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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O veto popular deveria ser instituído no Brasil assim como precisamos aperfeiçoar a democracia participativa!



Não faz tanto tempo, tramitaram no Senado Federal duas proposta de emenda à Constituição pretendendo instituir novos mecanismos de democracia participativa semidireta. Tratava-se do veto popular a projetos aprovados pelos parlamentares e o recall (ou o direito de revogação) em que este possibilitaria aos eleitores a revogação de mandato eletivo de políticos. 


No entanto, a primeira PEC de n.º 80/2003 acabou sendo arquivada ao final da 54ª Legislatura, mais precisamente em 26/12/2014. E, por sua vez, a PEC n.º 21/2015, cessou a sua tramitação em 21/12/2022.


A meu ver, foi um erro o legislador ter juntado na mesma proposta sobre o veto popular o polêmico recall, algo capaz de por em chamas a nossa República. Inclusive porque a PEC n.º 21/2015 acabou suscitando discussões sobre como seria a revogação do mandato do Presidente da República a ponto de uma senadora do Amazonas, a Vanessa Grazziotin, haver proposto uma emenda, defendendo acrescentar à Carta Magna o artigo 86-A para cuidar especificamente da questão.


Outrossim, os autores de ambas as propostas erraram por não terem esclarecido no que consistiria o instituto do veto popular de modo que a normatização se tornou insuficiente, como bem chegou a observar o relator da CCJ, senador Antonio Anastasia, sem maiores aprofundamentos sobre o tema já que o recall despertou mais atenção e precaução, sem que os senadores membros da comissão o tivessem descartado.


Como se sabe, além da escolha de representantes por meio do voto, estão previstos atualmente no artigo 14 da Constituição Federal como meios de participação no processo político o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. No entanto, o constituinte originário fez a sua escolha por não acolher na época o veto popular, apesar de algumas vozes, como o saudoso deputado João Amazonas (1912 — 2002), terem defendido o instrumento como uma forma democrática em que o povo exerce o seu poder sobre as casas legislativas.


Ora, com base nos esclarecedores ensinamentos sobre Teoria Geral do Estado do eminente professor da USP, Dalmo de Abreu Dallari, pode-se dizer que o veto popular seria a oportunidade que os eleitores têm, após à aprovação de um projeto legislativo, durante um determinado período de tempo, de requerer que a matéria seja submetida a uma consulta popular. Ou seja, a lei não entra em vigor antes de decorrido tal prazo e, desde que haja a solicitação de um certo número de cidadãos, a proposição permanecerá suspensa até o próximo pleito quando então o colégio eleitoral decidirá se a norma aprovada pelo legislador entrará em vigor ou não.


Certamente deve ser dado ao povo o poder de fiscalização das leis e não somente ter a possibilidade de propor projetos legislativos, o qual, diga-se de passagem, é bem restrito e dificultoso. Assim sendo, podemos dizer que o veto popular traduz-se na possibilidade de que uma parcela representativa de eleitores obrigue a realização de um futuro referendo, caso não estejam de acordo com a futura norma. Tanto é que doutrinadores norte-americanos o chamam de mandatory referendum


É lógico que, se o Brasil adotar o veto popular, a prerrogativa do Chefe do Executivo em vetar os projetos de lei deixará de ser exclusiva. Com isso, fica evidente que o modelo de processo legislativo estabelecido na Constituição Federal ficará alterado.


Todavia, pelo menos a nível nacional (e também no âmbito dos entes estaduais de dimensão territorial extensa), a tão desejada cidadania ativa só poderá de fato fluir se forem utilizados recursos tecnológicos para a captação e a transmissão das opiniões, sendo certo que a manifestação em favor do veto popular precisará ser até mais representativa do que na iniciativa. Atualmente, para o cidadão apresentar um projeto de lei, a Constituição Federal exige a assinatura de um por cento dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados da Federação sendo que, em cada um deles, é preciso, no mínimo, três décimos dos eleitores. 


Acredito que haveria muito mais projetos de iniciativa popular caso houvesse uma maneira mais facilitada para qualquer interessado coletar as manifestações de apoio, o que poderia ser feito por meio do próprio portal oficial da respectiva Casa Legislativa. Só que para isso seria necessário o cidadão ativar um cadastro válido no site da Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa ou da Câmara Municipal, por meio dos dados que seriam previamente fornecidos pela Justiça Eleitoral, com uma atualização permanente.


Desse modo, uma vez resolvida a questão tecnológica, permitindo um acesso identificado do cidadão aos portais das casas legislativas de seus municípios, estados e da Câmara dos Deputados, com a validação de uma assinatura digital, qualquer um poderia postar numa área específica do site tanto a sua proposta legislativa quanto a do veto popular. Com isso, os demais interessados poderiam aderir assinando digitalmente se acompanham ou não cada abaixo-assinado.


Atualmente sabemos que já existem plataformas privadas de petição online e meios de acessar áreas de participação popular nos portais públicos de algumas casas legislativas que permitem manifestar opiniões, responder consultas. Porém, para a minha perplexidade, verifiquei que, na própria Câmara dos Deputados, o usuário nem precisa ter conta no Legislativo para ingressar nessa área restrita, podendo iniciar a sessão pelo Google, pela Apple e até pelo Facebook.


Considerando que existem inúmeros perfis falsos nas redes sociais de internet, assim como notícias sobre "contas roubadas" por hackers invasores, como poderemos permitir a coleta de assinaturas digitais legítimas capazes de validar um pedido de veto popular para uma lei federal aprovada ser levada a um futuro referendo?! Pois se fosse para apenas apresentar ou apoiar uma proposta legislativa, eu nem teria tanta reserva uma vez que a via propositiva dependerá sempre de futura aprovação do Parlamento. Porém, o que esperar se um grupo político mal intencionado conseguir golpear o sistema com várias contas falsas no Google e no Facebook visando obstruir a vigência de uma lei urgente para o desenvolvimento do país?!


Certamente que o aperfeiçoamento da democracia participativa no país se faz com uma ampliação segura nos meios virtuais, porém não vejo atualmente tanta dificuldade para o exercício dessa cidadania ativa, exceto pela resistência daqueles políticos que ainda insistem em manter o povo dependente de representantes.


Quanto à necessidade de subscrição de um por cento dos eleitores para um projeto de iniciativa popular, entendo que o percentual exigido pela Constituição chega a ser algo elevadíssimo para tal finalidade pois poucos deputados conseguem alcançar representação em termos de votos. Inclusive, na atual legislatura, nem o Nikolas Ferreira e nem o Guilherme Boulos, os dois deputados mais votados e eleitos pelos maiores colégios eleitorais do país (Minas Gerais e São Paulo), de modo algum obtiveram mais de um milhão e meio de sufrágios. Logo, pode-se dizer que a exigência mínima coerente para a apresentação de um projeto de iniciativa popular deveria corresponder ao quociente eleitoral.


Já em relação ao veto popular, entendo que a exigência precisará ser muito maior do que os percentuais atualmente adotados pela Constituição quanto à iniciativa porque se trata de contrariar a vontade soberana da maioria dos parlamentares a fim de evitar a vigência imediata de uma lei. Por isso, o mínimo de dez por cento do eleitorado é que poderia ser considerado suficientemente representativo para tal finalidade.


Finalmente, deve-se aqui indagar se seria possível uma Constituição Estadual ou uma Lei Orgânica Municipal inovar quanto ao exercício da soberania popular mesmo divergindo do modelo central da Constituição Federal.


Ocorre que, como o veto popular altera modelo de processo legislativo estabelecido na Constituição Federal, de observância obrigatória para estados e municípios, pode ser compreendido que a inovação, no âmbito de qualquer um desses entes, seria inconstitucional. Isto é, enquanto o Congresso Nacional não promulgar uma emenda que, consequentemente, possa suprimir uma prerrogativa que é exclusiva do Presidente da República, não poderão os parlamentos locais conceder poder de veto a outro agente que não seja o Chefe do Executivo.

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