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sábado, 26 de setembro de 2020

Uma audiência pública sem público em Mangaratiba...



Na página 13 da edição n.º 1206, do Diário Oficial do Município de Mangaratiba, 18/09/2020, foi publicado o Edital de Convocação sobre a realização da Audiência Pública sobre a Demonstração e Avaliação do cumprimento das Metas Fiscais do 2° Quadrimestre do exercício de 2020 do Poder Executivo Municipal, em cumprimento ao disposto no Parágrafo 4° do Artigo 9° e no Artigo 48 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). No ato, assinado pelo prefeito, senhor Alan Campos da Costa, constou a informação de que o evento (já realizado no dia 25 de setembro de 2020) deveria ocorrer no Plenário da Câmara Municipal, com uma clara restrição na participação do público, inexistindo no texto qualquer informação de que a sessão pudesse ser transmitida na forma online, através de ferramentas que permitam uma interação com o público como os aplicativos Zoom ou Google Meet, excluindo o cidadão de poder participar durante os debates. Senão vejamos o que diz os itens “3” e “4” do documento:


“3. PARTICIPANTES: Audiências Públicas são eventos públicos que permitem a participação de qualquer pessoa ou entidade interessada no assunto objeto da discussão, no entanto, tendo em vista todo o compromisso da Administração Pública Municipal em reduzir a aceleração da difusão do novo coronavírus, bem como todos os decretos emitidos que tratam das medidas excepcionais restritivas adotadas no município, NÃO HAVERÁ participação presencial na presente audiência. Com isso, quaisquer dúvidas ou questionamentos acerca dos assuntos abordados, poderão ser encaminhados ao endereço eletrônico financas@mangaratiba.rj.gov.br para futuro esclarecimento.

4. DINÂMICA DA AUDIÊNCIA: Primeiramente, haverá a Abertura da Audiência Pública, seguida da leitura de toda pauta de indicadores das Metas Fiscais do quadrimestre em referência. Por fim, haverá o encerramento da Audiência Pública” - http://www.mangaratiba.rj.gov.br/novoportal/assets/cg/_lib/file/doc/arquivos/publicacoes/dom-1206.pdf  


No dia 19/09/2020, cheguei a enviar um e-mail à Secretaria Municipal de Finanças, ao endereço eletrônico indicado na convocação, com cópia para a Ouvidoria da Prefeitura, a fim de tratar desse assunto, solicitando que fosse feita uma transmissão virtual do evento com possibilidade de participação, porém, até o dia do evento, não obteve resposta.


Devido a isso, antes da realização do evento, encaminhei uma representação ao Ministério Público, por meio do protocolo da instituição, via e-mail, dirigida à 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Angra dos Reis, gerando o Procedimento MPRJ 2020.00686677.


Também antes da audiência, encaminhei, em 24/09/2020, outro e-mail à Secretaria de Finanças apresentando 15 questionamentos a respeito da situação do Município, pedindo para que fossem lidos na audiência e registrados em ata:


"1) O que foi feito pela Prefeitura de Mangaratiba, no 2º quadrimestre de 2020, a fim de reduzir os gastos excessivos com o pagamento de servidores comissionados, sendo que o Poder Executivo, pela sétima vez consecutiva, excedeu o limite máximo previsto na LRF?

2) Tendo em vista os vários questionamentos apresentados em audiências públicas ocorridas quanto aos três quadrimestres de 2019, inclusive os que foram feitos por mim, em que se questionou o número excessivo de servidores comissionados, por que, até o momento, a Prefeitura não reduziu esse excesso e não deixou de fazer novas nomeações, tendo, atualmente, um número absurdo de 2206 funcionários nomeados pela via comissionada, dos quais somente 04 seriam servidores efetivos, conforme a última atualização do Portal da Transparência Fly feita em 06/08/2020?

3) As nomeações feitas pelo prefeito, durante o segundo quadrimestre deste ano, foram, de fato, para cargos de chefia, assessoramento e direção ou, na prática tratam-se de servidores que têm exercido funções típicas de funcionários efetivos? Com quantos servidores comissionados exatamente o Poder Executivo terminou o segundo quadrimestre de 2020, considerando que a informação obtida pelo Portal da Transparência encontra-se desatualizada?

4) Quais as metas fiscais traçadas pelo Executivo Municipal para adequar os gastos com pessoal às exigências da LRF neste atual 3º quadrimestre de 2020? Tais metas já estão sendo colocadas em prática ou somente serão executadas após às eleições como bem havia denunciado recentemente o vereador presidente da Câmara Municipal que circulou pelas redes sociais?

5) O prefeito está ciente de que não pode violar o limite máximo de gastos com pessoal estabelecido na LRF? Esta Secretaria já o alertou de que o mesmo pode, inclusive, responder a uma ação civil pública de improbidade administrativa e que esta, se julgada procedente em segunda instância, poderá torná-lo inelegível?! Caso positivo, peço que seja informada a data da ciência, o número de algum ofício enviado, eventual resposta do gabinete com seu respectivo número de ofício e quem recebeu a informação de alerta endereçada ao Chefe do Executivo Municipal.

6) Em razão da pandemia por COVID-19, considerando os previsíveis cenários fiscais adversos no âmbito da Administração Pública Nacional (Federal, Estadual e Municipal), a Prefeitura de Mangaratiba já elaborou algum plano de contingenciamento financeiro, tendo em vista que a arrecadação deve diminuir? Caso positivo, favor informar o conteúdo desse planejamento.

7) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma vedação de celebração de novos contratos para a prestação de serviços de consultoria técnica por parte do Poder Executivo?

8) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma vedação de despesas de capital com recursos que dependam de fluxo financeiro do Tesouro municipal?

9) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma vedação de despesas com cursos, capacitações, treinamentos, participação em eventos, seminários e demais gastos similares, que tenham como fonte de financiamento recursos que dependam de fluxo financeiro do Tesouro municipal?

10) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma vedação de celebração de novos contratos de locação de imóveis? Por acaso os órgãos e entidades ocupam preferencialmente as estruturas próprias do Município? 

11) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma revisão dos contratos de fornecimento de materiais e de prestação de serviços buscando uma redução de valores? Caso positivo, informar quais os contratos em que houve revisão e em quais não houve, bem como qual o percentual de uma possível redução de gastos.

12) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma racionalização do consumo de água, energia elétrica e telefonia? Caso positivo, informar os atos praticados pela Administração Municipal nesse sentido e qual o percentual de uma possível redução de gastos.

13) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma racionalização na liberação dos materiais de consumo e itens de almoxarifado, a critério dos Secretários Municipais? Caso positivo, informar os atos praticados pela Administração Municipal nesse sentido e qual o percentual de uma possível redução de gastos.

14) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma suspensão das despesas com diárias, passagens áreas, transporte urbano, pedágio e demais gastos relacionados a viagens? Caso positivo, informar os atos praticados pela Administração Municipal nesse sentido e qual o percentual de uma possível redução de gastos.

15) Exceto quanto às questões relacionadas ao enfrentamento do COVID-19, houve alguma redução das despesas relacionadas à locação de veículos, consumo de combustíveis, peças e serviços para reparo de veículos automotores e gerenciamento da frota em geral? Caso positivo, informar os atos praticados pela Administração Municipal nesse sentido e qual o percentual de uma possível redução de gastos."


No dia 25/09/2020, compareci à Câmara Municipal de Mangaratiba, a fim de verificar como a audiência pública seria realizada, tendo, na ocasião, conversado com o novo secretário de finanças e com outros funcionários da Prefeitura, oportunidade em que sinalizei a respeito dos e-mails enviados para o órgão, pedindo para que as mensagens fossem lidas e consignadas na ata. Porém, não foi possível participar do evento, nem presencialmente ou através de videoconferência.



Ocorre que já se passaram mais de seis meses desde que as primeiras medidas de afastamento social foram adotadas por conta da pandemia por COVID-19, em meados de março deste ano, o que é tempo mais do que suficiente para as prefeituras passarem a realizar as suas audiências públicas e demais eventos na forma virtual.


Vale ressaltar que a Prefeitura de Mangaratiba já realizou, pelo aplicativo Google Meet, a Oficina Participativa de Elaboração do Plano de Manejo do Parque Natural Municipal da Pedra do Urubu, nos dias 28 a 30 de julho do corrente. Logo, é tecnicamente possível a transmissão de eventos como as audiências públicas previstas no § 4º do art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, viabilizando aos interessados que possam solicitar para participar, através do portal da Prefeitura, e/ou recebendo uma permissão do moderador da reunião, através de link no aplicativo WhatsApp ou e-mail, tal como já fez a Secretaria Municipal de Meio Ambiente há menos de dois meses, sendo que várias administrações municipais pelo país adotaram essa opção na pandemia quanto às audiências sobre as metas fiscais.





Embora nem todas as pessoas disponham de equipamentos eletrônicos e de acesso à internet, ou possuam conhecimentos suficientes de informática, deve-se permitir que haja a realização de audiência pública, acompanhada pelo meio virtual, a fim de que os interessados, em condições de participação, possam ter acesso à versão digital do Relatório de Gestão Fiscal, contendo o Demonstrativo da Despesa com Pessoal, publicado na edição n.º 1207 do DOM (desta vez com gastos elevadíssimos de 79,28% com o pagamento de pessoal), tendo a oportunidade de interagir virtualmente, sem, porém, excluir outros meios de participação como o envio de perguntas via e-mail para que, na mesma ocasião, sejam esclarecidos. Aliás, segundo o Portal da Transparência Fly, pela última atualização feita em 06/08/2020, seriam 2.206 servidores comissionados, dos quais somente quatro seriam efetivos (concursados)




Vale ressaltar que a participação do público não pode jamais ficar restrita ao envio de pedidos de esclarecimentos por e-mail para a Secretaria Municipal de Finanças, a qual deveria ter buscado todas as providências para ampliar a participação popular, ao mesmo tempo em que devem ser mantidas as medidas de isolamento social, uma vez que a pandemia por COVID-19 ainda não acabou.


Deve ser lembrado que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi inserida no ordenamento jurídico para estabelecer, de modo geral, normas de finanças púbicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Tratam-se, em linhas esparsas, de diversas regras para que o gestor público não comprometa a Administração Pública (no campo financeiro e orçamentário), com atos administrativos desvairados.


Dentre os mecanismos de controle fiscal inseridos na Lei de Responsabilidade Fiscal, temos a figura da Audiência Pública de Avaliação de Metas Fiscais que, de uma forma genérica, vem tratar da avaliação da receita/despesa e dívidas da Administração Pública. Constitui, pois, um meio importantíssimo de controle social


Ora, sabemos que essa audiência deve ocorrer de forma quadrimestral nos meses de fevereiro, maio e setembro. Na prática, a apresentação dos relatórios de execução orçamentária e consequente cumprimento das metas fiscais é realizada pelo Poder Executivo. Ou seja, são apresentados os resultados das receitas, despesas e dívidas, sendo que a obrigatoriedade do evento vem descrita de maneira expressa no art. 9º, parágrafo 4º, da LRF. Senão vejamos:


“Art. 9º Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. 

(...)

§ 4º Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no § 1 do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais.”


Deste modo, a Audiência Pública de Metas Fiscais, como o próprio nome sugere, tem por objetivo demonstrar o alcance das metas fiscais traçadas pelo Executivo que, uma vez planejadas, devem, em regra, ser cumpridas.


Pois bem. Não basta chegarmos ao final do exercício e o Poder Executivo, simplesmente, comunicar que a gestão não conseguiu atingir a meta por motivos X e Y! A intenção do legislador foi, justamente, proceder a um monitoramento (quadrimestral) da sociedade civil para que a Administração Pública não gaste mais do que arrecade como, de fato, vem acontecendo em todos os quadrimestres da atual gestão em Mangaratiba, tendo, no segundo quadrimestre deste ano de 2020, chegado a um percentual elevadíssimo de 79,28% com o pagamento de pessoal. Cuida-se, na verdade, do sétimo quadrimestre consecutivo que isso acontece, sendo o quinto quadrimestre exclusivo da administração financeiramente desequilibrada do prefeito Alan Campos da Costa.


Deve ser considerado que a avaliação do cumprimento das metas fiscais e a sua demonstração em audiência pública são fundamentais para os processos de planejamento e transparência que uma gestão fiscal pressupõe, objetivando o equilíbrio das contas públicas. Logo, a ausência da audiência pública implica cerceamento à necessária transparência da gestão fiscal do ente federativo, sendo que o mesmo entendimento se aplica à sua realização sem a presença e a participação interativa do público.


Registre-se que a Meta Fiscal é, claramente, um sinônimo de gestão, o que, no caso do Município de Mangaratiba, tem sido seriamente comprometido devido ao excesso de cargos comissionados existentes, como é de conhecimento do TCE-RJ, a exemplo de vários processos, dentre os quais as denúncias n.º 236.777-0/19 e n.º 238.264-7/19, já julgadas pelo Plenário da Côrte de Contas. 


Acrescente-se que o planejamento fiscal e o estabelecimento de determinadas metas a serem atingidas decorrem de um cenário futuro previamente desenhado, mas, ao que parece, a Prefeitura Municipal de Mangaratiba adotou uma conduta que caracteriza a evasão de um debate, próximo de uma época eleitoral, o qual permitiria expor ao público não haver o Poder Executivo alcançado as metas, bem como a mais completa falta de providências a esse respeito. Aliás, pelo contrário, ao invés de decretar um contingenciamento financeiro, o prefeito continuou nomeando pessoas durante a pandemia, como foi noticiado na denúncia n.º 209.399-4/20 ao TCE. 


Sendo assim, considerando que a audiência pública de metas fiscais é um mecanismo legal decorrente do princípio da publicidade, visando, sem dúvidas, trazer ao conhecimento da sociedade a forma como a Administração Municipal está gerindo o dinheiro público, não pode o Poder Executivo usar a pandemia como pretexto para restringir a participação popular, sendo que já existem meios que permitem uma transmissão à distância de eventos destinados à sociedade com a possibilidade do público interagir.


Nunca é demais recordar de que, numa interpretação mais ampla do Direito, a falta de audiência pública pode vir a caracterizar improbidade administrativa conforme prevê a Lei Federal n.º 8429/1992:


“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente

(...) 

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

(...)

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;” 


Por esses motivos acima apresentados, estou buscando uma solução através do Ministério Público a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis, obrigando a Prefeitura de Mangaratiba a promover a transmissão e a participação das audiências públicas obrigatórias sobre as metas fiscais, pelas ferramentas existentes no meio eletrônico. Pelo menos enquanto durarem as medidas de afastamento social impostas pelas condições da pandemia por COVID-19.


Ótimo final de semana a todos!

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