"Disse-lhes Jesus uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca esmorecer: Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus, nem respeitava homem algum. Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa contra o meu adversário. Ele, por um tempo, não a quis atender; mas, depois, disse consigo: Bem que eu não temo a Deus, nem respeito a homem algum; todavia, como esta viúva me importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim, venha a molestar-me [ou esbofetear-me]. Então, disse o Senhor: Considerai no que diz este juiz iníquo. Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?" (Evangelho de Lucas, capítulo 18, versículos de 1 a 8; versão e tradução ARA)
A princípio, a interpretação da parábola do juiz iníquo e da viúva importuna não guarda muita dificuldade de compreensão textual. Pelo menos até à indagação do versículo oitavo, o qual nos conduz a uma reflexão em que precisaremos buscar dentro de nós mesmos a resposta.
Pode-se afirmar que este ensino do Senhor seria quase um paralelo da metáfora do amigo importuno (Lc 11:5-8), conforme já estudada no artigo Um Pai que só tem o bem para nos dar. Em resumo, trata-se das reivindicações de uma mulher que, tendo na Lei de Deus o direito de amparo e de proteção, por ser a viuvez uma reconhecida situação de vulnerabilidade social, consegue persistentemente que o juiz de sua cidade concorde em julgar a demanda que tinha. Por ser iníquo, o homem preferia omitir-se no que dizia respeito às questões das pessoas desfavorecidas. Sua conduta era uma maneira de deixar fazer justiça, não muito diferente da lentidão absurda de vários tribunais brasileiros, já que nem sempre os magistrados podem dar soluções flagrantemente contrárias às normas legais e/ou à jurisprudência vinculante. Logo, preferem agir demoradamente.
Eu diria que a Justiça do Trabalho no Brasil é um clássico exemplo dessa omissão vergonhosa. O Estado brasileiro possui boas normas protetivas nesta área do Direito, segundo consta na Constituição e na CLT que, se fossem aplicadas com rapidez e rigor, obrigariam os patrões a respeitarem mais os seus empregados. Só que, na prática, os processos trabalhistas demoram anos. Alguns mais do que uma década inteira até o reclamante receber o último centavo devido em fase de execução de sentença. Então, o que se vê na prática, são acordos feitos nas audiências, os quais acabam beneficiando mais os empregadores. Isto porque o trabalhador, estando muitas das vezes desempregado (e o advogado querendo receber seus honorários percentuais sobre a indenização paga), vai preferir ganhar menos e resolver tudo de uma vez, do que persistir na briga até o final. Ainda mais com tantas empresas que quebram e entram em falência fraudulentamente.
Apesar da parábola denunciar este descaso no Judiciário, que já ocorria antes mesmo dos tempos de Jesus, o foco principal do Mestre estaria no nosso relacionamento com Deus e na fé. Se o juiz, que era iníquo, cedeu às reincidentes importunações da viúva, por que o Pai Celestial iria deixar de atender as petições de seus filhos sendo Ele justo e bondoso?
Frequentemente, os homens perdem a noção de quem é o nosso Criador bendito. As Escrituras Sagradas dizem: "Provai e vede que o Senhor é bom" (Sl 34:8). Tal passagem, que reflete a experiência pessoal do salmista, foi aludida na primeira epístola do apóstolo Pedro (1Pe 2:3). Mas, infelizmente, muitos de nós ainda temos uma visão deturpada acerca do caráter do Santo. Pessoas deixa de se lançar nos seus braços acolhedores em oração, desfrutando da ternura do amor do Pai, para baterem na porta de sujeitos iníquos. Acreditam mais nos favores de políticos oportunistas e mentirosos, por exemplo, do que na bondade eterna do Pai. Ou, então, procuram os líderes religiosos enganadores e sacerdotes dos falsos deuses que exigem coisas em troca para que as bênçãos sejam supostamente concedidas.
É possível alguém crer na existência de Deus e ainda assim desconhecer a extensão de seu amor inesgotável? Ao que parece, esta tem sido a incompleta experiência de muitos de nós. Não porque o Pai Celestial nos trate mal, mas, sim, pela falta de intimidade do povo no seu relacionamento espiritual.
A pergunta do Evangelho de que, se na vinda do Filho do Homem, haverá fé na terra, talvez refletiria a situação da Igreja na época do autor sagrado várias décadas depois da ascensão de Jesus aos céus. Estudamos, na postagem anterior, alguns aspectos sobre o tema da volta de nosso Senhor, algo que teria sido uma expectativa muito mais intensa para os primeiros cristãos dos séculos de I a IV, os quais, sendo duramente perseguidos por Roma, viam na Parousia um livramento imediato de suas aflições. Só que a mudança dos tempos é assunto que diz respeito aos planos soberanos de Deus e, não raramente, a nossa esperança acaba reduzindo porque ansiamos por ver os resultados cumprindo-se no nosso próprio cronograma.
Não duvido de que essas teriam sido umas das preocupações dos pais da Igreja quando nos legaram as versões gregas das boas novas que, originalmente, creio terem sido anunciadas apenas de maneira verbal nas velhas comunidades do Império Romano. E, assim sendo, como manter viva a esperança daqueles crentes antigos após a Igreja de Cristo sofrer massacres cruéis dos reis e autoridades da época, os quais prendiam famílias inteiras afim de serem comidas pelos leões no Coliseu?! Afinal, pessoas eram torturadas e mortas constantemente e, ainda assim, não desistiam da fé. Foram muito mais valentes do que os cristãos de hoje no Ocidente em seus confortáveis templos que gozam, inclusive, de isenção tributária do nosso governo democrático e da proteção estatal da crença religiosa.
Praticamente uns dois mil anos depois da morte de Jesus, muitos já nem têm mais esperança na construção de um novo tempo conforme pregado pelo Evangelho do Reino. Diante de tantas notícias trágicas, como esse recente ataque covarde a um shopping na capital do Quênia, ouço cristãos dizendo que o mundo não tem mais jeito. E aí usam até como desculpa para a omissão da Igreja a própria crença na segunda vinda de Cristo ao responderem que "só Jesus voltando as coisas vão melhorar", como se não precisássemos consolidar o anúncio das boas-novas. Como se o papel eclesiástico fosse meramente proselitista e não de alcance sócio-político...
Segundo os historiadores, Roma até que era bem tolerante com a diversidade de crenças. E, sendo assim, pergunto se os cristãos da época teriam sido perseguidos apenas pelo fato de pregarem uma nova religião? Por acaso os nossos primeiros irmãos não tinham uma proposta que fosse perturbadoramente revolucionária?!
Ora, fé é também atitude! É oração persistente e confiante, mas que se confirma também pelos nossos posicionamentos adequados diante dos desafios/escolhas da vida. Significa, dentre tantas outras coisas, dizermos não ao pecado, deixarmos os meios desonestos de ganhar dinheiro, contribuirmos pelo bem de nosso irmão, contrariarmos os interesses injustos/exploratórios dos poderosos denunciando as suas obras más, reconhecermos humildemente os erros por nós cometidos seguindo outra vez pelo caminho certo e acreditarmos numa mudança positiva do cenário mesmo contra as aparências.
A viúva da parábola, apesar do risco de sofrer um julgamento injusto, tendo em vista o mal caráter do juiz local, foi capaz de importuná-lo a fim de ver a causa julgada. Com muito maior fé, devemos nós clamarmos pelo Justo Juiz de toda a Terra - Deus. Precisamos confiar na fidelidade de suas promessas e a vida diária de oração jamais deixa de ser um excelente termômetro para nos auto-avaliarmos neste sentido, bem como começarmos a nos exercitar espiritualmente. Logo, se o desânimo está nos afetando, o que é humanamente compreensível, vamos então reacender o fogo das nossas lamparinas, sendo certo que, se olharmos bem, muitas coisas o Eterno tem feito pela vida da gente, nas mais pequenas coisas. Só que grande parte das pessoas nem percebe esse cuidado maravilhoso do Pai.
Tenhamos fé! Nosso Deus é justo e bondoso. Ele nos ama pra valer!
OBS: A imagem acima refere-se a uma ilustração do artista londrino John Everett Millais (1829-1896), feita, em 1863, para o livro em inglês Parábolas do Nosso Senhor. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:John_Everett_Millais_-_Parable_of_the_Unjust_Judge.jpg
lindo texto maninho, grande abraço, Paz e Bem Sempre!!
ResponderExcluirObrigado pelo incentivo, irmão.
ExcluirFica na paz vc também e tenha uma excelente semana.
Em Cristo,
Rodrigo
Ancora, quando vier o tempo da cobrança, você concebe a família arrasada por causa do homossexualismo? Acredita que Jesus é a favor disso? Responda por favor.
ResponderExcluirBoa tarde, Francisco!
ExcluirCreio que a plenificação do Reino não ocorrerá num tempo de cobranças, mas de restauração, de inclusão, de aceitação das diferenças e de reintegração. Não consigo ver neste futuro idealizado famílias arrasadas, mas sim uma só grande família na Terra com pessoas vivendo em paz umas com as outras - a família de Deus.
Abraços e obrigado por participar do blogue.