Muitos estudiosos consideram que o capítulo 21 do 3º Evangelho contém um pequeno "apocalipse" que vai do versículo 5 ao 38. Trata-se da reunião de alguns ensinamentos proféticos de Jesus sobre a destruição de Jerusalém ocorrida no ano 70 de nossa era, quatro décadas depois de sua morte, mas que se relacionam também com os últimos tempos da história da humanidade. De acordo com os outros dois sinóticos, esse Sermão Profético teria acontecido no Monte das Oliveiras (Mt 24:3; Mc 13:3), geograficamente situado em frente ao antigo Templo. Narra o texto de Lucas que para lá o Senhor ia repousar de noite com os seus seguidores após pregar durante o dia (verso 37).
Tudo começou quando os discípulos do Mestre admiraram-se sobre a beleza e a ornamentação do prédio 2º Templo (v. 5). Afinal, era uma construção e tanto que, embora tivesse já alguns séculos de duração, fora reformada pelo rei Herodes sendo então o maior patrimônio cultural de Jerusalém. Algo que, apesar da dominação dos romanos, certamente era motivo de orgulho nacional para os judeus e também deveria servir de encorajamento para as pessoas sonharem com uma futura emancipação política.
Mesmo sendo filho de um tekton, palavra grega que tanto pode significar carpinteiro como um trabalhador da construção civil, Jesus parece não nutrir nenhum sentimento de admiração por aquela obra. Seus olhos analisavam as coisas por um outro ângulo da perspectiva dos pequeninos. Se quando menino ele pôde ter encontrado prazer em debater teologia entre os doutores da Lei (2:46), a ponto de ter deixado temporariamente a companhia dos familiares, eis que sua postura tornara-se bem crítica contra os sacerdotes e os escribas. Aquela estrutura religiosa tinha virado um ícone abominável de um sistema apodrecido pela hipocrisia dos seus líderes.
Como se pode verificar ao longo de todo o Evangelho de Lucas, o Mestre iniciou o seu ministério pela Galileia. Ou seja, Jesus preferiu começar pela periferia de Israel, estar entre os pobres e os excluídos do seu povo ao invés de agradar os ricos. Embora tivesse pregado em sinagogas e aceitado o convite de fariseus para fazer refeições em suas casas, nosso Senhor permaneceu mais focado na recuperação das "ovelhas perdidas": os publicanos, as meretrizes, os leprosos, as viúvas, os lunáticos e os portadores de deficiência. Era com o ser humano que ele realmente se importava! Não com prédios religiosos e menos ainda com o palácio dos reis.
Ainda assim Jesus precisava pregar naquela casa e deixar lá a sua mensagem de boas-novas, o que fez ludicamente expulsando os vendilhões do local (19:45-46). Nosso Senhor desafiou a falsa autoridade de um sacerdócio decadente a exemplo do que fizera o profeta Jeremias nos últimos anos do 1º Templo. E, na intimidade do ambiente discipular, transmitiu ensinamentos escatológicos aos seus seguidores mais próximos, desconstruindo ideias e conceitos incutidos em suas mentes:
"Falavam alguns a repeito do templo, como estava ornado de belas pedras e dádivas; então, disse Jesus: Vedes estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada." (Lc 21:5-6; ARA)
O anúncio da destruição física do Templo, fato histórico que sucedeu quando as tropas do general Tito invadiram Jerusalém, significou também o fim de um sistema religioso que se tornara incoerente e espiritualmente estéril. Os ricos sacerdotes estavam viciados no poder, mais preocupados com a satisfação dos próprios interesses do que ministrarem sobre as necessidades daquele povo sofrido. Arrecadavam as ofertas da nação inteira e falhavam na distribuição dos recursos. Todas essas maldades escondiam-se por trás do "sagrado", não muito diferente do que hoje em dia no cristianismo.
De modo algum podemos achar que a profecia de Jesus teve o seu cumprimento somente entre o povo judeu ou que se restringiu apenas a uma época passada. Justamente por ser uma mensagem que é profética, ela nunca se fechará num acontecimento só, mas se relaciona com a história de todas as gerações, nas diversas épocas e lugares diferentes. A destruição de Jerusalém no ano 70 foi uma segunda versão da invasão de Nabucodonosor no século VI a.C., conforme havia prevenido Jeremias.
Para a Igreja de hoje tudo isso continua fazendo sentido. Não podemos viver num falso triunfalismo achando que o cristianismo teria suplantado o judaísmo e, por isso, seríamos o novo povo escolhido. Nada disso! Antes toda a estrutura eclesiástica erguida nesses dois mil anos é passível de semelhante perecimento, quer sejam os prédios das igrejas, suas obras de arte, os cargos dos seus ministros ou toda a riqueza acumulada pelo Vaticano e demais instituições cristãs. A História cobra o fato dos pastores que sucederam os apóstolos terem cometido os mesmos pecados dos saduceus sendo certo que até hoje no nosso meio ainda encontramos pequeninos na mais absoluta miséria.
O ensino do Novo Testamento faz com que compreendamos qual é o verdadeiro templo onde Deus quer habitar que é o nosso coração. Por isso, toda a preocupação da Igreja precisa voltar-se para o ser humano e penso que devemos ser persistentes na eliminação da pobreza o meio cristão. Considero inadmissível termos irmãos e irmãs em Cristo passando por necessidades enquanto outros membros do Corpo vivem luxuosamente. Pessoas carentes ainda saem dos cultos/missas sem que seus problemas nem ao menos sejam notados pelas lideranças da respectiva congregação. Só que, na hora de se promover obras de restauração ou de ampliação dos prédios das igrejas, os padres e pastores inventam logo suas campanhas de arrecadação financeira. Lamentável.
Edificar um lugar de reunião coletiva de adoração a Deus e onde seja ministrado o ensino regular de sua Palavra pode até refletir um saudável sentimento de preocupação com as coisas espirituais, mas não deve virar uma espécie de idolatria. O ser humano será sempre maior do que qualquer templo por mais majestosa que seja a construção. Cuidarmos uns dos outros é o que realmente importa sendo certo que o espaço onde a Igreja se encontra durante a semana independe do local escolhido, podendo ser, inclusive, nas casas dos irmãos ou em áreas abertas. O mais importante sempre será a prática do amor verdadeiro de uns para com os outros de maneira que as "pedras" desse fraternismo jamais serão derrubadas assim como a fé e a esperança.
OBS: A foto acima refere-se às pedras escavadas a partir da parede do 2º Templo de Jerusalém, as quais foram jogadas pelos soldados romanos quando invadiram a Cidade Santa no ano 70 da nossa era. Trata-se da base do monte do Templo onde as paredes oeste e sul encontravam-se. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia conforme consta em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:NinthAvStonesWesternWall.JPG
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