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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Nossas saudosas Sete Quedas hoje submersas...




Há exatos 41 anos, mais precisamente em 13 de outubro de 1982, começava a formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a qual, em poucos dias , veio a extinguir as Sete Quedas, um patrimônio da humanidade.


Cerca de um mês antes, quando afinal se anunciava o fechamento das comportas para a criação do lago da hidrelétrica de Itaipu, o poeta Carlos Drummond de Andrade publicou este texto no Jornal do Brasil. Em letras grandes, os versos ocuparam uma página inteira, a capa do Caderno B:


"Sete quedas por mim passaram,e todas sete se esvaíram.

Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio.

Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta. Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato.

Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada. Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas. Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto. Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la.

Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censura e a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes, vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada.

(“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”)

E patati patati patatá... Sete quedas por nós passaram, e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, e todas sete foram mortas, e todas sete somem no ar, sete fantasmas, sete crimes dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá."


Apesar de nunca ter visitado as Sete Quedas, lembro de quando o Jornal Nacional anunciou que esse patrimônio natural iria ficar submerso. Algo que dificilmente veremos outra vez, exceto numa aparição consoladora durante uma severa estiagem...

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