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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

"Deixai vir a mim os pequeninos"


"Traziam-lhe também as crianças, para que as tocasse, e os discípulos, vendo, os repreendiam. Jesus, porém, chamando-os para junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele." (Evangelho de Lucas, capítulo 18, versículos de 15 a 17; versão e tradução ARA)

Em Lucas, o contexto literário no qual é narrado o episódio em que Jesus abençoa as criancinhas é significativamente diferente da fonte original de Marcos. Tanto no 2º Evangelho quanto no 1º (conferir com Mt 19:13-15; Mc 10:13-16), a perícope anterior nestes livros trata da questão do divórcio. Aqui, porém, a experiência parece dar continuidade ao ensinamento discipular da parábola do fariseu e do publicano, a qual abordamos no último estudo bíblico deste blogue.

Nosso Senhor, além de valorizar a experiência do pecador arrependido (das pessoas conscientes de não terem nenhum mérito moral diante do Pai), encontra nas crianças de colo uma figura capaz de representar o comportamento ideal de quem quer buscar o Reino de Deus. E, com isto, o Mestre mostra aos seus seguidores a importância de acessibilidade no grupo que depois se tornaria a sua futura Igreja.

Como se lê no texto em comento, as crianças foram trazidas a Jesus para que ele as tocasse, o que, certamente, era um gesto litúrgico indicativo de identificação e de comunhão na vida comunitária judaica de seu tempo. Em Marcos e em Mateus, o autor sagrado chega a dizer que se tratasse de uma imposição de mãos, o que só vem confirmar tal suposição. Mas os discípulos, ainda aprendizes dos ensinamentos do Reino, estavam de alguma maneira impedindo a aproximação dos pequeninos e criando obstáculos. Talvez repreendendo as mães dos menores porque, provavelmente, eram elas que estariam trazendo os filhos para perto do Mestre.

A lição que podemos extrair daí é que a Igreja deve ser um lugar de aproximação e de comunhão para todos, sejam pecadores, pobres, mulheres, deficientes, homossexuais, ex-presidiários, dependentes químicos e crianças. Ninguém deve ser desligado os afastado de nossas comunidades eclesiásticas! Se na parábola do fariseu e do publicano, a estrutura inacessível do Templo judaico promovia uma sensação de distanciamento para o coletores de impostos, considerados indignos pela profissão exercida, o mesmo não pode ocorrer no nosso ambiente, o qual precisa tornar-se verdadeiramente acolhedor. Os discípulos careciam desenvolver uma pureza que não discrimina e nem condena, livres da hierarquização, dos autoritarismos, dos machismos ou de qualquer outro comportamento excludente.

Ao afirmar que das crianças é o Reino, o Mestre também desejou que os discípulos adquirissem o entendimento sobre quem deve ocupar o centro do ministério eclesiástico. O objetivo deverá ser sempre o de servirmos as pessoas, cuidarmos do nosso irmão e termos uma preocupação especial para com os indivíduos mais frágeis. Assim, inegavelmente, o infante simbolizaria o ser que, devido à sua condição, só tem a receber de nós sem nada poder retribuir imediatamente, dando um trabalhão para os pais ou tutores.

Numa abordagem mais literal, podemos questionar como anda o ministério infantil dentro de nossas igrejas? Será que estamos realmente atentos às necessidades espirituais e educacionais das nossas crianças?

Infelizmente, em muitas congregações, os trabalhos com as crianças costumam ficar dentro dos limites da superficialidade. Como a agitação delas incomoda a condução do culto, o corpo de liderança eclesiástica prefere em diversas vezes entretê-las numa salinha à parte enquanto os pais permanecem no auditório da casa ouvindo a pregação dos pastores até a reunião terminar. A prioridade acaba sendo mesmo os adultos já que estes são os principais "clientes" dos templos modernos. Deste modo, a atenção dada nas classes infantis de escola bíblica é quase sempre mínima e insignificante de modo que há pastores esquecidos daquela conhecida orientação do Livro de Provérbios onde o texto nos diz:

"Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele." (Pv 22:6)

Num país com tantos meninos e meninas carentes da atenção familiar, muitos deles soltos pelas ruas experimentando até a droga do crack, as igrejas estão negligenciando com o evangelismo. Temos jogado fora a oportunidade de construirmos um país diferente amanhã e influenciarmos na formação dos futuros adultos. Por que não oferecermos nas comunidades carentes um trabalho de educação complementar gratuito capaz de proporcionar atividades físicas e esportivas, aulas de reforço escolar, um estudo bíblico diário esclarecedor e momentos de lazer saudável para todos independentemente da religião dos pais? Se o Estado e a família têm falhado com os seus papeis, a Igreja não só pode como deve preencher este vácuo.

No versículo 17, quando Jesus fala de recebermos o Reino "como uma criança", afim de entrarmos nele, nosso Senhor fez dos pequeninos mais do que um modelo para os verdadeiros crentes. Se na parábola do fariseu e do publicano, este reconhecia não possuir nada para barganhar com Deus, o mesmo podemos constatar em relação à utilidade das crianças de colo, seres ainda incapazes de trabalhar e que dependem totalmente da nossa gratuidade.

Compreende-se que o Reino nunca vai ser de um grupo seleto de santos que aparentam ser fieis no cumprimento rigoroso dos preceitos bíblicos a ponto de se afastarem do convívio social só porque não podem se "contaminar com as coisas do mundo". Quem quer se converter realmente precisa renunciar a esse status de separado e de superior por ser um sujeito praticante de regras morais ou frequentador assíduo de cultos religiosos.

Na parábola do fariseu e do publicano, Jesus havia falado da necessidade do homem se humilhar ou rebaixar a si mesmo (verso 14). E, neste sentido, a metáfora de recebermos o Reino como uma criança vai nos levar à ideia de um esvaziamento de nós mesmos até que sejamos essencialmente humanos. Devemos, assim, procurar nos despir de todo orgulho, dos interesses egoístas, do apego às riquezas, das preocupações inúteis com o amanhã, da reputação construída perante terceiros, da vaidade dos diplomas e até dos poderes relativos a um ministério religioso no meio da congregação. Pois, lamentavelmente, tudo isso são coisas que nos privam de experimentar a felicidade do Reino porque sufocam aquela criança ainda existente no nosso interior.

Que possamos reencontrar essa criança que um dia se perdeu dentro da gente e voltarmos a brincar novamente nos playgrouds da vida! Só assim é que estaremos indo a Cristo e permitindo que outras pessoas aproxime-se também. Somente nos soltando vamos reencontrar o prazer na alegria do pequenino compartilhando todos da mesma celebração festiva que é a experiência maravilhosa do Reino.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro Jesus abençoando as criancinhas do artista alemão Bernhard Plockhorst (1825-1907). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jesus_Blessing_the_Children.jpg

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