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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A propaganda institucional feita pelo candidato à reeleição no período eleitoral em seu perfil particular na internet




No dia 09/11/2020, eu havia divulgado neste blogue a postagem Justiça determina ao prefeito de Mangaratiba que retire do ar a propaganda de sua gestão feita no Facebook em época de campanha política!, na qual noticiei uma decisão liminar proferida pela então Magistrada da 54ª Zona Eleitoral , Dra. Bianca Paes Noto, que, durante a campanha ao pleito local, havia determinado ao candidato à reeleição à Chefia do Poder Executivo Municipal, Alan Campos da Costa, a retirada de três postagens do Facebook feitas no final de outubro do ano passado sobre a conclusão de obras públicas recentes: a reforma da praça do bairro Junqueira, a revitalização do cais de Conceição de Jacareí e a restauração de um trecho da estrada que liga Muriqui a Itacuruçá que havia afetado pelas chuvas de fevereiro de 2019, formando uma cratera no bairro Axixá.


Tratava-se de uma representação que eu, como candidato a vereador, tendo legitimidade para isso, ajuizei perante a Justiça Eleitoral e que fora julgada procedente na primeira instância. De acordo com a Juíza, a conduta do prefeito violou a proibição prevista no artigo 73, inciso VI, alínea b, da Lei Federal 9.504/97. Na ocasião, tendo sido verificados os link’s indicados por mim na petição inicial, ficou confirmado que tais postagens do prefeito, no seu perfil pessoal do Facebook, teriam contrariado as regras da chamada "Lei das Eleições", pois "mostram postagens de obras que estão sendo desenvolvidas pela gestão atual, conduta vedada pelo citado diploma legal", havendo a Decisão, ao final, determinado o seguinte: 


"Em face do exposto, presentes os requisitos do artigo 300 do CPC, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela antecipada e DETERMINO imediata retirada da internet das postagens elencadas na petição de emenda juntada pelo representante, as quais também estão indicadas na última promoção ministerial. INTIME-SE o representado para que, no prazo de 24h, promova a retirada das publicações elencadas, sob pena de multa única de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), pelo eventual descumprimento, repisando a possibilidade de majoração da referida sanção. As publicações deverão ser retiradas, de forma que nem os seguidores dos perfis nem usuários não seguidores das redes sociais possam visualizá-las. O representado poderá utilizar o arquivamento das publicações ou outro meio que garanta a suspensão da visualização das mesmas, desde que não fiquem visíveis a nenhum usuário, enquanto subsistir a presente tutela ou até o julgamento final da Representação." (Processo n.º 0600635-29.2020.6.19.0054)


Posteriormente a isso, tendo sido o prefeito devidamente citado e apresentado a sua defesa, retirando do ar as postagens, foi então proferida a clara e acertada Sentença pela mesma Juíza de primeira instância, julgando procedente a representação e ratificando a tutela de urgência concedida (a liminar), porém acrescentando a imposição de multa ao alcaide:


"É de notória sabença que a Constituição Federal estabeleceu como direito fundamental a liberdade de expressão, como foi ressaltado na defesa do representado. Ocorre que, como qualquer direito, este não é absoluto, devendo seu exercício se harmonizar com outros princípios veiculados pela Carta Magna. Também é certo que, dentre tais princípios, destaca-se o da igualdade de oportunidades para todos os candidatos, devendo o Juiz Eleitoral velar pela isonomia e a busca pela lisura, normalidade e pelo equilíbrio no pleito, normas constitucionais que, previstas no caput do art. 14 e no seu § 9º, destinam-se àqueles que efetivamente disputam o voto do eleitor (partidos políticos, coligações e candidatos), protegendo o pleito tanto quanto possível contra a influência e os abusos decorrentes do poder econômico ou político, devendo, assim, ser observadas, in totum, as vedações previstas na Lei das Eleições (...) Dessa forma, não pode o representado invocar o direito constitucional da liberdade de expressão, pretendendo se utilizar do aludido princípio como salvo conduto para se manifestar quando e como quiser, em detrimento de regramento específico que veda a veiculação de propaganda pelo agente público, nos moldes como foi declinada, ainda que tenha ocorrido em página privada. Assim, é de simples interpretação que a postagem em voga abarca a intenção de divulgar trabalho efetivado pela prefeitura, sendo certo que a divulgação do aludido labor foi feita em data vedada pela Lei Eleitoral, em evidente afronta ao estatuído no artigo 73, inciso VI, alínea “b” (...) Desse modo, portanto, infere-se que as publicações feitas pelo representado indubitavelmente, configuraram violação ao dispositivo impeditivo de tal ato"


Houve recurso do prefeito, como era de se esperar, embora as eleições já tivessem ocorrido, sem que a remoção das postagens houvesse afetado o resultado final quanto à sua questionável reeleição, a meu ver viciada por outras razões diversas da propaganda institucional. Assim, o apelo à Corte Regional fez com que o caso passasse por nova apreciação pelos Desembargadores que compõem o TRE-RJ, os quais já estavam decidindo de maneira diversa em ações análogas a minha, inclusive reformando duas sentenças contra o mesmo réu em representações ajuizadas pelo Ministério Público.


Infelizmente, não tive a mesma sorte perante a segunda instância da Justiça Eleitoral embora, desde que apresentei as contrarrazões ao recurso do prefeito, já ciente dos posicionamentos da segunda instância, procurei ver um diferencial no meu processo em relação às demais situações apreciadas pelo TRE. Por isso, preocupado com a possibilidade de ter um resultado desfavorável no julgamento, encaminhei memoriais para cada gabinete e, no dia, ainda tentei sustentar oralmente na videoconferência pelo aplicativo Zoom, sendo que, na hora, meu áudio não funcionou. Por unanimidade de votos, a Sentença de primeiro grau foi derrubada, tendo sido esta a ementa da lavra da eminente jurista, Des. Kátia Valverde Junqueira, na sessão virtual ocorrida em julho de 2021:


"Recurso Eleitoral. Representação por Conduta Vedada. Eleições 2020. Suposta violação ao art. 73, VI, “b” da Lei 9.504/97. Não configuração. Divulgação de ações do Executivo Municipal. Postagem em rede social particular gratuita. Ausência de emprego da máquina pública no ato de propaganda.

1. In casu, imputou-se conduta vedada ao Recorrente, então candidato à reeleição, em razão de publicações no seu perfil privado na rede social Facebook, fazendo menção a realizações do seu governo, com a finalidade de exaltar sua candidatura.

2. A publicidade institucional pressupõe a prova do uso da máquina pública para a sua realização, seja no dispêndio de verbas públicas para a produção e divulgação do ato publicitário, seja no uso dos canais oficiais de comunicação da Administração Pública. Situação que não ocorreu no caso sob julgamento. Postagem em rede social gratuita, feita no perfil privado do recorrente, e na qual não há nenhuma prova que indique ter havido o emprego de verba pública. Precedentes deste TRE-RJ e do TSE.

3. Na linha do que entende o TSE, “O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens de responsabilidade do agravado.”

4. Provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente a representação por conduta vedada."


Inconformado, por entender que havia pontos levantados nas minhas contrarrazões que devessem ser apreciados no respeitável acórdão, entrei com embargos de declaração dentro do prazo legal. Nas razões dos declaratórios, informei que havia realçado aquilo que considerei ser uma eventual excepcionalidade ao entendimento da Egrégia Corte Regional. Isto é, que a divulgação de obras públicas recentes, realizadas dentro do período de 90 (noventa) dias que antecedem ao pleito, teria, na verdade, o caráter de uma "inauguração virtual" por meio do perfil privado do candidato. Sustentei sobre a necessidade de se diferenciar a conduta do gestor em elogiar os seus feitos pretéritos, no sentido de tentar convencer com racionalidade o eleitor acerca da continuidade de sua administração, de querer influenciar assediosamente a opinião pública pela divulgação de atos e obras que estariam ainda acontecendo durante o período eleitoral, inclusive no auge de uma campanha.


"Portanto, esse é o recurso e/ou remédio processual cabível de caráter integrativo da Sentença (...) sendo que, como já dito, o embargado promoveu verdadeiras inaugurações virtuais de obras recentes do Município, questão essa que, nesse detalhe específico, precisa ser analisada e pacificada por esse Egrégio Tribunal. Até mesmo porque, em se tratando de publicações de obras que, na prática, tornam-se verdadeiras inaugurações virtuais, tem-se uma conduta que se assemelha à vedação do art. 77 da Lei Federal n.º 9.504/1997."


Com isso, foi marcada nova sessão no TRE na qual os meus embargos declaratórios entraram na pauta do dia 06/10/2021 quando apenas pude estar virtualmente presente, embora sem direito a fazer sustentação oral perante os membros da Corte. Porém, o recurso foi desprovido também por unanimidade de votos, sendo esta a ementa da mesma magistrada relatora:


"Embargos de Declaração. Recurso Eleitoral. Eleições 2020. Representação por conduta vedada. Ausência de omissão.

1. Os embargos de declaração, a rigor, têm por objeto o saneamento de omissão, contradição, obscuridade ou erro material porventura existente nos próprios fundamentos da decisão atacada, sendo os efeitos infringentes meros consectários eventuais do aclaramento integrativo.

2. Alegação de omissão cinge-se à não apreciação da tese do Embargante aduzida em suas contrarrazões de Recurso Eleitoral de que as obras divulgadas pelo recorrente seriam recentes, que ainda se encontravam em andamento no período eleitoral. Improcedência.

3. Argumento que não tem o condão de afastar a ratio decidendi adotada por esta Corte Regional. O fato de se tratar de obra recente não transmuda o ato de propaganda privado, feito em perfil pessoal de rede social e sem dispêndio de verba pública, em publicidade institucional, cuja característica essencial é o custeio pelo Erário.

4. Consoante a pacífica jurisprudência de nossas Cortes Superiores, o órgão julgador somente está obrigado a apreciar as alegações que em tese possam infirmar a conclusão do julgado. Precedente TSE.

5. Inexistência de omissões, contradições ou obscuridades hábeis a ensejar a integração almejada, deixando-se entrever o inequívoco propósito de promover a rediscussão da matéria mediante alegações de omissão no julgado.

6. Rejeição do pedido de aplicação de multa ao embargante por ato atentatório à dignidade da justiça. Caso em que não se vislumbra de forma patente o abuso do direito de recorrer. Tese jurídica razoável que, em substância, já estava presente em suas contrarrazões.

Desprovimento dos Embargos de Declaração."


Apesar de compreender e, acima de tudo, respeitar os argumentos jurídicos contrários ao meu, admitindo que muito tenho aprendido com as sábias decisões da desembargadora relatora do meu processo, ainda assim não desisti de lutar pela tese jurídica que acredito. E, modesta parte, pretendo ver se consigo convencer os ministros do TSE através de um recurso especial eleitoral que interpus nesta chuvosa semana do feriadão.


Certa vez uma advogada e ex-procuradora municipal que havia atuado comigo por uns tempos do sindicato dos servidores públicos de Mangaratiba disse-me que "derrota a gente não conta". Porém, disto eu também discordo e quero justamente expor a controvérsia jurídica existente a fim de que o assunto em questão continue a ser repensado no meio jurídico e, quem sabe, a jurisprudência seguir numa outra direção no pleito geral de 2022.


A questão jurídica pela qual ainda continuo a lutar, mesmo passados quase onze meses após o pleito de 2020, é um assunto de índole constitucional. Isto porque o artigo 37 e o seu parágrafo 1º da Constituição Federal disciplinam o princípio da impessoalidade na Administração Pública com a expressa proibição de qualquer forma de propaganda institucional, ainda que de caráter informativo ou educativo, onde conste nome, símbolo ou imagem capaz de caracterizar uma promoção pessoal de autoridades:


"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."


Ora, é preciso considerar que a publicidade de atos recentes de governo, inclusive a conclusão de obras públicas no período eleitoral, não atende a fins republicanos, de modo que, para se preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos, deve a Justiça estabelecer limites aos atos de campanha.


Sendo um prefeito, governador ou presidente candidato à reeleição, eis que as suas postagens na internet, durante o período eleitoral, devem seguir o mesmo procedimento daquelas adotadas pelos demais adversários que se encontram fora da chefia do Executivo. Isto é, sem fazer uso da máquina, ou de servidores públicos, e nem manipular a propaganda institucional para promoção pessoal por meio de obras públicas em andamento. 


Todavia, agindo de modo contrário, o governante candidato à reeleição acaba cometendo abuso ao fazer a divulgação das notícias porque ele transforma aquilo que, por sua natureza, seria ato de propaganda institucional da Administração Pública numa verdadeira propaganda pessoal 


Em outras palavras, os governantes brasileiros andam praticando uma verdadeira burla à propaganda institucional prevista na Lei das Eleições e na Constituição quando, a exemplo do meu processo, passam a transmitir a divulgação de recentes obras públicas não no perfil social de internet da Administração Pública, mas, sim, em sua própria página pessoal de redes sociais.


Assim, entendo que uma publicação do tipo não pode caracterizar-se como mera divulgação de atos do mandato para convencimento racional do eleitor no curso de uma campanha eleitoral, mas, sim, como notícia acerca de mais uma realização do governo em período eleitoral, contrariando a essência da norma proibitória do artigo 73, inciso VI, alínea b da Lei das Eleições, além do disposto na Carta Magna, conforme citado acima. 


Por sua vez, pode-se dizer ainda que divulgações assemelhadas passam a ter inegáveis características de uma inauguração virtual, mesmo sem a presença do candidato no local, o que, a meu ver, independe de ser ou não uma transmissão em tempo real, a exemplo das lives.


Por conclusão lógica, se a publicação oficial não pode apresentar o Chefe do Executivo e nem os atos de governo, logo uma divulgação de obras em andamento no período eleitoral, mesmo sendo veiculada por um perfil privado nas redes sociais, também não pode retratar o governante e nem os feitos da Administração Pública! Por isso, entendo que a publicação em perfil privado do candidato noticiando obras em andamento, nos noventa dias que antecedem ao pleito, não deixa qualquer dúvida acerca do abuso de poder político por um candidato a reeleição, o qual, a partir de sua página pessoal na internet, faz divulgação, através de propaganda política, de diversas obras realizadas faltando pouco tempo para o pleito, o que, por sua vez, gera confusão entre o público e o privado, de modo a burlar a proibição legal prevista sobre a propaganda institucional e, consequentemente, causar desequilíbrio na disputa eleitoral.


Jamais pode ser esquecido que um dos princípios indissolúveis capaz de trazer legitimidade para todo o processo eleitoral vem a ser justamente a igualdade de oportunidades que precisa haver entre os candidatos. E, no caso das reeleições, estas, por si só, já trazem uma vantagem para os ocupantes do Poder Executivo, os quais sempre poderão fazer uso da máquina administrativa em seu proveito próprio.


Nessa análise, é necessário observar que estamos diante de situações que decorrem do avanço da tecnologia em comunicação, para o que a nossa legislação ainda não estava totalmente preparada nos anos 90 do século XX, quando começou a vigorar a Lei das Eleições. Logo, é evidente que a propaganda de obras públicas recentes e de atos oficiais, feita no perfil do candidato à reeleição ao cargo do Poder Executivo, ainda mais nas hipóteses quando há menção expressa ao seu nome e número de urna, acaba personalizando as ações do governo. Tem-se, deste modo, uma associação de imagem do gestor em período eleitoral com a obra em curso divulgada perante o eleitorado, não restando dúvida o seu direcionamento em alavancar a campanha do candidato à reeleição.


Concluo o meu raciocínio dizendo que, no caso de uma obra em andamento, ou que tenha sido concluída durante o período eleitoral, a sua notícia deve ser proibida no perfil do candidato até o dia do pleito a fim de que a finalização do feito não sirva de impacto sobre o eleitorado durante a fase de campanha. E, quanto à liberdade de expressão, muito bem expôs a magistrada de primeira instância, ao escrever que, "como qualquer direito, este não é absoluto, devendo seu exercício se harmonizar com outros princípios veiculados pela Carta Magna", tendo a mesma feito menção à igualdade de oportunidades para todos os candidatos, pelo que compreendeu como abusiva a conduta que fora praticada pelo prefeito de Mangaratiba, Alan Campos da Costa.


Portanto, pelas questões jurídicas do caso em análise, as quais foram levantadas em meu recurso especial eleitoral, cuja admissibilidade é pendente de análise, espero que o TSE reforme o entendimento da Corte Regional e restabeleça a Decisão proferida em primeira instância judicial, no sentido de julgar procedente a representação contra o prefeito, reprovando a conduta do candidato independentemente de se aplicar ou não alguma multa a ele já que se trata de matéria ainda controversa.


Vamos aguardar os próximos passos do processo!

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