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terça-feira, 1 de outubro de 2013

"Imediatamente, tornou a ver e seguia-o glorificando a Deus"


"Aconteceu que, ao aproximar-se ele de Jericó, estava um cego assentado à beira do caminho, pedindo esmolas. E, ouvindo o tropel da multidão que passava, perguntou o que era aquilo. Anunciaram-lhe que passava Jesus, o Nazareno. Então, ele clamou: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! E os que iam na frente o repreendiam para que se calasse; ele, porém, cada vez gritava mais: Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Então, parou Jesus e mandou que lho trouxessem. E, tendo ele chegado, perguntou-lhe: Que queres que eu te faça? Respondeu ele: Senhor, que eu torne a ver. Então, Jesus lhe disse: Recupera a tua vista; a tua fé te salvou [ou a tua fé te fez bem]. Imediatamente, tornou a ver e seguia-o glorificando a Deus. Também todo o povo, vendo isto, dava louvores a Deus." (Evangelho de Lucas, capítulo 18, versículos de 35 a 43; versão e tradução ARA)

A cura do cego de Jericó é considerada um dos últimos milagres operados por Jesus, conforme registrado pelos evangelistas sinóticos. Pelo menos podemos afirmar isto quanto ao seu ministério pois, no momento da prisão do Senhor, o nosso Mestre ainda vai curar a orelha direita do servo do sumo sacerdote cortada pela espada de um de seus discípulos (Lc 22:49-51).

Como havia escrito no nosso último estudo bíblico aqui do blogue, quando os doze apóstolos não tinham ainda compreendido o sentido das palavras do Senhor quanto à sua morte e ressurreição (18:34), o episódio em comento da cura do cego de Jericó vem então ilustrar a falta de percepção daqueles discípulos. O autor sagrado do 3º Evangelho narra a ocorrência do milagre logo em seguida ao tal anúncio e a sequência dos fatos ali apresentados sempre serão importantes para que possamos construir uma adequada interpretação contextual das Escrituras. E esta é uma orientação hermenêutica que não desprezo.

Entretanto, vejo mais coisas interessantes nesta passagem de Lucas que podem ser observadas somente pela leitura dos versos acima. Prestemos a atenção no comportamento das multidões e do cego! Este, embora estivesse vivendo na mendicância por causa de sua deficiência física, não parecia conformar-se com aquele estado, querendo voltar a ver. O homem desejava saber as coisas que se passavam em sua volta e foi o que fez perguntando quando a multidão estava vindo pelo caminho de Jericó.

Os que lhe respondem dizem ser Jesus, o Nazareno, quem passava. Porém, para ele, o Mestre representava ser muito mais. O cego, mesmo sem enxergar fisicamente, compreendia algo acerca do Senhor que nem toda a multidão talvez fosse capaz de perceber. Apenas com a faculdade auditiva em funcionamento, ele já tinha sido suficientemente informado sobre quem seria o tal pregador de boas-novas vindo da pequena cidade de Nazaré, lá das roças da Galileia, chegando assim às próprias conclusões de que se trataria do sucessor de Davi, o tipo de Messias esperado pelo povo judeu.

A hora era aquela! Não dava para esperar por outra chance! O cego anônimo que, em Marcos 10:46, era conhecido como Bartimeu ("filho de Timeu"), começa a gritar por Jesus no meio de toda aquela gente. Ele não se importou se seria feio ou bonito agir daquela maneira diante do público e decidiu lutar pelo que mais queria e necessitava. Teve também que escolher entre ganhar mais uns trocados pedindo esmolas, no meio da grande multidão que por ali passava (talvez juntasse até alguns denários daquela vez), ou tentar sair de vez daquela condição apostando todas as fichas na fé. Preferiu assim algo humanamente impossível de modo que a sua atitude demonstrou que ele nunca havia desistido de sonhar.

Quantas vezes não desanimamos facilmente quanto aos sonhos de Deus para nós, hein meus irmãos?!

Embora o homem estivesse com os seus olhos espirituais bem abertos, aquela multidão permanecia cega quanto às necessidades de seu próximo, mesmo seguindo literalmente os passos de Jesus. Não tiveram a mínima compaixão de um portador de necessidades especiais que se achava numa indigna situação de indigência. Queriam que o cego se calasse e ainda o repreendiam/ameaçavam. Só que para ele Jesus não era insensível como aquela turba. O Filho de Davi haveria de ter misericórdia dele!

Sob certo aspecto, podemos identificar essa multidão com a Igreja e o cego com o modelo de cristão verdadeiro. Quantas vezes a Igreja não ignora as necessidades dos mais humildes e dos que sofrem, chegando a se corromper com os poderosos desta Terra?! Sabemos pela história eclesiástica que os líderes religiosos, por inúmeras ocasiões, preferiram ficar do lado dos reis e dos ricos do que sofrerem juntos com a população miserável. Só que a atitude dos que "iam na frente" (v. 39) não foi capaz de arrebatar a fé daquele cego. Ele prestava a atenção em Jesus e não no comportamento da massa. Era um "cristão, apesar da Igreja", conforme diria o Philip Yancey, autor de um livro que leva este título e que citei no último estudo bíblico.

Na atualidade em que ouvimos falar de escândalos envolvendo padres/pastores que são ladrões, pedófilos, estupradores e até ligados ao tráfico de drogas, posso dizer que nenhuma dessas notícias consegue me afastar do discipulado de Cristo. Jamais os que estão à frente de um ministério serão capazes de substituir o modelo exemplar deixado pelo nosso Senhor. É na vida obediente de Jesus que o crente deve inspirar-se para prosseguir na sua jornada espiritual. Logo, se qualquer homem cair, devemos ter essa compreensão nas nossas mentes. Do contrário, o pecado do pastor será, na verdade, mais uma desculpa apresentada para alguém tentar justificar um erro.

Que coragem teve aquele cego! Ele não creu apenas na unção e no poder de Jesus. Confiou no seu imenso amor! Ele soube distinguir o Mestre dos demais professores de religião de sua época. O Filho de Davi não poderia ser como os demais líderes que excluíam as pessoas de seu convívio. O messias no qual ele cria seria um homem acima de tudo humano, acessível e compassivo. Como em Isaías 35, versículo 5, trecho das Escrituras que Jesus citou numa resposta dada a João Batista (ler artigo Um messias que se fez amigo dos pecadores).

Jesus atende o seu clamor e manda que lhe tragam o cego. Tal pedido por misericórdia fez com que o nosso Senhor suspendesse por alguns instantes a sua caminhada encaixando a necessidade daquele homem na sua agenda. Perguntou qual seria o seu desejo para ser realizado e o cego responde na lata sem fazer qualquer rodeio: "que eu torne a ver" (v. 41).

Transportando essa experiência para as nossas orações diárias a Deus, devemos tirar como aprendizado a perseverança do cego e a exata expressão de que ele desejava. Muitos de nós desanimamos nas nossas petições ao Pai só porque não somos atendidos de imediato. Outras vezes,  não estamos desejando com o coração aquilo que falamos com a boca. Em todo o caso, falta fé. Simplesmente ficamos alienados dentro de uma rotina religiosa que, embora ajude a construir bons hábitos, será algo sem efeitos práticos caso não aprendermos a fazer esse exercício espiritual com vontade.

Ao restabelecer a visão do cego, o Mestre lhe diz: "a tua fé te salvou". Segundo alguns comentaristas bíblicos, esta parece ser uma tradução melhor do que simplesmente "te fez bem", muito embora me pareça que ambas possam se completar sendo certo que a ideia de salvação total também corresponde à atitude posterior do homem curado em seguir a Jesus e louvar a Deus (v. 43).

Assim, como podemos constatar, a extensão do milagre foi muito maior do que simplesmente ser restaurada a visão ocular de um cego. O homem continuou ansiando por algo a mais de maneira que, quando começa a seguir a Jesus junto com a multidão, podemos ver nisto um passo rumo ao discipulado. Ao invés de sair dali e voltar para a casa, ele preferiu ir atrás do Mestre crendo em algo ainda superior ao benefício recebido.

Finalmente, quero destacar a importância da atitude de pessoas capazes de agir com a coragem do cego de Jericó mesmo diante da estupidez da maioria. Muitas vezes é preciso que alguém tenha a ousadia de gritar no meio de uma multidão e contrariar os que estão na frente dos ministérios afim de que a nossa sensibilidade seja tocada. Essa atitude que jamais deve ser confundida com a rebeldia (porque estava em conformidade com o propósito de Cristo) pode ser aquilo que a Igreja esteja  necessitando escutar. Tanto é que o resultado daquela intervenção sadia do cego foi fazer com que todo o povo prosseguisse depois rendendo louvores a Deus.

Igualmente sinto ser urgente nós nos posicionarmos com firmeza nestes dias atuais. O crente fiel não tem que se preocupar com o agrado dos homens. A falta de cuidado da Igreja para com o necessitado deve ser apontada pelos profetas que o Espírito Santo levanta. Enquanto o dinheiro dos dízimos e das ofertas continuar sendo prioritariamente destinado para a construção de prédios, o ser humano, que é o verdadeiro templo onde Deus habita, requer mais atenção. Não podemos deixar pessoas em nossas comunidades passando por necessidades! Algo tem que ser feito dentro dos grupos nos quais nos congregamos e também no ambiente onde estamos (nossos bairros e cidades). Esta é a visão que necessita ser hoje restaurada: o foco nos pequeninos.

Que possamos todos "ver" afim de seguirmos com real propósito glorificando ao nosso Deus Maravilhoso!


OBS: A ilustração acima corresponde ao quadro Jesus curando o cego perto de Jericó do pintor parisiense Eustache Le Sueur (1617-1655), o qual foi um dos fundadores da Academia de Belas Artes da França. O obra encontra-se atualmente na Galeria de Imagens de Sanssouci, em Postsdam, Alemanha, e foi extraído do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Eustache_Le_Sueur_003.jpg

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