos despedirmos dos orelhões e mais tarde da telefonia fixa, então o que deveria ser feito pelo governo para que o uso dos celulares se torne mais satisfatório para a população em geral?

Como um mero cidadão, visto que também sou consumidor desses serviços de telefonia, considero o alto preço da ligação celular um sério obstáculo para a acessibilidade do serviço móvel. Deste modo, em face do inegável interesse coletivo, o próximo governo que assumir o país deve buscar, através dos mecanismos de regulação, rever os conceitos dessa atividade, incluindo sempre as novidades tecnológicas indispensáveis à comunicação, bem como estabelecer nova política tarifária, rediscutir os encargos do concessionário e exigir mais transparência na execução do serviço, o qual deve ser prestado de um modo mais adequado e eficiente. Então, mesmo que haja uma alteração no equilíbrio do contrato celebrado entre o Estado e o empresário, é preciso que o próximo presidente (ou presidenta) busque todas as alternativas a seu dispor afim de contemplar o importantíssimo princípio da modicidade das tarifas.

Agindo desse modo, talvez possamos nos despedir dos velhos orelhões com a consciência em paz.


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1. Embora Alexander Graham Bell ainda seja considerado por muitos como o criador do telefone, eis que, em 2002, fez-se justiça histórica a Antonio Meucci.

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