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terça-feira, 3 de setembro de 2013

"Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado"



A parábola conhecida como a do "filho pródigo" (Lc 15:11-32) é uma das mais comentadas do Novo Testamento, sendo uma fértil fonte de inspiração para inúmeros romances da literatura mundial. Ela também nos mostra a visão do nosso relacionamento gracioso com Deus que, neste célebre ensino bíblico, é representado por um pai que tinha dois filhos (verso 11).

Dentro do contexto literário do capítulo 15 do Evangelho de Lucas, Jesus havia sido criticado pelos religiosos de sua época porque recebeu todos os pecadores, não se importando em sentar-se com eles à mesa para comer (versos 1 e 2). Em resposta, o Mestre conta-lhes três histórias incríveis: a da ovelha e da moeda perdidas e a do filho pródigo.

As duas metáforas já foram analisadas no artigo Deus busca o pecador arrependido. Tratarei agora de comentar apenas alguns aspectos da terceira parábola numa análise contextualizada e direcionada para este estudo sequencial do 3º Evangelho que tenho feito desde junho do corrente ano, reconhecendo que há muito mais para ser desenvolvido e aprofundado apenas sobre o filho pródigo.

O primeiro detalhe que muito me chama a atenção é o pedido de partilha antecipada do filho mais novo (v. 12). Estando o pai ainda vivo, ele requer a sua parte na herança, deixa para trás a fazenda da família e vai em busca dos prazeres numa terra distante. Tal pedido pode ser visto como uma enorme ofensa porque o rapaz trata o seu genitor como se ele já tivesse sido morto e enterrado. Em outras palavras seria como se ele houvesse falado mais ou menos assim:

"Pai, o senhor morreu pra mim e eu não vivo mais para o senhor daqui por diante. Não quero mais ser seu filho! Dê o capital equivalente à minha parte na herança para eu ir embora deste lugar."

Certamente que o pai poderia ter recusado aquele pedido do filho e o repreendido duramente. Talvez isto fosse o que muitos pais e mães fariam hoje, ainda mais no trato com crianças ou adolescentes menores de idade. Só que, conforme a história, presumimos que o rapaz já fosse homem feito. Caso negasse a partilhar os bens, o pai estaria enganando a si mesmo, perdendo a oportunidade de conquistar o coração daquele jovem obstinado. Teria-o na sua companhia, porém completamente contrariando, estagnado evolutivamente e esperando ansiosamente pelo dia em que se tornaria órfão paterno.

Creio que Deus também age assim conosco. Ele quer que sejamos capazes de descobrir a beleza de seu amor por nós. O Pai Celestial não nos obriga a amá-Lo! De jeito nenhum! Se o homem resolve afastar-se do seu Criador, Ele assim permite e os céus vão chorar pela partida de um filho.

"Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente [com esbanjamento]. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas [ou vagens] que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada." (Lc 15:13-16; ARA)

No período dissoluto de sua vida, o filho pródigo experimentou a dor longe de casa. A parábola ignora os detalhes sobre como teria sido a gastança dos bens sendo certo que, após o prazer transitório do pecado, nenhuma lembrança será capaz de saciar a nossa alma. Passamos a ter novas necessidades no meio de falsos amigos, os quais não se importarão com os nossos anseios verdadeiros e ainda sofreremos a vergonha, a exploração, a humilhação e o desprezo das pessoas nas nossas horas difíceis. Na história, até os porcos eram mais bem cuidados do que um trabalhador estrangeiro (v. 16).

Pois bem. O filho pródigo precisava conhecer a hostilidade desse mundo de ilusões para aprender a dar valor ao amor e ao caráter de seu pai. O sofrimento não serviu para puni-lo, mas veio como uma chance de auto-reflexão. Foi trabalhando num chiqueiro e desejando fartar-se da ração dos animais que ele caiu em si reconhecendo a sua indignidade e tomou a acertada decisão de voltar para a casa paterna. Mesmo se fosse para servir como um empregado na propriedade da família, ainda alcançaria uma condição melhor do que permanecer no país onde se encontrava (vv. 17-19).

Lindo e emocionante é o reencontro entre pai e filho! Ao ver o jovem retornando, mesmo estando ainda longe, o sentimento daquele pai não foi outro senão o da compaixão. Não havia nem ira, nem mágoa, nem rancor, nem soberba ou altivez no coração daquele homem bondoso. E, embora não fosse digno da época um senhor de idade levantar suas vestes e correr, tal pai não se importou com essas formalidades culturais tolas pelo que resolveu encurtar as distâncias apressando-se na direção do filho. Só interessava-lhe naquele momento estar com seu caçula para abraçá-lo e beijá-lo.

"E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou." (v. 20)

Meu amigo e minha amiga, saiba que, ao decidir-se voltar para Deus, há um caloroso abraço te aguardando. Nosso amado Pai Celestial não irá lhe pedir contas do que você fez ou deixou de fazer afim de acusá-lo(a). Ele só quer o seu coração e lhe dará um tratamento digno. Os seus pecados Deus lança no mar do esquecimento. Aleluia!

Diante da presença paterna, o filho espontaneamente confessa ter errado (v. 21), mas não interessa ao pai ficar remoendo o passado. É o presente que importa e pela primeira vez o coração daquele jovem havia se voltado para o seu genitor. Por isso, sua resposta é dada por meio de atitudes positivas em relação ao filho. O pai manda então aos servos que trouxessem depressa a melhor roupa para vesti-lo, colocassem um anel no seu dedo e sandálias para calçar os pés afim de que o retorno à casa paterna ocorresse de maneira honrosa. E para comemorar, resolve fazer uma grande festa com churrasco, preparado com carne de bezerro como jamais fizera.

Podemos ver nessa conduta paterna o seu tácito perdão de uma maneira completa. Ele se mostra disposto a restaurar o relacionamento perdido e a volta do filho torna-se um motivo de alegre celebração naquela casa. As razões são expostas no versículo 24 que inspiraram o título dessa postagem.

"porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se." (v. 24)

Entretanto, aquele pai tinha mais um filho e deste outro o Evangelho também não o esquece. O irmão mais velho encontrava-se no campo trabalhando quando o pródigo retornou e, certamente, não presenciou o reencontro. E ainda bem que estivera ausente naquele momento tão grandioso pois dizia respeito a algo que ele ainda não compreendia.

Como se pode ver pela leitura dos versos 25-32, o primogênito não havia achado sentido na música e na dança. Sentiu-se indignado e não quis participar do banquete oferecido pela volta inesperada do irmão. Tal recusa fez com que o pai se preocupasse em reconciliá-lo.

Sem dúvida que a atitude do filho mais velho serviu para ilustrar o posicionamento dos fariseus quanto à recepção dos publicanos e pecadores por Jesus. Tratava-se do mesmo comportamento dos religiosos de todos os tempos, inclusive dos cristãos de hoje e daqueles que, por já estarem numa igreja, perderam a consciência de uma prodigalidade passada, a ponto de esquecerem-se da graciosa natureza da relação entre o homem e o seu Criador. Por isso, o rapaz resolve cobrar o reconhecimento de seu mérito fazendo menção aos anos de serviços prestados, agindo mais como servo do que como herdeiro:

"Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado." (vv. 29-30)

Ora, a crença do irmão mais velho era que seu relacionamento baseava-se numa troca. Curioso que ele fala do desperdício dos bens do caçula com as meretrizes, as quais só transam sexo se o cliente lhes der dinheiro e este só paga se receber o que contratou. Porém, o amor divino jamais pode ser comparado ao meretrício! O sentimento do nosso Criador pela sua obra-prima (o homem) é totalmente gratuito. Tudo o que Ele tem nos é dado/compartilhado. Inclusive a vida de cada um.

Ao nascermos, somos incomparavelmente amados porque passamos a existir como fruto do desejo de Deus e dos nosso pais. No pecado, continuamos sendo amados. Quando voltamos para o Eterno, seu amor permanece sem nos pedir contas dos erros cometidos. E, no serviço obediente, basta não perdermos a consciência desse amor.

Algumas pessoas chegam a achar injusta a parábola, mas tenho para mim que quem assim julga não está conseguindo compreender o ensino de Jesus e a própria gratuidade da vida. Muitos na religião não sabem porque estão servindo a Deus! Rezam, vão aos cultos, ofertam valores e até pregam sobre a Bíblia porque acreditam ser recompensados por agirem assim. Desconhecem o fato de que o serviço é algo que faz parte do nosso sentido existencial, mas nunca será uma condição para sermos mais amados pelo Pai celestial que nos criou do nada.

A resposta do pai ao filho mais velho vem repetir o que fora dito no citado verso 24. O irmão mais moço "estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado" (v. 32). Aquilo já era um motivo para celebrar e o churrasco era para ambos os filhos e toda a família, não só para um deles. Toda aquela festa só fazia sentido com a reunião dos dois sendo certo que a totalidade dos bens já pertencia ao primogênito por direito em razão do adiantamento da legítima.

Como vimos no estudo sobre o capítulo 14, Jesus não recusou comer o pão do Shabat na casa do fariseu. Ali o Mestre pregou para aqueles religiosos que também eram filhos. No capítulo 15, aprendemos que é preciso também ter compaixão, o que foi o mesmo sentimento do pai em relação ao filho mais novo. E, infelizmente, nem sempre os igrejeiros têm a visão desse relacionamento gracioso entre a humanidade e o Autor da Vida.

Nós que hoje estamos servindo a Deus devemos adquirir também esse entendimento. Não precisamos sair pelo mundão, gastarmos tudo na gandaia para depois, no fundo do poço, voltarmos arrependidos. Só temos que ter sensibilidade e abertura para a ilimitada graça restauradora do bendito Criador. Se um irmão volta para o Pai, o nosso papel será sempre o de acolhê-lo e entrarmos no banquete celestial junto com os anjos porque uma alma foi resgatada da escuridão. Aleluia!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro A Parábola do Filho Pródigo (1651) do artista italano Giovanni Francesco Barbieri (1591-1666), conhecido também como Guercino. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Prodigalsonguercino.jpg

3 comentários:

  1. Amigo Dr Rodrigo Luz, Vs está quase chegando lá! Não dificulte o caminho é preciso penetrar no Deserto (Cristo) ou na Mata (Buda e Orumilá).

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    1. Olá, amigo.

      Para facilitar mais a caminhada, é preciso penetrar dentro, no coração que é o centro dos desejos, anseios e emoções do homem. É buscar em nós mesmos a realidade positiva que Jesus chamou de "Reino de Deus":

      "Por que o reino de Deus está dentro de vós" (Lc 17:20)

      Abraços.

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    2. "Porque o reino de Deus está dentro de vós" (Lc 17:20)

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