Páginas

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Como incentivar as pessoas a lerem mais a Bíblia nas igrejas?


“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim.” (Evangelho segundo João 5.39; versão de Almeida Revista Atualizada - ARA)
ou
“Vós perscrutais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim.” (versão da Bíblia de Jerusalém)


Tenho observado que muitas congregações cristãs sofrem de um idêntico problema – a falta de hábito das pessoas quanto ao estudo frequente da Bíblia. Alguns pastores, no começo de cada ano, chegam a distribuir roteiros que viabilizam a finalização dos sessenta e seis livros do cânon protestante através da leitura diária de capítulos, o que, infelizmente acaba sendo seguido por poucos já que nem toda a congregação consegue envolver-se com o projeto.

A meu ver, a Igreja comete um enorme erro por não estudar coletivamente a Bíblia dentro de um propósito contínuo capaz de incluir os encontros das comunidades. Apesar de muitas congregações terem suas escolas dominicais e alguns pastores iniciarem novos estudos periódicos, falta-nos uma tradição capaz de gerar o tão almejado costume. Então, enquanto uma parte da comunidade dedica-se a um estudo individual das Escrituras durante a semana, a grande maioria acaba mesmo abrindo a Bíblia quando está assistindo o culto na igreja.

Embora a leitura individual não deixe de ser uma experiência significativa, pode não ser tão rica quanto o aprendizado coletivo em comunidade. Sem uma orientação direcionada, muitos acabam abrindo o livro aleatoriamente na expectativa de que, por uma intervenção divina milagrosa, vão encontrar numa página qualquer alguma passagem condizente com a circunstância de vida enfrentada, o que, infelizmente, vem a se tornar um motivo de frustração e de desânimo caso a resposta não venha desta maneira.

No Manual Bíblico da SBB (Sociedade Bíblica Brasileira), encontrei relevantes trechos de dois valiosos artigos estrangeiros traduzidos para o português que, no desenvolvimento textual, tocam no importante assunto a respeito do estudo em grupo das Escrituras. Em nenhum deles é criticado o estudo individual. Porém, ambos reconhecem o enorme proveito que podemos encontrar na experiência coletiva. Stephen Travis, em “Lendo a Bíblia”, fundamenta que a maioria das mensagens bíblicas destina-se para comunidades, motivo pelo qual a leitura em grupo é melhor:

“Ler a Bíblia pode ser uma tarefa difícil. Às vezes é emocionante, renovador. Mas às vezes ficamos perplexos. Como podemos começar e continuar lendo? (…) Os livros da Bíblia foram escritos em grande parte para uma comunidade, não para indivíduos. Então veremos que sua mensagem se dirige a nós mais claramente quando estudamos a Bíblia com outras pessoas do que quando o fazemos sozinhos.”

Por sua vez, John Goldingay, em “Dicas para entender”, também reconhece proveito na leitura em grupo e no debate que o encontro pode proporcionar:

“Uma segunda característica das histórias bíblicas, como de qualquer história, é que ela é escrita para um público (…) Quando lemos a Bíblia com um grupo de pessoas e a discutimos com elas, ficamos mais próximos daquilo que seus autores tinham em mente, pois a prática da leitura e do estudo silencioso e individual é algo típico dos tempos modernos.”

Penso que precisamos adotar melhores métodos de estudo bíblico capazes de resgatar o espírito comunitário do primeiro século que havia na Igreja de Atos dos Apóstolos. Nos dias atuais, apesar dos compromissos cotidianos dificultem uma aproximação diária entre os irmãos nos centros grandes e médios urbanos, podemos manter uma sintonia cotidiana com os propósitos eclesiásticos que nos coloque em unidade espiritual não só quanto à congregação onde nos reunimos como também em relação aos cristãos de todo o mundo.

Os judeus, com toda a pluralidade que têm, conseguem preservar uma unidade entre si pela leitura de porções semanais da Torá chamadas de Parashot Ha-Shavuah. São ao todo cinquenta e quatro porções em que a cada Shabat (sábado) e festas bíblicas, nas sinagogas, são estudadas uma Parashat do Pentateuco bíblico, seguindo um ciclo do calendário lunissolar judaico que se inicia no mês de Tishrei (por volta de setembro/outubro do sistema gregoriano). E, além das porções da Torá, eles têm também a leitura complementar de outros textos bíblicos extraídos do Antigo Testamento como os Salmos, os profetas, os livros de sabedoria e históricos (nas comunidades judaico-messiânicas, formada por judeus e demais pessoas convertidas a Jesus, é incluída nesse estudo porções do nosso Novo Testamento).

Tal leitura complementar é chamada de Haftarah e está relacionada à Parashat da semana, tratando-se de um costume bem antigo que, provavelmente, tenha se originado no século II a.C., durante o domínio grego na Palestina. Porém, não é apenas aos sábados que os judeus estudam a Tanak (nome da Bíblia hebraica). Os rabinos orientam a leitura diária e sequencial de partes da porção semanal da Torá de domingo até sexta-feira, o que, na prática, torna-se uma preparação para um estudo coletivo daquela Parashat na sinagoga aos sábados, bem como dos demais textos complementares.

Parece-me que, neste e em outros aspectos, temos muito a aprender com os judeus! Muitos cristãos ignoram as tradições judaicas porque erroneamente consideram o judaísmo suplantado por Jesus. Tem gente que nem lê o Antigo Testamento! Porém, além de Paulo declarar a utilidade da Tanak (conferir com 2ª Timóteo 3.16-17), o próprio Senhor Jesus baseou seu ensino oral nas Escrituras hebraicas, tendo dito que elas dão testemunho a seu respeito (falam sobre a obra do Messias), conforme se lê na transcrição bíblica inicial deste artigo.

É certo que o nosso Novo Testamento diz claramente que os povos convertidos a Jesus não precisam aderir à cultura judaica. O Concílio de Jerusalém (capítulo 15 de Atos) e as cartas paulinas são bem claras quanto à desnecessidade da circuncisão para a salvação, a qual se opera pela fé e não pelas obras da Lei. Na sua Epístola aos Gálatas, o apóstolo se admirou pelo fato de que aquela comunidade cristã estivesse guardando até as datas especiais do judaísmo: “Vocês estão observando dias especiais, meses, ocasiões específicas e anos! Temo que meus esforços por vocês tenham sido inúteis.” (Gl 3.10-11; Nova Versão Internacional – NVI)

Penso que causaria um choque cultural indesejável se os cristãos, depois de muitos séculos, mudassem seus calendários e, repentinamente, passarmos a dizer que o dia 11 de outubro de 2010 agora deve ser datado como 03 de cheshvan de 5771. Contudo, podemos observar alguns métodos praticados pelos judeus e os adaptarmos à realidade de nossas congregações.

Minha proposta é que a Igreja possa elaborar o seu próprio roteiro anual de leitura bíblica sequencial com porções do Novo Testamento, as quais seriam complementadas por textos do Antigo Testamento, incluindo obviamente o os cinco livros de Moisés, os Salmos, os profetas e Provérbios, bem como os demais livros históricos e de sabedoria. Então, em estudos bíblicos dominicais, seria feito pela manhã um estudo em grupo daquilo que foi lido por casa um individualmente no decorrer da semana passada. Inclusive, várias igrejas no Brasil e no mundo podem adotar o mesmo roteiro, o que contribuiria para a unidade do povo de Deus.

Certamente que, se o estudo bíblico em grupo passar a direcionar a nossa leitura diária das Escrituras, estaremos ganhando muito mais do que mera informação bíblica. A maior necessidade da Igreja nos dias atuais continua sendo o discipulado, o que é bem diferente de imprimir nas mentes das pessoas uma formação teológica de intelectualismo abstrato. Por isto, o conhecimento bíblico precisa ser encarado como uma aplicação no cotidiano, tornando-se algo que nos integre com a vida, ajudando-nos nos relacionamentos com as pessoas e no enfrentamento das diversas situações que surgem. Por isso, o aprendizado coletivo baseado na troca de experiências tem muito a contribuir.

Para finalizar, torna-se oportuno transcrever a mensagem que Paulo enviou a Timóteo, a qual permanece tão atual quanto foi na época apostólica e nos ensina para que serve o conhecimento bíblico:

"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda a boa obra." (Segunda Epístola de Paulo a Timóteo 3.16-17; NVI)

Nenhum comentário:

Postar um comentário