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terça-feira, 2 de abril de 2024

Um golpe descrito por quem não o viu acontecer...



Lembramos no começo desta semana os 60 anos de um golpe militar que, iniciado no dia 31/03/1964, interrompeu a democracia brasileira conquistada no pós-guerra e fez o país mergulhar numa noite que acabou durando mais de duas décadas com o agravamento na vigência do terrível AI-5.

Foram anos de covardia, supressão de direitos,  censura, perseguições políticas, prisões arbitrárias, torturas, e mortes com o desaparecimento de corpos. Algo que gerou sequelas numa sociedade sem que houvesse a tempo uma devida punição para os agressores da democracia e dos direitos humanos.

Durante esse período, vim ao mundo e nem tinha ideia da tragédia que o Brasil vivia. Ainda criança, foi aprovada a Lei da Anistia numa época em que eu ainda aprendia a falar. Porém, anos mais tarde, tive a oportunidade de testemunhar a primeira eleição geral (exceto para Presidente), ocorrida em 1982, quando Leonel Brizola foi eleito governador no Rio de Janeiro, cidade onde a cultura ainda era pulsante.

Recordo quando colecionava os santinhos e folhetos catados na rua como se fosse o álbum de figurinhas da Copa do Mundo que o Brasil perdeu pra Itália. Cantava as musiquinhas dos candidatos e via como os meus familiares divergiam entre si, em que uns eram Brizola e outros Moreira Franco. Para surpresa de muita gente, um índio, o Mário Juruna, virou deputado pelo PDT!

Cerca de dois anos mais tarde, tivemos o movimento das Diretas Já com o povo indo às ruas querendo votar para presidente, coisa que não aconteceu em 1984. Contudo, o Congresso fez a vontade da maioria da população escolhendo o oposicionista mineiro Tancredo Neves, o qual acabou não tomando posse antes disso, pois adoeceu gravemente vindo a falecer.

Por certo, a ditadura militar brasileira terminou em 1985 sem que eu, ainda com oito para nove anos, cursando a segunda série do primeiro grau, tivesse o mínimo de conhecimento do que o país e sua gente sofreu.

Quem poderia, talvez, ter melhor me explicado o que foi a ditadura teria sido meu pai Francisco Carlos que faleceu aos 36 anos, em setembro de 1983. Brizolista e ateu, ele tinha como seu livro de cabeceira "O Capital" de Karl Marx e o Partidão, mesmo na ilegalidade, estava em seu coração.

A ausência paterna, meu avô Sylvio, oficial de artilharia da reserva, supriu. Mas para o meu véio nascido em 1917, não teria havido golpe e sim uma "revolução". E, apesar de seu primo ter sido ministro de Jango, vovô se conformava (e justificava) com o regime militar.

Na adolescência, finalmente, fui formando minhas primeiras concepções com uma mente ainda bem confusa. 

Golpe ou revolução? Com o tempo optei pela aceitação de que, de fato, o acontecimento de 1964 foi mesmo golpe, bem como seriam verídicos os relatos sobre torturas de presos políticos.

Falando nos presos políticos, pude dialogar com pessoas de fora da família que compartilharam comigo seus dramas do passado. Um deles conheci não nos partidos ou manifestações de rua e sim justamente numa igreja evangélica onde me congreguei em Nova Friburgo, época quando fui presenteado por seu livro. Seu nome era Ernâni.

Todavia, o que melhor me proporcionou conhecimento sobre uma época que mal vivi foi pesquisando a História. Ir em busca de textos científicos sobre os anos de chumbo, a exemplo de autores como Élio Gaspari, mais as produções cinematográficas, ampliaram bem meus horizontes.

Curiosamente, nunca cheguei a me tornar um petista e nem comunista. Até hoje, acho que andei mais pelo centro, pendendo para a esquerda, porém com algumas escorregadas para a direita, dependendo da questão. E, independente disso, aprendi a abraçar em primeiro lugar os direitos humanos e a democracia, sem os quais, atualmente, já não consigo pensar a política de modo que condeno a ditadura militar brasileira da mesma maneira que desaprovo outros regimes autoritários pelo mundo como os de Cuba, Nicarágua, Venezuela, Coréia do Norte e China.

Após a reconquista democrática, penso que não podemos de maneira alguma esquecer e nem votar nos grupos que querem rasgar a nossa Constituição Cidadã de 1988, promulgada quando tinha meus 12 anos de idade. Daí jamais devemos flertar com o nazifascismo e nem com a sua variante tupiniquim que é o bolsonarismo.

Ditadura e Bolsonaro nunca mais!

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