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domingo, 1 de setembro de 2013

Deus busca o pecador arrependido!




O capítulo 15 do Evangelho de Lucas apresenta-nos três parábolas que falam sobre o perdão/aceitação dos pecadores. Tratam-se das metáforas da ovelha e da moeda (dracma) perdidas, bem como do filho pródigo. Todo o contexto é explicado pelos dois primeiros versos sobre a recepção dos pecadores por Jesus:

"Aproximaram-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles." (Lc 15:1-2; ARA)

Como já vimos nestes estudos sequencias sobre o 3º Evangelho, Jesus já havia sido criticado pelos religiosos de sua época por ter comido com os publicanos num banquete na casa de Levi (5:29-32), um de seus discípulos convertidos que, imediatamente, deixara a coletoria de impostos para seguir o Mestre. Aliás, o Senhor lhes respondeu na ocasião que não veio chamar os justos, "e sim os pecadores, ao arrependimento". E, novamente, a polêmica é posta em debate pelas penas do autor sagrado em que Jesus nos ajudará a entender as coisas na perspectiva misericordiosa de Deus, por meio de seus iluminados ensinamentos metafóricos, afim de que seus ouvintes abrissem o entendimento.

As parábolas da ovelha e do dracma perdidas são praticamente idênticas sendo que a do filho pródigo nos oferece um maior detalhamento ainda que trate também do mesmo tema. Por tal motivo, deixo para comentá-la posteriormente num outro tópico e falar agora apenas sobre as duas primeiras na atual postagem:

"Então lhes propôs Jesus esta parábola: Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo. E, indo para a casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento. Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. E vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende." (Lc 15:3-10)

Curioso Jesus usar aqui os exemplos de um pastor e de uma dona de casa, um homem e uma mulher comuns, tal como fizera nas já estudadas parábolas do grão de mostarda (13:18-19) e do fermento (13:20) para explicar a dimensão do Reino de Deus (conferir artigo Um começo bem pequenininho...). Implicitamente podemos ver aí o papel colaborador de ambos os sexos atuando igualmente na recuperação da pessoas excluídas e marginalizadas como pastores das comunidades.

Para os mestres religiosos da época de Jesus, falar aos pecadores sobre a misericórdia divina oferecida a eles, caso se arrependessem, ainda era algo admissível. Friamente os fariseus já faziam isso. Só que a aproximação que o Mestre estabelecia com as pessoas perdidas era tão forte que nosso Senhor nem se incomodava de sentar à mesa com elas. À ceia na casa do fariseu (capítulo 14) contrapõe-se a refeição acolhedora com os publicanos.

Pode-se dizer que havia um enrijecimento por parte daqueles religiosos que não se consideravam destinatários da pregação do arrependimento a ponto de terem recusado passar pelo batismo de João (7:30). A si mesmos consideravam-se suficientemente justos praticando um auto-engano.

As parábolas de modo algum dizem que Deus apenas se preocupa com quem se encontra ao nosso ver perdido, mas, sim, com aqueles que têm a consciência da necessidade de arrependimento. Dos que não negam a condição de pecadores e preferem confiar na infinita graça do Pai Celestial para serem aceitos, deixando de lado os méritos pessoais.

Quem se encontra longe do grupo das ovelhas tem mais facilidade de ver a si mesmo como perdido. Observemos que, na parábola da ovelha, as noventa e nove estariam "no deserto" (verso 4) e não guardadas num curral. O pastor não as deixa numa região de pastagens, mas num lugar onde elas precisariam receber a orientação do cuidador para saírem de lá e voltarem para casa. Corriam o risco de serem atacadas por lobos, mas não tinham a consciência desse perigo. Talvez porque estivessem em bando tal como muitos crentes agem substituindo a Divina Presença pela congregação.

Fico a indagar se um outro título para a parábola não poderia ser escrito no plural: As ovelhas perdidas. Ou, quem sabe, A ovelha encontrada já que as demais estariam em igual situação?

Pergunto também: será que a centésima ovelha não se perdeu justamente porque percebeu que estava longe de casa, transitando por um lugar deserto, e, por isso, resolveu procurar o caminho de volta confiando no seu faro igual a muitos que deixam para trás suas congregações religiosas?

Interessante também é a parábola da dracma perdida que era uma moeda grega equivalente a um denário romano, o qual, por sua vez, correspondia à diária paga a um trabalhador. Contudo, no contexto de uma dona de casa, aquele dinheirinho possivelmente representasse a economia da vida inteira de uma mulher com seus baixos rendimentos dentro de um mundo predominantemente masculino. A condição feminina era quase igual a de um escravo! E, sendo assim, a moeda teria mais valor para elas do que para os homens que ganhavam absurdamente mais. Tanto é que são as amigas e as vizinhas que encontram sentido na comemoração da dona de casa pelo que havia sido encontrado.

Há outro detalhe na segunda parábola a ser destacado. É que a moeda é perdida dentro da casa da mulher. Provavelmente deve ter caído em qualquer lugar oculto da residência por causa de uma arrumação feita no lar pela própria dona do dinheiro. E, neste sentido, não posso deixar de lembrar sobre a existência de pessoas perdidas dentro das nossas congregações, o que também se aplicaria a algum religioso caso se arrependesse. Mesmo na Igreja alguém pode vir a sofrer de incompreensões, não se sentir à vontade para compartilhar seus conflitos sem achar um ombro amigo para dialogar. Os próprios pastores podem não ter sido atenciosos, faltado com a receptividade e usado de um moralismo excludente, afastando mais ainda a pessoa do grupo. Ou então, ela se enrijece a tal ponto dentro de um bom ambiente tornando-se legalista, amargurada e insensível. Em qualquer dos casos, é preciso lembrar que aquele membro da comunidade existe, procurar iluminadamente compreender o motivo de seu afastamento, promover com diligência uma faxina ética em todo o meio doméstico e ouvirmos pacientemente sem pré-julgamentos morais, mas agindo com o devido amor. Amarmos até calados, se preciso for.

Nos dois contos de Jesus, ele fala sobre uma alegria no céu que, na metáfora do filho pródigo, será representada por um banquete na fazenda do pai. Na história da ovelha perdida, ela é a causa de todo o júbilo já que as outras noventa e nove não reconheciam a necessidade de se arrepender (v. 7). E, na parábola da moeda, o Mestre fala nos "anjos de Deus", isto é, nos espíritos que assistem diante do Pai e enxergam a nossa realidade existencial sob uma perspectiva diferente de quem se encontra na realidade terrena. Pois, na ótica celestial, o pecador arrependido deu um passo além do que os demais em sua caminhada evolutiva passando de nível. Já as noventa e nove ovelhas permaneceram estagnadas no deserto, conformadas pela religiosidade meritória.

Para poder concluir quero compartilhar algo muito iluminado que li no livro Tenha um pouco de fé de Mitch Albom (mesmo autor de A última grande lição), publicado no Brasil pela editora Sextante. Em suas páginas, o escritor judeu nos fala um pouco sobre a história real de Henry Covington que se tornou pastor na automobilística cidade norte-americana de Detroit, tendo se direcionado para acolher moradores de rua. Ex-traficante e ex-dependente químico, ele desenvolveu o seu ministério num prédio em ruínas abandonado que pertenceu a uma rica igreja presbiteriana do século XIX, situado bem no centro urbano. E chamou a minha atenção a maneira como que tais pessoas eram incondicionalmente aceitas, sem sofrerem preconceitos ou repressão por mais que ainda estivessem presas aos vícios:

"Antes que o tempo esfriasse, ocasionalmente Henry cozinhava numa grelha do lado de fora da igreja: frango, camarão, qualquer coisa que doassem. Dava a qualquer um que estivesse com fome. Às vezes ele até pregava em cima de um pequeno muro de concreto meio desmoronado, do outro lado da rua.
- Espalhei a palavra de Deus tanto de cima daquele muro - disse Henry um dia - quanto de dentro da igreja.
Por quê?
-Porque algumas pessoas não estão preparadas para entrar. Talvez sintam-se culpadas, por causa do que estão fazendo. Por isso, vou até lá, levo sanduíches para elas.
Tipo entrega a domicílio?
-Ah, sim. Mas algumas das pessoas que vêm aos domingos até usam.
Está brincando. Durante o culto?
-Aahh, é. Eu olho direto para elas. Dá para ver aquela cabeça balançando, chacoalhando, e eu logo penso: 'Ã-hã, alguém usou alguma coisa forte.'
Isso não o incomoda?
- De jeito nenhum. Sabe o que digo a eles? Não me importa se você está bêbado ou acabou de sair da boca de fumo, não me importa. Quando estou doente, vou ao hospital. E se o problema continuar, vou de novo. Assim, independentemente do que estiver fazendo mal a você, que esta igreja seja o seu hospital. Até você se curar, não pare de vir."
(Págs. 150-151)

Temendo, não é? Pois, sinceramente, não vejo como os ensinos de Jesus deixarem de ser aplicados também aos que são ministros do Evangelho. Através de exemplos atuais tão fortes como os deste pastor, consigo entender o porquê de Jesus ter escolhido para o discipulado homens humildes, muitos deles pecadores confessos como o publicano Mateus (Levi). Dificilmente um religioso fariseu, ou um teólogo mestre da Lei, teria tanto desprendimento para ir atrás de quem se perdeu. Reconheço que eu não teria a mesma disposição/capacidade de cuidar dos viciados. Só quem viveu o problema sabe!

Talvez aí esteja um grande motivo para que nós, as noventa e nove ovelhas, venhamos a cair em nós mesmos buscando o necessário arrependimento. Podemos não beber, nem fumar, transarmos somente com nossas esposas, sermos honestos com as finanças declarando corretamente o imposto de renda, não roubarmos e darmos o dízimo até dos centavos recebidos. Só que, coletivamente, a Igreja ainda falha pela sua falta de receptividade quanto ao pecador, deixando de dar continuidade à construção do Reino. Os projetos por aí existentes e que são voltados para a recuperação de dependentes químicos nem sempre recebem a devida ajuda/atenção. Seja esta financeira ou de voluntários já que o dinheiro de muitas denominações tem ido mais para a edificação de templos e seus membros preferem esquentar os bancos, frequentando "cultos" que façam suas mentes se sentirem melhores.


OBS: As duas imagens acima tratam-se de gravuras do artista holandês Jan Luyken (1649-1712) utilizada para ilustrar as parábolas da Ovelha Perdida e da Moeda Perdida na Bíblia Bowyer. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em que a autoria da foto é atribuída a Phillip Medhurst oriunda de Harry Kossuth.

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